domingo, 20 de julho de 2014

Ferreira Gullar: Agora é cair na real

• A derrota fragorosa diante da Alemanha apagou qualquer dúvida: já não somos os melhores

- Folha de S. Paulo - Ilustrada

Maldita a hora em que alguém inventou de trazer essa Copa de 2014 para o Brasil, dirão agora os fanáticos por nosso futebol. Quem teve essa ideia, não se sabe ao certo.

Mas quem tudo fez para trazê-la para cá foi o ex-presidente Lula, que chegou a ir à reunião da Fifa para conseguir trazê-la. E isso foi saudado como vitória por todo mundo, inclusive por mim. Uma Copa dos campeões do mundo no Brasil, quem não queria?

Todos os brasileiros queriam e, por isso mesmo, Lula fez tudo o que pôde para que esse sonho se realizasse, mesmo porque só faria crescer seu prestígio e sua popularidade.

Mega, como ele é, logo imaginou que seria um acontecimento extraordinário, de projeção internacional e, ainda por cima, o resgate do nosso insuperado trauma da Copa de 1950. Tal feito o elevaria definitivamente à condição de herói nacional.

Isso era possivelmente o que ele pensava, mas nós, que não somos políticos, também víamos a realização dessa Copa aqui como a afirmação de nosso prestígio no universo futebolístico. Só não pensamos que, para que tudo saísse às mil maravilhas, era necessário termos uma seleção capaz de peitar e vencer as dos outros países. E não tínhamos.

Creio que o ponto principal para entendermos o desastre que foi a nossa atuação nesta Copa está em nos darmos conta de que não apenas Lula é mega: nós, o Brasil também o é. E como quem é mega não se dá conta de que o é, nós, brasileiros, ao sabermos que a Copa de 2014 seria aqui, começamos imediatamente a sonhar com o título de hexacampeão e com o banho que daríamos em nossos adversários.

"A Copa já está em nossas mãos", disse Felipão, disse Parreira, disse a torcida inteira. Eu não disse, como alguns outros poucos. O que escrevi aqui sobre o assunto, nas últimas semanas, deixou claro que eu temia o desastre.

Porque somos mega, a derrota de 1950 tornou-se um trauma insuperável. É que o mega não pode perder e, se perder, não se conforma, como não nos conformamos com a derrota para o Uruguai.

Pois bem, lógico seria, após as vitórias posteriores, que nos tornaram pentacampeões, aceitarmos aquela derrota como natural, mesmo porque a seleção uruguaia, que nos venceu, era uma boa seleção e, portanto, poderia ganhar de nós, como ganhou.

Mas quem é mega não pensa assim. Aceitar a derrota é admitir que não jogamos o melhor futebol do mundo e, portanto, para sermos derrotados, deve ter havido algo inexplicável, fora da lógica natural das coisas: um apagão, certamente.

Não é assim que Felipão explica os 7 a 1 que sofremos na semifinal com a Alemanha? Sim, porque, se perdemos por termos jogado mal, não somos os melhores do mundo.

Daí por que a derrota não tem explicação. Claro, o melhor do mundo, aquele se tornou o país do futebol, que tem o rei do futebol e cinco títulos mundiais, não pode perder de ninguém, muito menos perder de lavada. Se isso nos acontecer, entramos em crise, ou seja, estamos em crise.

E então você entenderá por que muita gente agora maldiz a ideia de trazer para o Brasil a Copa dos campeões este ano. No primeiro momento, todos nós só pensamos na alegria de termos em nosso país a disputa entre as melhores seleções do mundo e, claro, a oportunidade de superarmos o trauma surgido com a derrota de 1950.

Só nos esquecemos de considerar que, tendo perdido a última Copa realizada aqui, estaríamos obrigados a vencer esta, do contrário passaríamos por um vexame ainda maior. Ou seja, em vez de nos livrarmos do trauma de 50, acrescentaríamos a ele um novo trauma, o de 2014.

Para os brasileiros mais modestos, o modo como a nossa seleção chegou à semifinal, já os deixou de pé atrás, e a derrota fragorosa diante da Alemanha apagou qualquer dúvida: já não somos os melhores do mundo.

Essa foi uma derrota tão inesperada e avassaladora que nem a nossa megalomania resistiu a ela. O novo temor era o jogo com a Holanda e o pior se confirmou: nova derrota, de 3 a 0.
É hora de encarar a realidade. Não só no futebol como no resto. Para melhorar o nosso futebol e o nosso país, encarar a realidade é melhor que nos iludirmos.

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