quarta-feira, 14 de maio de 2014

Rosângela Bittar: Matriz do aborrecimento

• No ensaio geral da Copa, otimismo é o tom do governo

- Valor Econômico

O governo já nota um arrefecimento do ímpeto dos protestos contra a realização da Copa do Mundo, no Brasil, faltando ainda trinta dias para seu início. A onda de violência recente, na avaliação das autoridades, nada tem a ver com a Copa, mas se recrudescerem até lá, as polícias e os exércitos agirão para manter a ordem. Anota-se, ainda, nesse ensaio geral, que aos poucos as autoridades vão conseguido se fazer entender na controvérsia sobre o legado do grande evento, que vai ficar mais em obras físicas, é verdade, menos em planos estratégicos que façam o Brasil sair de alguns buracos em que caiu nos últimos anos. O mais fundo deles, sem dúvida, a segurança pública.

De pelo menos duas coisas as autoridades evitam culpar a Copa. A primeira é de interferência no processo eleitoral, com o qual, conclui-se agora, nada tem a ver, nem para o bem, nem para o mal. A segunda, que nesta reta final procurou-se deixar mais clara, é que as obras físicas, de aeroportos, VLTs, concessões, abertura de vias, por exemplo, são legados da Copa por absoluto acaso, já que seriam realizadas com ou sem Copa, no ritmo possível.

Alguém teve uma má ideia de, a determinada altura da euforia marqueteira, tirar as verbas previstas no PAC para essas iniciativas e jogá-las em algo chamado Matriz de Responsabilidade, destinada a um programa de antecipação das obras da Copa. Passaram, então, a ser consideradas "gastos da Copa", e como tal cobrados.

Em mobilidade urbana, foram investidos R$ 17 bilhões, por exemplo, todos já previstos no PAC, transferidos à tal Matriz. Vão continuar em execução, depois da Copa. "É assim, o que foi feito de bom, não foi por causa da Copa; e o que há de perverso, é culpa da Copa?" O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, faz essas considerações ao conversar sobre a proximidade do grande evento antes de concluir, com um chiste: se a Copa não fosse no Brasil, os postos de saúde estariam equipados e fazendo um atendimento perfeito? Os alunos estariam aprendendo Matemática? Não teriam dificuldades em Ciências? A segurança pública estaria perfeita?", enumera, todos esses grandes calcanhares de aquiles dos governos que financiam os estádios. Programas em que o Brasil gastou, notadamente em Educação e Saúde, R$ 700 bilhões de 2010 a 2014, período em que a Copa consumiu R$ 27 bi, é o contraponto que o governo prefere fazer.

A ironia serve bem para dar ênfase ao que o otimismo do ministro ressalta: não haverá problema de segurança, o governo está confiante que será possível conter as manifestações, se ainda houver, com polícia militar, civil, exercito, marinha, aeronáutica, em esquema semelhante ao que fez na Rio 92 e na Rio mais 20. E quando a bola rolar, as manifestações gerais, nas quais se inserem as da Copa, vão arrefecer, vez que hoje o governo já as nota mais pálidas que ontem, apressadas para disputar o parco interesse que ainda despertam antes do recolhimento de todos à TV.

Aldo Rebelo não vê mais lugar, agora, para manifestações do tipo das que ocorreram na Copa das Confederações porque a classe média, que deu densidade e tamanho àquelas, saiu das ruas para fugir da violência.

Os estádios ficarão prontos, em poucos ainda falta alguma coisa, pois não se faz Copa sem estádio. As obras de mobilidade, muitas foram concluídas, diz, facilitarão a locomoção, e a maioria delas, como os aeroportos e VLTs, foram feitas por necessidade e ficarão para servir à população. O que não for concluído continuará em execução, e o Brasil seguirá adiante.

Nada há nada que se pergunte sobre a Copa que o governo não tenha uma resposta tranquilizadora, neste momento, e na argumentação do ministro do Esporte elas parecem ainda menos desconectadas do marketing, mais plantadas na realidade por quem visita tudo, em todas as sedes, uma vez por semana.

Aldo leva na piada as perguntas de jornalistas estrangeiros sobre os riscos de mordidas de cobra, no Brasil, bem como outros exotismos. Tem respondido também com impertinências algumas dessas questões, formuladas, a seu ver, "por sociólogos britânicos em visita a país tropical".

O que o governo garante, também com ironia, é que estarão todos mais seguros aqui do que poderiam estar no Afeganistão. Não vai haver o que ocorreu em 2013, a classe média não vai aderir a protestos, é a certeza.

" Há 365 dias para se manifestar, Copa do Mundo é só um mês", é outra de suas considerações nesse ensaio geral. O ministro destaca ainda "o espírito público e o profissionalismo das forças policiais" na manutenção da ordem.

Na sua opinião, num estado de direito democrático, a ordem democrática tem que ser defendida e preservada. "Impor uma agenda pela violência é romper o direito da maioria". Combativo líder estudantil, sempre na banda mais à esquerda do PCdoB, o ministro do Esporte vê legados em todo o conjunto de providências da Copa, inclusive no da segurança.

Ficarão os centros de comando e controle, sofisticadas centrais com aparelhagens modernas, doadas às secretarias de segurança pública, que vão integrar informações, em tempo real, para combater o crime.

As arenas ficarão, e em todas as capitais onde foram construídas eram e são necessárias. Quando se pede explicações sobre Manaus, por exemplo, cita que há, ali, times centenários, que participam de campeonatos nacionais, e a cidade contava com um acanhado estádio para 5 mil pessoas. Além disso, há o "multiuso" dessas arenas, onde promotores de espetáculos já disputam agendas para ali levar seus contratados.

Não tem elefante branco, assegura o ministro do Esporte. Os aeroportos eram necessários para todos os brasileiros, na Copa ou fora dela.

Mais atrasadas estão as obras de mobilidade, para o ministro, porém, é preciso saber se estão atrasadas com relação a que, porque não foram planejadas para a Copa, mas para sempre.

Aldo Rebelo cita estudo da Ernest&Young, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, sobre o impacto sócio-econômico dos grandes eventos no Brasil. Só a Copa pode gerar, no seu ciclo completo, 3,6 milhões de empregos. Com o que isso representa de acréscimo ao PIB, pode-se reclamar de legado?

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