quarta-feira, 9 de abril de 2014

Merval Pereira: Lula e a presidente

- O Globo

Acredito que o ex-presidente Lula esteja falando a verdade quando garante que não pretende se candidatar novamente à Presidência da República. O que não quer dizer que não venha a sê-lo. Nada mais verdadeiro, embora trivial, do que a comparação da política com uma nuvem que vai mudando de forma à medida que passa, feita pelo ex-governador mineiro Magalhães Pinto, muito em voga nos últimos dias devido ao seu papel no golpe militar de 1964.

Em política, o fato novo é capaz de provocar reações para que não se torne fato consumado. São tão grandes os interesses petistas, alguns até mesmo inconfessáveis, que, se a presidente Dilma continuar a cair nas pesquisas eleitorais, as pressões podem se tornar insuportáveis para que Lula entre em campo novamente para salvar o time.

Não foi assim que o ministro Gilberto Carvalho, o mais lulista dos lulistas no Palácio do Planalto, classificou Lula, o reserva de luxo que está no banco pronto para entrar em caso de necessidade? Mas será possível um jogador ganhar sozinho um jogo perdido, a poucos minutos de seu final, mesmo que seja considerado o Pelé da política?

O próprio Pelé sabiamente se recusou a esse papel quando, no governo Geisel, foi instado por assessores palacianos a voltar à seleção brasileira para jogar a Copa de 1974. Preferiu se preservar para manter a memória dos dias de glória.

Sim, porque, se Lula for escalado, é porque o jogo já está dado por perdido. O fogo amigo vem de vários lados. Uns já falam em uma chapa que teria Lula na cabeça e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos como vice.

Outros dizem que a própria Dilma aceitaria de bom agrado não sair para a reeleição, caso Lula queira disputar, sob o argumento de que esse rodízio já estava previsto no acordo que a lançou candidata. Realmente, seria preciso que Dilma concordasse em abrir mão de sua candidatura para que a transição fosse feita de forma pacífica, sem crise política, que enterraria até mesmo a candidatura de Lula.

Mas como explicar para o eleitorado a súbita mudança de posição? Ter um acordo desse tipo sem anunciar à população na ocasião mesma em que Dilma foi lançada presidente não será sentido por muitos como uma traição, um jogo político que aparta o eleitor das decisões?

Qual será o comportamento da presidente Dilma, ainda no Palácio do Planalto, com a caneta na mão, mas sem prestígio político, obrigada a abrir mão de seu direito à reeleição, mesmo para perder?

Há quem acredite que o ex-presidente Lula está agindo na vida real como o vice-presidente Frank Underwood no seriado “House of Cards”: oficialmente, elogia e defende o presidente Garrett Walker, para nos bastidores minar suas forças políticas e tomar o seu lugar. Não creio que seja assim.

Lula está na melhor situação que poderia ter. Não tem os problemas de um presidente, mas todas as suas regalias. Manda e desmanda, nomeia e demite quem quiser, é recebido no mundo todo com honras de chefe de Estado. Além do mais, essa condição, reconhecida por todos, coloca a responsabilidade do governo Dilma em suas mãos.

Difícil não atribuir a Lula grande parte do desarranjo por que passa o governo, no mínimo por ter sido o responsável por Dilma estar onde está. Mesmo que a presidente Dilma não faça tudo que Lula sugere, as constantes reuniões de aconselhamento que dá à presidente o fazem coautor de seus atos, mesmos os que critica.

Lula vai querer arriscar seu prestígio em uma eleição difícil ou, pior ainda, um governo difícil, que terá que apertar o cinto logo no início para não ser levado de cambulhada por uma crise econômica anunciada? Melhor tentar salvar Dilma e, caso seja impossível, preservar-se para poder voltar em 2018, se for o caso, depois que o trabalho sujo tiver sido feito pelo candidato eleito este ano.

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