quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A necessidade de uma ambientalista de se reinventar mais uma vez

• Vice na chapa de Eduardo Campos, acreana foi vereadora, deputada, senadora e ministra, passou por PT e PV, tentou sem sucesso fundar a Rede, e havia se aliado ao PSB. agora pode ser candidata à presidência

Cristina Tardáguila – O Globo

No dia 5 de outubro do ano passado, a ex-senadora Marina Silva subiu num palanque adornado com a bandeira do Brasil, deu a mão esquerda ao ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (1965-2014) e, citando o poeta amazonense Thiago de Mello, de quem tanto gosta, disparou: "Se não é possível um novo caminho, há que se aprender uma nova forma de caminhar". Era o jeito de Marina justificar a união que ela - e a Rede Sustentabilidade - haviam selado com o tradicional PSB de Campos. Hoje, depois de ter perdido seu parceiro de chapa presidencial, o homem que, em suas palavras, "tinha aprendido a respeitar", a acreana de 56 anos precisará reaprender a caminhar. Mais uma vez na vida.

Marina Silva nasceu Maria Osmarina Silva de Souza numa família de seringueiros que teve oito filhos. De todos eles, foi a única a frequentar a escola, sempre com dificuldades. Aos seis anos, Marina foi contaminada por mercúrio e, por carregar esse metal no sangue até hoje, convive como uma série de problemas de saúde. Não tolera frutos do mar, condimentos, lactose, carne vermelha, álcool e cosméticos. Quando quer dar cor aos lábios, por exemplo, usa raspas de beterraba. Batom, jamais. No pescoço, a mulher de corpo esguio e coque perfeitamente alinhado sempre leva bijuteria artesanal. São todos de sua própria lavra. Mas Marina nunca foi criticada pelo visual que apresenta.

Antes de ser candidata a vice ao lado de Campos, Marina Silva foi muitas outras coisas: empregada doméstica em Rio Branco (1974); moradora do convento das Servas de Maria (1976); fundadora da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Acre (1985) e cabo eleitoral de Chico Mendes (1986), para citar algumas.

Daquela época, Marina guarda lembranças. Em 2010, em entrevista concedida ao GLOBO, ela contou que o horário eleitoral em 1986 era feito ao vivo, e que ela dispunha de apenas 30 segundos no programa do PT para mandar todo seu recado. "Eu parecia o Enéas", resumiu.

Em 1998, Marina foi a vereadora mais votada de Rio Branco; em 1990, foi eleita deputada federal; em 1994, com apenas 36 anos, chegou ao Senado; e, em 2003, depois de já ter se reinventado todas essas vezes, assumiu o Ministério do Meio Ambiente a pedido do então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.

Sua nomeação foi comemorada pelos jornais "The New York Times" e "Financial Times", e Marina passou a ser "o cartão de visitas" de Lula no exterior quando o tema era ecologia.

Durante sua gestão no ministério, mais de 700 pessoas foram presas por crimes ambientais. Recordes de delimitação de terras preservadas foram batidos, e o ritmo de desmatamento da Amazônia diminuiu. Os ruralistas, por outro lado, não tardaram em abrir fogo contra ela. Diziam que seu discurso e sua atuação atrapalhavam o agronegócio, setor que respondia por nada menos do que 20% do PIB.

A briga foi declarada contra o senador Blairo Maggi (PR), grande produtor de soja, e contra a então ministra-chefe da Casa Civil e "mãe do PAC", Dilma Roussef. Capítulos diários da disputa foram registrados pelos jornais.

Em 2005, quando Lula legalizou a primeira safra de soja transgênica, Marina pensou em entregar o cargo, mas só chorou - e jamais escondeu isso. No segundo mandato dele, porém, os atritos aumentaram. O foco, dessa vez, era o asfaltamento da BR-163, entre Cuiabá e Santarém, região rica em recursos naturais, e as hidrelétricas no rio Madeira.

Mas Marina só deixou o Ministério do Meio Ambiente em 2008, depois de surpreendida numa cerimônia pública com a notícia de que o Plano Amazônia Sustentável, do qual havia sido uma das principais articuladoras, seria entregue aos cuidados do então ministro (de Assuntos Estratégicos) Mangabeira Unger. Mas Marina não ficou em baixa. Naquele mesmo ano, o jornal britânico "The Guardian" a incluiria na lista das cinquenta pessoas que poderiam salvar o planeta. E ela surfou nisso.

Em 2009, Marina deixou o PT. Alegou que "faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas". E lá se foi Marina se reinventar mais uma vez - longe do governo e do partido que a havia abrigado por três décadas.

A acreana entrou então no PV, que nunca havia passado de 0,5% das intenções de voto, e o catapultou. Na eleição de 2010, Marina encarnou o discurso verde, disse ser contrária ao aborto - inclusive de fetos anencéfalos - e se firmou como membro da Assembleia de Deus. Colheu 19 milhões de votos e provocou o segundo turno. Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) disputaram seu apoio, mas, como não se comprometeram com a lista de 42 pontos que ela defendia, Marina preferiu se abster. Não era de seu feitio compor politicamente.

O casamento com o PV acabou em seguida, e Marina decidiu fundar o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), que pretende "divulgar conceitos e ações ligados à sustentabilidade" e reúne nomes como o ambientalista João Paulo Capobianco, o empresário Guilherme Leal e a socióloga e empresária Maria Alice Setúbal. Enquanto isso, os marineiros se reorganizaram e fundaram o Movimento Nova Política.

Em fevereiro do ano passado, motivada pelo grupo, Marina anunciou a intenção de criar a Rede Sustentabilidade. E milhões de pessoas foram às ruas para colher assinaturas em apoio à legenda dela. Pela Lei dos Partidos Políticos, a Rede precisava apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 491.949 assinaturas válidas, mas só conseguiu 442.524 e teve seu registro negado.

Mas Marina ainda não estava disposta a desistir. Era hora de ela "aprender uma nova forma de caminhar" novamente.

Na edição de novembro do ano passado, a revista "piauí" contou com detalhes a aproximação da ex-senadora e do ex-governador Eduardo Campos. O movimento foi visto como "o casamento político do ano".

Segundo a reportagem, no dia 4 de outubro, abatidos pelo TSE, os integrantes da Rede se reuniram para estudar as opções de futuro. Às 3h30m, Alfredo Sirkis, cansado, abandonou o encontro e foi seguido por outros. Quando o deputado federal Walter Feldman se preparava para sair, Marina pediu que ficasse: "o que eu acho que é mais potente (agora) é a gente conversar com o Eduardo Campos, apresentar nossas ideias, e, se ele se comprometer com essas ideias, a gente apoiar a candidatura dele".

Em poucas horas, a proposta reverberou entre os amigos de Marina. Alguns classificaram-na como "genial". Outros, como impensável.

Mas, obedecendo à teimosia identificada por seu marido, Fábio Vaz, Marina foi adiante. Pediu a interlocutores que entrassem em contato com Campos, solicitando que ele fosse a Brasília. O ex-governador não tardou.

Desde 5 de outubro, quando a acreana apertou a mão do pernambucano no palanque em Brasília e anunciou a união, a convivência dos dois foi intensa. Por dez meses, viajaram pelas cinco regiões do país em busca de consenso para um programa de governo em comum. Enquanto isso, também se alinhavam com relação a apoios políticos nos estados.

Em São Paulo, Campos apoiava o projeto de reeleição do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Marina, não. Em Minas Gerais, ela defendia a candidatura de Apolo Heringer; ele, não. Os dois estavam, enfim, se ajustando. Em abril, Campos virou cabeça de chapa. Naquela época, tinha, segundo pesquisas, 6% das intenções de voto. Marina estava a sua frente, com 9%. Agora, sem ele, Marina precisará decidir o que fazer com isso, após enxugar as lágrimas.

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