segunda-feira, 16 de junho de 2014

Paulo Brossard: Até a trivialidade pode ser útil

- Zero Hora (RS)

Promulgada a Constituição ocorreu fenômeno curioso e quase despercebido.

Falava-se muito em “entulho autoritário”, aliás, consequente aos longos anos em que o poder sem limites tudo podia fazer, mas o entulho, pelo menos na maior parte, fora revogado no dia em que promulgada a Constituição; não obstante, por faz ou por nefas continuou a falar-se em entulho e a autoridade administrativa a aguardar previa sentença judicial para, só então, cumprir seu dever legal.

Caso recente é ilustrativo. Metroviários paulistas entraram em greve e o Tribunal Regional do Trabalho, concluiu pela ilegalidade da parede; contudo, os grevistas arrostaram frontalmente o julgado que também incluía multa de R$ 500 mil diários se houvesse desobediência.

No caso, a desobediência não constituía apenas na quebra da organização judicial do Estado, mas importava no fim da estrutura jurídica da nação, uma vez que, a justiça deixaria de ser justiça, ao sabor do que pensasse qualquer litigante.

Ora, as consequências seriam sesquipedais no complexo administrativo da maior cidade do Brasil. O governador do Estado, homem de hábitos moderados, anunciou a demissão dos metroviários que desrespeitassem a sentença.

Se os meios de comunicação divulgavam que “metroviários contrariam a justiça e mantêm a greve”, o Executivo demitiu envolvidos e a consequência foi assim noticiada: “Metroviários suspendem greve após 42 demissões”.

Parece que uma relação de causa e efeito explica essa sucessão de situações, e bastou que a lei fosse observada, respeitada a sentença trabalhista e o executivo cumprisse seu dever legal, para que alguma coisa de novo ocorresse.

Como se vê, não é preciso muito para que no país prevaleça o princípio da legalidade, aliás, inseparável da atividade burocrática, e os serviços públicos funcionem regularmente. Basta que entre a covardia e a coragem os governantes fiquem com esta. O que acabo de escrever não passa de trivialidade, mas a própria trivialidade, por ser vulgar, não deixa de ser útil.

Jurista, ministro aposentado do STF

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