sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Míriam Leitão: O tempo do emprego

- O Globo

Por quanto tempo as empresas vão evitar demissões, com o nível de atividade perto de zero? O dado do emprego é o melhor da economia, por isso o temor de que ele seja afetado pelo ambiente geral. No setor industrial, já piorou. A indústria automobilística demitiu 6,6 mil e está adotando a suspensão temporária do contrato de trabalho, o chamado Layoff , à espera de um segundo semestre melhor.

A taxa de desemprego de 4,9% é um oásis no meio dos números negativos. A indústria está encolhendo há quatro meses, a balança comercial têm déficit no ano, a inflação está acima do teto da meta, a conta-corrente está deficitária em quase 4% do PIB. O superávit primário tem caído e o déficit nominal subiu. Esses dados ruins se espalham pelo país. O IBGE divulgou esta semana o detalhamento da produção industrial de junho. Em apenas dois estados, Rio de Janeiro e Espírito Santo, o indicador não ficou negativo; e comparado com o mês de junho do ano passado só ficaram positivos os dados do Pará, Espírito Santo e Goiás.

A Anfavea, associação que representa as montadores de veículos, chegou ao mês de julho com uma queda na produção de 20,5%, na comparação com os sete primeiros meses de 2013. Mesmo com a expectativa de um segundo semestre mais forte, a entidade calcula encerrar 2014 com uma redução de 10%. Com isso, as notícias de férias coletivas, programas de demissão voluntária e suspensão temporária dos contratos ( Layoff ) estão cada vez mais frequentes. Mas a questão é: até quando as empresas vão segurar as vagas, em um cenário de queda nas vendas e na produção?

Segundo o presidente da Anfavea, Luiz Moan, a tática adotada pelas montadoras é ganhar tempo, na esperança de que o cenário à frente melhore. Ele explica que o trabalhador da indústria automobilística é altamente qualificado e recebeu bastante treinamento. Demitir esta mão de obra é dar baixa em um forte investimento em recursos humanos. Ainda assim, 6,6 mil vagas foram fechadas em 12 meses até julho, uma queda de 4,2% no nível do emprego.

- Todos as medidas possíveis para se evitar o desligamento estão sendo feitas, como férias remuneradas, banco de horas, lay-offs, programas de demissão voluntária. É muito importante que a expectativa de crescimento futuro se mantenha, para que os empregos sejam mantidos - disse Moan.

Ao mesmo tempo em que as empresas desejam um segundo semestre mais forte, o cenário projetado para 2015 é de enorme incerteza. A Anfavea, por exemplo, ainda não consegue estimar qual será o seu crescimento no ano que vem. Há dúvidas sobre a Argentina, que é grande compradora de carros brasileiros, e há incerteza sobre alguns preços, entre eles o da energia.

- Estamos vivendo um dia de cada vez, em 2014. O ano não pode acabar ainda porque tenho que vender muito carro para recuperar o que caiu no primeiro semestre. Ainda não fizemos projeções para 2015 - afirmou Luiz Moan.

O setor automotivo representa 25% da indústria de transformação e está em uma encruzilhada. Muito carro já foi vendido, as famílias se endividaram, o crédito está mais caro e seletivo, a inflação corroeu um pedaço da renda. Externamente, a crise na Argentina afeta as exportações, que estão com uma queda acumulada de 35% até julho. A previsão é que o problema cambial no país vizinho se agrave com a nova moratória decretada este mês. Somente em vendas para o exterior, de acordo com as projeções da Anfavea, o setor automobilístico deve faturar US$ 1,6 bi a menos este ano, na comparação com o que vendeu ao exterior no ano passado: US$ 14 bilhões, em 2014, contra US$ 15,6 bi, de 2013.

A produção e as vendas de carros cresceram muito em dez anos e este é um ano de queda. Por isso, apesar de as demissões já terem começado, as empresas preferem manter seus recursos humanos na expectativa de melhoras no futuro.

Por enquanto, outros setores da economia, como o de serviços, têm conseguido manter e criar vagas, ainda que a um ritmo cada vez menor. A questão chave é a expectativa. Se os empresários perderam a esperança de uma recuperação a curto prazo vão preferir demitir a manter o custo de reter o funcionário, mesmo sendo qualificado. É preciso que o mais rapidamente possível os investidores melhorem a percepção sobre o desempenho futuro da economia brasileira.

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