domingo, 21 de setembro de 2014

A emoção vai ao palanque

• Marina saca da arma que era uso exclusivo do PT e expõe a trajetória sofrida para estancar a queda nas pesquisas e brigar pela última cota de eleitores disponíveis, a dos chamados volúveis

Mariana Barros e Pieter Zalis - Veja

O contra-ataque veio na forma que o PT mais temia. Depois de sofrer a Blitzkrieg dilmista por vinte dias ininterruptos, Marina Silva sacou do coldre uma arma cujo poder de fogo seus adversários conhecem bem: o apelo emocional. Em um vídeo gravado durante um comício em Fortaleza e levado ao ar no seu programa eleitoral de terça-feira, a candidata dizia que passou fome e viu seus pais deixarem de comer para que os filhos pudessem dividir um ovo — e que alguém que passou por uma experiência assim jamais iria acabar com o Bolsa Família. A voz embargada da ex-senadora, as pausas estratégicas de sua fala, a eloquência da frase final ("Isso não é um discurso, isso é uma vida") e os olhos marejados das pessoas no palanque produziram um vídeo de alta voltagem dramática — foram os dois minutos de maior impacto nas quase doze horas de programa eleitoral presidencial veiculadas na TV até aquela data, como mostrou o número de visualizações do filme na internet (67000 até sexta-feira, recorde na campanha).

O uso da emoção em campanhas eleitorais está longe de ser algo novo, mas, no caso de Marina, ele embute um significado extra. Ao rebater os ataques do adversário com sua história de vida — menina negra e pobre, nascida em um seringal do Acre e alfabetizada aos 16 anos de idade —, ela tira do PT o monopólio da emoção e inicia um perigoso avanço no território inimigo, ao mesmo tempo em que enfraquece o discurso do medo usado pelo PT. A disseminação do boato de que Marina acabaria com o Bolsa Família — motivo do seu discurso em Fortaleza — foi parte do bombardeio petista cujos resultados apareceram na última pesquisa do Datafolha, divulgada na sexta-feira.

Pelo levantamento, a presidente e candidata à reeleição pelo PT, Dilma Rousseff, abriu 7 pontos de vantagem sobre a ex-senadora no primeiro turno e diminuiu de 10 para 2 pontos a diferença no segundo. Aécio Neves, do PSDB, que chegou a ter 20 pontos a menos que Marina, agora está separado dela por 13 (veja a reportagem sobre o tucano ©). Na campanha de Dilma, o marqueteiro João Santana comemorou: "A Marina está derretendo".

As pesquisas internas do governo já mostravam que a estratégia de atacá-la a todo custo havia dado resultado. Para o diretor-geral do instituto, Mauro Paulino, a queda de Marina era esperada. "Pelo volume de ataques que ela sofreu, seu patamar não mudou muito." Ele disse acreditar que o vídeo de Fortaleza deverá ter impacto junto ao eleitor, mas seus efeitos só serão sentidos na próxima pesquisa (as entrevistas do Datafolha foram feitas entre a última quarta e quinta-feira).

Se a emoção do filme foi genuína, o uso do material foi calculado. Há pelo menos duas semanas, o marqueteiro do PSB, Diego Brandy, tinha avaliado que era preciso um programa na TV que causasse impacto no eleitorado de municípios com menos de 100 000 eleitores. É nesse segmento que se concentram os maiores beneficiados pelo Bolsa Família — e onde Dilma detém seu voto mais cristalizado. O relato de Marina sobre as agruras de sua infância já havia chamado a atenção de assessores em um comício há duas semanas. Assim, os marqueteiros da campanha não hesitaram em usar a fala quando ela voltou ao assunto no discurso de sexta-feira. Assessores da candidata ficaram empolgados quando viram a versão final do vídeo e chegaram a cogitar colocá-lo imediatamente na internet, mas a equipe de Brandy decidiu segurar o filme para o horário eleitoral. Um dia antes de a peça ir ao ar, a candidata a viu. Elogiou: "Isso é forte mesmo".

Agora, o PSB deve insistir nessa trilha. A campanha tem pronto o roteiro de outro programa, ainda não aprovado por Marina, que usará fórmula similar para abordar a má qualidade dos serviços de saúde pública no país. Ele se baseia num texto que Marina colocou em seu blog em 2010, escrito em forma de carta à filha Shalom, hoje com 33 anos. Nele, ela conta que, quando a menina nasceu, era estudante do curso de história em Rio Branco, no Acre. "Não tinha salário, nem carteira assinada, nem plano de saúde, nem previdência", diz. "Você nasceu num hospital público, onde me registraram na categoria chamada de "indigente"." Ela diz ainda que havia uma única enfermeira para atender todas as parturientes e que ela e Shalom quase morreram. Diz um integrante da campanha: "Tudo o que for referente à vida de Marina será explorado para criar uma empatia com a população mais pobre".

Marina vai enveredar pela picada aberta por Lula. "Ela pode fazer isso porque tem o "direito". Sua história é verdadeira, não soa artificial de forma nenhuma", diz o marqueteiro Duda Mendonça, que comandou a campanha que levou à primeira vitória do ex-presidente.

Enquanto isso, Dilma se prepara para dobrar a carga. Na semana passada, a presidente tentou associar a ex-senadora a uma suposta suspensão de direitos trabalhistas. Aproveitando-se de uma promessa feita pela ex-senadora de "atualizar" a legislação, a petista adiantou-se dizendo que "nem que a vaca tussa" permitirá que os trabalhadores "sofram perdas" em suas conquistas. Os governistas querem ganhar o primeiro turno por uma vantagem de pelo menos 10 pontos porcentuais. Isso aumentaria a expectativa de vitória de Dilma entre os eleitores e poderia influenciar os indecisos a optar por ela no segundo turno, além de facilitar a conquista de apoios.

A briga entre os três principais candidatos agora se concentra no voto de 41,5 milhões de brasileiros que já escolheram em quem votar, mas ainda consideram mudar de decisão. São os eleitores que os estrategistas chamam de "volúveis" e representam 29% do eleitorado. Como a taxa de indecisos e de quem afirma que votará nulo ou em branco está em torno de 6%, o patamar histórico de outras eleições, o cenário só se alterará se um candidato conseguir roubar votos de outro.

Com base em dados do Datafolha e do Ibope, VEJA traçou um perfil do tipo de eleitor que Dilma, Marina e Aécio têm mais chance de conquistar para subir nas pesquisas. São eleitores de grupos nos quais os candidatos já têm um desempenho acima da sua média geral e que por algum motivo não votam neles, mas ainda admitem mudar de ideia.

A duas semanas do primeiro turno, a pesca dos indecisos é crucial para os candidatos — e, para isso, nenhuma isca pode ser desprezada. Diz-se que, na campanha americana que elegeu Dwight Eisenhower para presidente, em 1956, o candidato Adiai Ewing Stevenson, famoso pela oratória, foi abordado por uma eleitora que lhe disse: "Governador, todas as pessoas pensantes vão votar no senhor". Ao que Stevenson teria respondido: "Madame, isso não é suficiente. Eu preciso da maioria".
As varas estão lançadas.

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