quarta-feira, 23 de abril de 2014

Miriam Leitão: Mais que a meta

- O Globo

A inflação deve estourar a meta em maio. O índice de abril pode ficar no mesmo nível da prévia, em torno de 0,8%, o que manteria o número em 12 meses perto de 6,4%. Depois disso, há uma chance de a taxa se desacelerar e ficar em torno de 0,5% em maio, mas como é mais do que maio do ano passado, o acumulado iria para mais de 6,5%. E deve continuar pelos meses seguintes.

O professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha acredita que essa é a trajetória que a inflação cumprirá nos próximos meses. Curiosamente, ele acha que a chance de voltar a ficar mais baixa que a meta vem no fim do ano, porque em dezembro de 2013 ela ficou em 0,92%. Um número tão ruim assim não deve se repetir.

Ontem, no entanto, a mediana das previsões do mercado para 2014 ficou pela primeira vez acima do teto da meta. O Banco Central pesquisa, como se sabe, uma centena de instituições financeiras e consultorias sobre as suas previsões e divulga a mediana dessas projeções uma vez por semana. No fim de fevereiro, a pesquisa dava 6% de taxa para o final do ano e ontem chegou a 6,51%, mostrando uma rápida deterioração das expectativas. Há mais de um mês, no entanto, o grupo das cinco instituições que acertam mais — o chamado Top 5 — já havia apontado essa tendência. 

A boa notícia é que há uma desaceleração dos reajustes em curso. A prévia de abril fechou um pouco abaixo do que se esperava. Houve redução da pressão em alguns alimentos. O resultado final não deve ficar muito diferente do IPCA-15, que ficou em 0,8%, calcula Luiz Roberto. Houve aumento de vestuário, loteria, energia, mas a redução do ritmo de alta dos alimentos vai ajudar. E essa desaceleração continuará acontecendo em maio, só que no ano passado maio deu 0,37%. Agora deve ficar em 0,5%, segundo Cunha.

O câmbio tem ajudando. O real foi a segunda moeda que mais se valorizou em relação ao dólar em abril, em parte pelas intervenções do Banco Central vendendo a moeda americana.

Com o câmbio a favor, o país crescendo pouco, os juros subindo há um ano, a inflação está teimosamente em nível alto e testando o topo da meta. No governo Dilma, durante 11 meses ficou acima de 6,5% e agora em maio deve voltar a estourar.

Em junho, julho e agosto do ano passado, a inflação ficou bem baixinha. Julho chegou a ser zero. É difícil este ano repetir o feito. Há muito mais pressão para a alta dos preços.

E tudo isso com a inflação represada dos preços de energia e combustíveis. Na crise da Petrobras, um dos poucos pontos em que a atual e o ex-presidente da empresa concordam é que a gasolina precisa subir para reduzir os prejuízos da estatal com a importação do combustível. A energia teve reajustes que nada tem a ver com a pressão de custos que as distribuidoras enfrentam agora na compra da energia das termelétricas e no mercado de curto prazo. Esses custos serão jogados para depois das eleições.

Inflação represada consegue ser um bumerangue. Como os agentes econômicos ficam na expectativa de inflação maior no futuro, eles tentam se proteger agora com elevação dos preços.

Outros não investem pela incerteza quanto ao custo de produção. Em todos os sentidos, uma inflação acima da meta é desorganizadora.

O governo Dilma está colhendo o que plantou. Não deu atenção devida ao tema, deixou várias vezes pessoas influentes darem demonstração de que o combate à inflação estava em segundo plano, ampliou os gastos, permitiu que os indicadores fiscais perdessem credibilidade.

Terminará esses quatro anos tendo ficado sempre com a taxa perto ou acima do teto da meta. E pior: com uma inflação represada que terá que ser corrigida no começo do próximo governo.

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