quinta-feira, 10 de julho de 2014

Cristian Klein: Presidencialismo, vexame e voto

• Marqueteiros terão que lidar com ambiguidade da Copa

- Valor Econômico

Os efeitos políticos do vexame histórico da derrota da seleção brasileira para a Alemanha serão desvendados em poucos dias, quando sair nova pesquisa eleitoral. O índice de intenção de votos da presidente Dilma Rousseff poderá cair, a preferência pela oposição subir, a taxa de em branco e nulos crescer, ou mesmo nada disso acontecer.

O mais provável - como demonstra a falta de correlação entre os resultados das últimas eleições presidenciais e o desempenho da seleção nas Copas - é que o impacto seja, no máximo, marginal. Mas levar uma goleada de 7 a 1, numa semifinal em casa, também não estava dentro de qualquer curva normal de probabilidade.

A humilhação mundial de quem se sente o país do futebol bateu fundo no orgulho dos brasileiros, que em três meses irão às urnas. Ontem, no "day after" do pesadelo, o estado de perplexidade deu lugar à busca de explicações e culpados. O humor não está nada bom. Mas é difícil imaginar que o cidadão comum, acostumado a outros reveses em Copas, seja levado a confundir as bolas. A política se mistura - ou se misturou - com o futebol quando o Brasil aceitou ser o anfitrião do Mundial. A política, neste caso, afeta e é afetada pelo que diz respeito à organização do evento.

Toda a energia das críticas em relação a esse aspecto parece ter se concentrado nos movimentos pré-Copa. Junho de 2013 foi a catarse de um país insatisfeito com os gastos excessivos, com a corrupção, com as intervenções urbanas autoritárias, em contraste com a qualidade ruim ou péssima de uma série de serviços públicos: do transporte de massa à educação, saúde e segurança.

Tudo seria ainda pior - e motivo para uma volta às ruas - se a organização da Copa do Mundo fosse um fracasso, o que não ocorreu. Pelo contrário. Aeroportos funcionaram a contento e o acesso aos estádios transcorreu sem problemas - ainda que tenha havido problemas pontuais, como roubos de ingressos e preços abusivos cobrados por setores do comércio. A euforia tomava conta do brasileiro e de artigos em publicações estrangeiras que justificavam o slogan dos marqueteiros de Dilma, pelo qual o país realizaria "a Copa das Copas".

Julho de 2014 tem outro significado. É uma nova catarse coletiva, de conversação social intensa, um enorme debate para desvendar porque o maior fiasco da seleção brasileira em cem anos se deu justa e novamente numa Copa organizada em casa. Isso, basicamente, tem a ver com o mundo do futebol, com sua própria lógica, líderes e instituições - e, vá lá, Freud.

Em primeiro lugar, o cidadão médio brasileiro conhece bastante o futebol para saber que a responsabilização por uma derrota da Seleção deve ser dirigida a boleiros. O vilão agora se chama Luiz Felipe Scolari, com culpas extensivas à comissão técnica e à CBF. A escolha dos jogadores, a falta de planejamento, de treinos, há inúmeras razões para se explicar o fracasso. Felipão hoje é o que foram Felipe Melo e Júlio César, em 2010; Roberto Carlos, em 2006; Alemão, Dunga e Lazaroni, em 1990; Zico, Sócrates e Júlio César, em 1986; Cerezo, em 1982; para não falar de Barbosa, cuja alma finalmente descansa em paz, com a substituição de um trauma por outro, maior.

Os 2 a 1 do "Maracanazo" de 1950 foram pouco perto do "Mineiratzen" de terça-feira. Vergonha supera tristeza. E isso leva à segunda reação à derrota.

No divã em que se transformaram as conversas pelo país, há espaço até para se questionar o papel que o futebol tem na formação da identidade nacional. Trata-se apenas de um jogo - argumentam os mais conformados na tentativa de minimizar a sensação de humilhação - mas a derrota de 7 a 1 pode ter implicações para além do futebol - ou da política. Põe em questão o jeito do brasileiro de encarar situações-limite, de estar preparado para momentos de decisão. Competições esportivas são fartas de exemplos. Menos lembrados, os fracassos de brasileiros em Olimpíadas guardam semelhança ao apagão - mais psicológico do que técnico ou tático - que levou a Seleção a tomar cinco gols em menos de meia hora (aos 11, 23, 24, 26 e 29 minutos). Favorito no hipismo nos Jogos de Sidney, em 2000, Rodrigo Pessoa viu seu cavalo Baloubet du Rouet refugar, num fiasco surpreendente. Quatro anos depois, Daiane dos Santos, à época melhor ginasta do mundo no solo, errou tanto em Atenas que também ficou fora do pódio.

Casos como esses reforçam a tese de que o atleta brasileiro parece carregar a expectativa, o fardo de não apenas representar uma nação mas de ser o redentor das mazelas do país. A declaração do zagueiro David Luiz após a derrota contra a Alemanha reflete essa ligação simbólica entre o esporte e os problemas socioeconômicos. "Eu só queria poder dar uma alegria ao meu povo, minha gente que sofre tanto já com inúmeras coisas", lamentou, aos prantos.

O que importa na dura meritocracia do esporte de alto rendimento, no entanto, não é ser um campeão de sensibilidade social. O próprio Brasil é prova de que esse peso não atrapalha quando se atua num nível de excelência. O vôlei, sob o comando do técnico Bernardinho, conquistou uma hegemonia com a filosofia de que sua equipe deve treinar tão arduamente a ponto de a partida se tornar a parte fácil - ou menos difícil - do trabalho.

Nada tão distante do que foi o improviso da seleção de Scolari e o apelo motivacional exagerado.

Mas assim como a população não aderiu ao movimento #não vai ter Copa e torceu pela seleção - separando política e futebol - o mais provável é que não os misturem.

Candidatos à Presidência que porventura quiserem se aproveitar dos resultados da Copa - positivos ou negativos - podem ser vistos como manipuladores da opinião pública. Será um desafio para os marqueteiros de Dilma, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) tocarem no assunto, em seus programas eleitorais, sem enfrentar o legado ou a memória dupla e ambígua que o Mundial provocará nos eleitores. Por enquanto, a sensação de fracasso tende a dar armas à oposição. Mas responsabilizar Dilma pelo resultado do futebol pode abrir espaço ao contra-ataque governista e a possível injeção de ânimo para se recuperar a autoimagem do brasileiro.

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