terça-feira, 18 de março de 2014

Yoshiaki Nakano: Juro alto não derruba inflação

A boa teoria de meta de inflação nos diz que devemos considerar a meta com preços livres e não controlados

A imprensa e alguns analistas estão perplexos porque a taxa de inflação tem ignorado solenemente a elevação da taxa de juros em 3,5 pontos percentuais, mesmo com expectativa de nova elevação. Um inteligente articulista chega a perguntar: "A questão é se, hoje, existe algo errado com a economia que impeça a plena transmissão do aperto monetário - que não é pequeno - para a inflação". Segundo o mesmo articulista: "Há na praça algumas teorias que tentam explicar por que a alta de juros não fez efeito até agora na inflação e, sobretudo nas expectativas". Ainda, "um dos mais importantes canais de transmissão da política monetária - exatamente das expectativas - está obstruído".

Não há nada de errado com a economia brasileira, isto é, do ponto de vista da explicação científica, a realidade nunca está errada, mas a teoria que não consegue explicá-la, sim. Único critério de verdade para qualquer teoria é a sua correspondência com a realidade. Além disso, é preciso muito cuidado com as teorias porque normalmente o que circula são versões enviesadas, quase sempre devido a interesses, valores políticos ou ideológicos. Cuidado também com as tautologias do tipo "taxa de juros de equilíbrio" é aquela que equilibra a economia. Por isso, a verdadeira teoria científica é sempre uma hipótese ou conjunto de hipóteses que permitem explicar, ex ante, a realidade ou fazer previsões, e que vem sempre acompanhada por alguma verificação empírica, num contexto bem definido.

Primeiro vamos à questão central: por que a inflação tem ignorado a alta na taxa de juros? O mesmo articulista afirma que na experiência "ultraconservadora" de 2004 a 2006, a inflação caiu. No entanto, o responsável pela queda foi um dos maiores processos de apreciação cambial na nossa história recente. Fato ignorado pelo articulista. Atualmente, a taxa de câmbio tem-se desvalorizado, por uma série de razões, no período recente, apesar da elevação da taxa de juros desde abril de 2013. Não há nenhuma expectativa de apreciação, mas de depreciação. Hoje, é preciso considerar que, a própria apreciação cambial mencionada provocou mudanças na estrutura produtiva com consequências que ainda persistirão no longo prazo, privilegiando a expansão inflacionária do setor de serviços em detrimento da indústria. Afinal, a taxa de câmbio é determinante do preço relativo fundamental da economia: tradables versus non-tradables.

Também é preciso levar em consideração os choques de oferta causados pela seca e outros fatores episódicos, na qual a elevação da taxa de juros em nada vai afetar. O canal de expectativas não está obstruído, ao contrário, o represamento de alguns preços pela atuação administrativa do governo, energia, gasolina etc é o que mantém as expectativas elevadas. Não há como a alta de juros neutralizar estas expectativas, pois se o fizesse, com queda na demanda e contenção de outros preços livres, com queda nas margens de lucro abaixo do considerado "normal", ou o empresário deixa de produzir este bem ou, em algum momento, haverá recomposição de preços. É por isso que a boa teoria de meta de inflação nos diz que devemos considerar a meta com preços livres e não controlados. A meta de inflação deve ser tratada, como não cansa de repetir Lars Svesson, um dos grandes teóricos com prática no Banco Central da Suécia, de "forecast target", já que existe uma defasagem entre elevação da taxa de juros e seus efeitos. Só no Brasil o Banco Central cria uma confusão considerando inflação efetiva (passada) calendário, quando sabemos que elevação de juros não atua sobre eventos ou choques passados, mas sobre os preços livremente determinados pelo mercado no futuro. Daí que "forecast target" é a expressão mais honesta.

Cabe um comentário sobre a expressão "transmissão do aperto monetário", pois afinal o que significa isto? Num modelo de meta de inflação, o banco central assume que pode controlar a inflação por meio do controle da taxa de juros, com seus canais de transmissão, da mesma forma que o modelo monetarista acredita que temos controle sobre a oferta de moeda, com canais próprios de transmissão. Canais de transmissão da elevação dos juros não coincidem necessariamente com canais de transmissão da redução da oferta de moeda, este sim entendido como um "aperto monetário" ou redução de liquidez. Sejamos lógicos: na política de meta de inflação, a taxa de juros é variável exógena e a oferta de moeda é endógena ou resultado da inflação.

Portanto, qual o sentido da expressão "transmissão do aperto monetário" numa política de metas de inflação? Podemos falar que não conhecemos bem os canais de transmissão da elevação da taxa de juros. No entanto, o da taxa de câmbio é amplamente conhecido e surge como um dos canais fundamentais num país como o Brasil, pois não estamos nos Estados Unidos, e a depreciação adquire relevância fundamental no momento. E não é preciso buscar grandes teorias, particularmente aquelas formuladas para outras realidades que não a brasileira. Temos que refletir, de forma mais aprofundada, por que insistimos em manter tantas particularidades que só existem no Brasil? Neste sentido, a "realidade" brasileira, suas instituições, regras operacionais e políticas, estão erradas.

Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).

Fonte: Valor Econômico

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