sexta-feira, 9 de maio de 2014

Para Eduardo Cunha, Dilma errou de estratégia ao privilegiar senadores

• Líder do PMDB na Câmara diz que relação com presidente tem atritos e partido optou por adotar independência

• Na CPI mista da Petrobras, líder diz que peemedebistas não vão agir ‘nem como beques de defesa governista, nem como ponta de lança oposicionista’

Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - Em entrevista ao GLOBO nesta quinta-feira, o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), falou da relação dele e de seus liderados com o governo da presidente Dilma Rousseff e com a bancada do Senado. Afirmou que a relação com Dilma levou a bancada a se rebelar e que os interesses eleitorais de alguns deputados, em ano eleitoral, contaminam ainda mais essa convivência. Cunha frisa que houve erro, por parte da presidente, de privilegiar a relação com os senadores em detrimento da relação com a Câmara. Para ele, as dificuldades e questionamentos quanto à manutenção do PMDB na aliança com o PT este ano começaram com a atitude dos petistas no Rio de Janeiro de confrontar a candidatura do PMDB ao Estado. Cunha diz que, na CPI mista da Petrobras, os peemedebistas indicados não agirão "nem como beques de defesa governista, nem como ponta de lança oposicionista". E que atuarão para investigar os fatos.

Como está a relação da bancada do PMDB com o governo Dilma?
A bancada, desde que não quis indicar substitutos para os ministérios que cabiam à Câmara, ficou em uma posição de independência, mas com compromisso com a responsabilidade fiscal. Isso não significa que será oposicionista, porque não é. A bancada tem percepção múltipla, mais ou menos equilibrada entre os que pensam de um jeito e de outro, mas a bancada está numa posição de independência, que vai exercitar no Poder Legislativo. Com relação ao governo propriamente dito, tenta-se manter uma relação respeitosa.

Mas a relação está atritada...
A palavra não é atritada, é até maior. A bancada esteve bem rebelada. Porque o processo legislativo hoje começa a se confundir com o processo eleitoral. Então, é muito difícil separar o comportamento aqui do comportamento eleitoral. Está se avizinhando a eleição, você tem uma discussão política que será decidida através de uma convenção, vai se discutir se fica ou se não fica a aliança, tem a repercussão nos estados de cada um. Todo mundo aqui vai disputar de novo, todo mundo disputando sua vida, eu e os outros deputados vamos disputar nossa eleição. Então, as pessoas hoje estão muito voltadas para a visão desse processo e claro que isso contamina como um todo. Há estados em que você tem a relação mais conflituosa e essa relação acaba se exacerbando aqui, e há estados em que não tem e a amistosidade acaba se refletindo aqui. É normal que isso esteja acontecendo, era visível, apenas ficou mais acirrado.

Como está a relação do PMDB da Câmara com o PMDB do Senado?
Historicamente o PMDB da Câmara sempre teve uma atuação independente da atuação do Senado. Há muitos anos o PMDB sempre teve esse caminho. É claro que a gente ultimamente vinha sempre convivendo com um pouco mais de harmonia. Há momentos com mais tensão e momentos com mais harmonia. Neste momento está um pouco mais tensionado, mas a gente vai tentar trabalhar para ver se baixa a fervura e evita a tensão. Mas é um problema nosso, interno, não tem nada a ver com outra coisa, nós é que temos que conviver e ver como resolver.

A que o senhor atribui a diferença de relacionamento do governo Dilma com a bancada da Câmara e do Senado?
Eu acho que sempre houve uma visão equivocada, talvez porque a condução política, desde o início do governo tenha sido feita por pessoas oriundas do Senado, de se privilegiar o Senado em detrimento da Câmara. Claramente o governo sempre deu mais importância ao Senado do que à Câmara. E nós estamos em um regime bicameral, por isso as duas Casas são importantes iguais. A verdade é que houve uma opção, houve mesmo uma visão equivocada (por parte do governo Dilma) de que o Senado é mais importante que a Câmara.

O apoio do PMDB à Dilma, em 2014, está garantido?
Não tenho condições de falar por uma convenção. Sou apenas um parlamentar e líder de uma bancada, da qual tenho que ser o porta-voz. Eu acho que o processo vai se afunilar na hora de decidir. É que nem uma eleição: você decide seu voto próximo do período que você tem que votar. Isso será decidido numa convenção, faltam 30 dias. Daqui a 30 dias sua resposta estará respondida pelos fatos e não pela minha impressão.

A bancada da Câmara acredita que é preciso reconstruir, ainda este ano, a relação com a presidente Dilma?
Eu não diria a você se a bancada vai ou não conseguir. Acho que uma relação, para ser boa, tem que ser boa dos dois lados. Tem que ter a condição de que os dois lados queiram ter uma boa relação. Não depende só da bancada da Câmara, depende também do governo. E quando eu falo que depende do governo, não estou falando de cargo, de emenda, de nada. Porque já demos a demonstração de que não queremos cargos. Tanto que abrimos mão de indicar ministérios. O problema é a forma de relação que foi, de uma certa forma, se deteriorando, porque a bancada acabou não sendo respeitada no processo em alguns momentos. Acho que, talvez, o governo mude a forma de ver a Câmara, mas eu volto a dizer: estamos em um momento que o processo eleitoral acabará contaminando. E independente de qualquer coisa, quem tem uma visão favorável à aliança, vai ter uma impressão, quem tem visão contrária, outra. Isso a gente não poderá evitar.

No Rio, o partido vai dividido em relação à eleição presidencial? Vai com o Aécio Neves?
Eu tenho evitado, porque é complicado para mim como líder e expoente do Rio (falar disso). Porque foi basicamente a situação do Rio que iniciou a deterioração do processo de aliança, não há dúvida nenhuma disso. A confusão toda começou por isso, uma candidatura (do PT) contra a candidatura do PMDB. Se o PT queria ter supremacia no país, a manutenção do seu status quo, é natural que o PMDB também quisesse nos estados onde convivia em conjunto. Houve uma ruptura e essa ruptura acabou contaminando outros lugares que também passam por problemas semelhantes e viram que se no Rio, que era uma aliança que funcionava e virou exemplo para tudo, aconteceu o que aconteceu, imagina o que não aconteceria em outros estados. Consequentemente, os companheiros do Rio reagiram e isso está levando os companheiros a buscar um caminho alternativo, que não seja o da aliança (com o PT). O que vai dar? Eles vão fazer convenção estadual para definir. Eu, como líder, tenho que ficar neutro, não tomar partido. Não seria correto eu misturar minha posição de líder nacional com a minha posição do estado problemático.

Mas a bancada aqui está muito incomodada e muitos dizem que não gostariam de apoiar a presidente Dilma. O senhor confirma esse sentimento?
O sentimento vamos colher na convenção, que não representa só a bancada, mas o somatório das forças partidárias, muito maior que a bancada. É importante a bancada? É, mas não significa que pelo sentimento contrário da bancada não se terá a aliança (com Dilma). A conjuntura de voto na convenção é outra. Esse processo é como o eleitor, quando faz a pesquisa eleitoral: às vezes o candidato está com um percentual maior de voto e perde eleitores em determinado momento, que vão para indeciso. Depois o candidato pode recuperar ou esse voto ir para o adversário. O mesmo acontece com a bancada. Uma parte está insatisfeita, fica como indecisa, pode voltar ou não. Vai depender de como vai se dar o processo.

Como vão se comportar os deputados do PMDB na CPI mista da Petrobras? Vai ser uma postura de confronto?
De confronto nunca. Já coloquei isso com clareza: eles vão refletir o sentimento da bancada. A gente quer que os fatos que estejam denunciados sejam apurados e vamos trabalhar em conjunto com os demais membros que queiram isso. Não estamos lá para ter posição nem de beque de defesa governista, nem de ponta de lança oposicionista. Não faremos nem um papel, nem outro. Não queremos a politização do processo, quem quiser politizar vai brigar sozinho. Nós vamos nos ater aos fatos.

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