quinta-feira, 29 de maio de 2014

As razões do mau humor no voto empresarial

Letícia Casado – Valor Econômico

SÃO PAULO - O camarão com catupiry já tinha chegado à mesa de um restaurante na zona sul de São Paulo quando o vice-presidente de uma grande seguradora fez sua fezinha para 2014. "O maior gol é levar a eleição para o segundo turno. Não queremos a reeleição de Dilma. Se o Brasil perder a Copa a frustração vai se voltar contra o governo".

Ao longo dos últimos dois meses, o Valor ouviu 20 executivos sobre suas expectativas em relação à sucessão presidencial. A torcida contrária à reeleição da presidente Dilma Rousseff contamina as expectativas de três dos entrevistados em relação à Copa do Mundo - além do vice-presidente da seguradora, um diretor de empresa de serviços financeiros e o presidente de uma construtora. Um deles chega a dizer que é preferível a vitória da Argentina à de Dilma.

Sob a condição de anonimato, 12 presidentes, três vice-presidentes e cinco diretores de empresas sediadas no Brasil em São Paulo, Rio, Paraná, Ceará e Pernambuco expuseram as razões de seu azedume com a presidente. As empresas são de setores tão diversos quanto alimentos, vestuário e calçados, siderurgia e mineração, tecnologia, energia, higiene e beleza, infraestrutura, seguros, construção civil, indústria automobilística, varejo e atacado, segurança, hotelaria, financeiro e eletroeletrônico. Algumas lideram seus mercados.

Apenas três presidentes disseram que um eventual segundo mandato de Dilma pode ser melhor do que o primeiro, sendo que, destes, dois criticaram sua gestão. Para o presidente de uma empresa de tecnologia, "o governo Dilma teve muitos erros e equipe ruim, mas o segundo mandato pode ser melhor". Para o de uma empresa de energia, as reformas estruturais foram portergadas, mas Dilma é quem tem mais chance de fazê-las: "Não é a agenda de primeiro mandato, mas pode ser do segundo".

O caráter confidencial das conversas permitiu a eles fazer revelações e reclamar da gestão Dilma, em contraposição à postura adotada em público. Muitas das queixas vêm de setores com desempenho forte nos últimos três anos.

O executivo de uma multinacional do setor automobilístico diz que sua empresa planejava trazer executivos de uma fornecedora estrangeira para a Copa, mas a direção da fornecedora vetou o convite alegando que eles correriam risco.

O medo começou a ser disseminado na própria empresa automobilística. Este executivo diz que, durante a greve da Polícia Militar na Bahia, em abril, um gerente enviou mensagem a filiais do grupo em outros países para os funcionários evitassem viajar ao Brasil.

"Ninguém quer sair da fábrica à noite com medo da violência. Liberamos funcionários três horas antes", diz o executivo, que se queixa de desvantagem comparativa em relação a outros países: "Tem que ter escolta no transporte de carga e carro blindado para executivo".

A insatisfação, no entanto, excede Copa e segurança pública. Este executivo, que representa um dos setores mais beneficiados pelas desonerações fiscais do atual governo, diz que faltou uma política que englobasse a cadeia produtiva e não apenas a ponta, como, segundo ele, foi a redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). "Preciso de mais recurso e inteligência para operar no Brasil do que colegas de outros países para ter o mesmo resultado."

Segundo ele, fabricantes da cadeia automobilística levaram um documento com demandas ao governo federal; de 30 tópicos, "um ou dois foram atendidos". "E 2014 é ano de total indefinição." Para outro executivo do setor, manter os números de 2013 "já é vitória".

Companhias de vários setores refazem planos para 2014. O presidente de uma empresa de infraestrutura determinou o represamento de verbas para o estudo prospectivo de um leilão, pois não está claro o que o governo federal vai fazer na região Norte. Há duas opções, ferrovia ou rodovia. Para ele, é possível que o projeto esteja parado esperando o aval de Dilma.

O setor de infraestrutura foi contemplado na gestão Dilma com a criação da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), estatal com a meta de centralizar a gestão de projetos e tornar o sistema brasileiro multimodal e menos dependente da malha rodoviária. A EPL organiza concessões rodoviárias, ferroviárias, de portos e aeroportos à iniciativa privada. Apenas em rodovias o programa prevê leiloar nove lotes que somam 7 mil quilômetros, sendo que 5 mil já foram licitados em seis lotes.

Mas, para o executivo de infraestrutura, essas iniciativas não são suficientes: "A EPL não decolou por causa da interferência do Palácio do Planalto na elaboração de projetos". Em 2013, algumas licitações precisaram ser ajustadas, um leilão foi cancelado e, pressionado, o governo federal aumentou a taxa interna de retorno (TIR) dos projetos, tamanho foi o embate com a iniciativa privada, que contestou o teto imposto nos editais.

A indefinição no cenário eleitoral e a Copa do Mundo também seguram os investimentos em novos negócios, segundo presidente de uma empresa do setor de hotelaria. De acordo com o Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (Fohb), órgão que representa o setor, a receita por quarto disponível cresceu 5,3% entre 2012 e 2013.

"A preocupação dos empresários com a economia está voltada para 2015", disse o vice-presidente de uma indústria eletroeletrônica. A posição foi endossada por outros oito entrevistados, para os quais o próximo ano será "de ajuste", "preocupante", "incógnita" e "mais difícil". Para este vice-presidente, "2014 não vai ser nenhum desastre" e deve empatar com os resultados de 2013. "Em 2008, aprendemos com a crise que o problema é ficar estocado. Muita gente aprendeu a se proteger financeiramente, a não ter fluxo de caixa tão justo e ficar mais líquido."

A perspectiva de estagnação de resultados este ano fez a companhia aumentar o ritmo de avaliação das vendas - antes feita a cada três meses, passou para dois. "A gente faz mais pesquisa, olha mais lojas. Se o assunto de segunda-feira era 'como está o faturamento', agora é 'como foi o varejo no fim de semana'", diz o vice-presidente.

Os executivos convergem na crítica de que o eleito vai trabalhar com esqueletos deixados pelo PT como o represamento de tarifas de energia e combustível. Há quem compare o Brasil a Venezuela e Argentina, dizendo que o país terá economia similar em dez anos.

Dezenove entrevistados dizem querer mudanças na política econômica. Apenas um, de siderurgia e mineração, diz que o país passa por quase pleno emprego e é preciso ser realista, "pois o cenário interno depende do externo".

A próxima gestão, dizem nove entrevistados, terá que buscar reformas tributária, política e trabalhista, e reduzir gastos públicos. Os desafios são maiores do que em 2010 quando o país cresceu 7,5%. O cenário internacional piorou e a retomada da economia depende da realização dessas reformas, que foram postergadas. "Foram feitas apenas algumas iniciativas, cirúrgicas, neste governo", diz o presidente de uma empresa de energia.

O setor elétrico enfrentou embates com o governo federal pela maneira que se deu a redução na conta de luz. O governo promulgou em 2012 a Medida Provisória 579, que propunha renovação antecipada da concessão de geradoras e transmissoras de energia em contratos que venceriam até 2017. Mas a fórmula atingiu a remuneração das empresas nos novos contratos; algumas geradoras não renovaram a concessão e a energia vendida no mercado livre ficou mais cara. Para não repassar a diferença ao consumidor, o governo fez empréstimos subsidiados às geradoras.

O presidente de uma construtora diz que seu setor foi beneficiado com o PT na Presidência: "A construção civil passou oito anos sem política de financiamento para moradia nos governos do PSDB". "Mas nada vem de graça", acrescenta, ao queixar-se de que faltam produto e mão de obra no setor. Existe um descompasso na produção: em 2010 e 2011 a indústria atingiu o pico e a demanda caiu, e a falta de sintonia gera, por exemplo, dificuldade em receber os elevadores dos prédios, cita o empresário. As encomendas são feitas no início da obra, mas no fim ainda não foram entregues. Para o empresário, faltou política para a cadeia produtiva, e a solução é "mudar a administração do Brasil para evitar o caos".

Para os entrevistados, deve-se esperar menos do modelo de crescimento baseado no consumo. Até quem atua na área diz que o próximo presidente deve mirar em outras agendas. Um fabricante de alimentos diz que o setor freou investimentos nos últimos dois anos.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se assessorava melhor do que Dilma; Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, e Luiz Fernando Furlan, ex-ministro do Desenvolvimento, foram citados várias vezes como bons gestores. Com exceção do atual ministro dos Transportes, César Borges, nenhum ministro de Dilma foi elogiado.

"O governo federal trouxe para o Executivo pessoas sem experiência de mercado, e o ministério não pode só ter técnicos. Tem que ter um banqueiro na Fazenda. E alguém de mercado nos ministérios setoriais. O César Borges deu outro tom quando assumiu os Transportes", diz o executivo da área de infraestrutura. "Existe a necessidade de aumentar o pipeline de projetos. E não é preciso inventar nada, muitas instituições têm estudos sobre a necessidade logística do país. CNI [Confederação Nacional da Indústria], CNA [Confederação Nacional da Agricultura] já apontaram os projetos prioritários, basta escolher uma cartilha e seguir."

As convicções pessoais também aparecem nas conversas: alguns simplesmente não gostam do PT e dizem que o partido trabalha em cima de um "projeto de poder". O presidente de uma empresa de vestuário e calçados com forte presença no consumidor de baixa renda diz que não vota no PT e um dos motivos é "a famigerada Bolsa Família, que não tirou ninguém da pobreza". Sua empresa tem operação no interior do Nordeste e dificuldades para contratar porque "o cara quer trabalhar por seis meses e continuar no Bolsa Família".

Em relatório sobre o varejo no Brasil divulgado em 15 de maio, o banco HSBC alerta sobre os riscos de um período prolongado de queda no consumo das famílias e o impacto que isso pode ter nos resultados das companhias do setor. "Acreditamos que uma gestão robusta fará diferença no lucro líquido [das empresas], considerando a perspectiva obscura para o ano."

Entre os otimistas está o presidente de uma empresa de tecnologia, para quem Dilma vai "se desprender da política" em eventual segundo mandato. "Bateu onda de pessimismo nos colegas, mais do que a realidade se mostra."

Ele diz que as vendas do setor foram fortes nos últimos anos e "não tem um empresário quebrando", discurso na linha daquele adotado pelo ex-presidente Lula. Desde 2013, a venda de computadores, notebooks e tablets é estimulada pelo programa Minha Casa Melhor, do governo federal, que financia móveis e eletrodomésticos a juros baixos para beneficiários do Minha Casa, Minha Vida.

Outro presidente de empresa, do setor de siderurgia e mineração, defende o Pronatec, programa federal de ensino técnico, uma das bandeiras da gestão Dilma que serão defendidas na campanha eleitoral. Ele diz que a adesão de 6 milhões de pessoas ao Pronatec favorece sua empresa, que recebe gente mais preparada para trabalhar.

Nenhum dos 20 entrevistados, nem mesmo em off, disse duvidar da idoneidade da presidente.

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