segunda-feira, 10 de março de 2014

Para cientista político, gestão de Paes está com 'as coisas fora do normal'

Problemas na segurança, demolição do viaduto da Perimetral e greve dos garis podem contribuir para que prefeito perca avaliação positiva

Luciana Nunes Leal

RIO - Pela primeira vez em cinco anos de governo, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) não encarnou o papel de folião exultante no desfile do sambódromo. Prestigiou as escolas de samba, desceu à pista, no recuo da bateria, brincou com integrantes de algumas alas, mas de forma discreta e sem qualquer declaração pública.

A cautela no primeiro Carnaval depois da onda de manifestações no País, com mais intensidade no Rio de Janeiro, já estava decidida, mas foi reforçada pelo fato de que o prefeito enfrenta um dos momentos mais turbulentos de sua gestão. Como se não bastasse o caos provocado pelas mudanças no trânsito do centro duas semanas antes do feriado, a greve de garis, encerrada na noite de sábado depois de uma semana, transformou a cidade em um mar de lixo e mau cheiro. Além disso, vários bairros sofrem os transtornos das obras que têm de ser concluídas até os Jogos Olímpicos de 2016.

"O prefeito pode se dar a esse luxo, porque tem o calendário a seu favor. Se fosse ano eleitoral para ele, talvez não fizesse o que está fazendo. Mas existe de fato uma sensação de que as coisas estão fora do normal. Já no réveillon ficaram evidentes as dificuldades de transporte, as filas enormes para os banheiros, problemas na segurança. A demolição do viaduto da Perimetral é uma medida nada comum. Houve as mudanças no trânsito, muitas obras simultâneas. Não havia como prever a greve dos garis, mas houve um momento em que juntou tudo. Isso é cíclico. O prefeito pode se preparar para perder avaliação positiva, mas, com o tempo, as coisas voltam ao normal", diz o cientista político Jairo Nicolau.

O pesquisador lembra o período em que, entre 1995 e 1996, o então prefeito Cesar Maia, hoje vereador do DEM e pré-candidato a governador, transformou o Rio em um enorme canteiro de obras, como o programa Rio Cidade, deixando os cariocas à beira de um ataque de nervos. Concluídas as intervenções e passado o caos, Maia elegeu seu sucessor, Luiz Paulo Conde, secretário desconhecido e um dos precursores da geração de "postes" na política.

Durante o Carnaval, Paes determinou a demissão de 300 grevistas, mas, na Quarta-Feira de Cinzas, anunciou que voltaria atrás, por sugestão da Defensoria Pública. Para completar o desgate, um vídeo em que o Paes atira restos de fruta, durante um encontro político na zona oeste, foi divulgado na internet, na última quinta-feira. O prefeito - que há seis meses implementou a Lei do Lixo Zero, com multas pesadas para quem sujar a cidade - aplicou a punição em si mesmo.

Entre sexta-feira e sábado, Paes resolveu reagir e voltou ao estilo combativo, que não deixa ataque sem reposta. Disse que a greve era "um motim", com motivação política e lembrou que um dos líderes grevistas, Célio Viana, é filiado ao oposicionista PR, partido do ex-governador Anthony Garotinho, pré-candidato ao Palácio Guanabara. O movimento grevista entrou em conflito com o sindicato da categoria, que tem entre os dirigentes aliados de Paes, como o tesoureiro, Manoel Martins Meireles, do PTB.

Embora não fosse inicialmente o alvo principal dos protestos, centrados no governador Sérgio Cabral (PMDB), o prefeito aos poucos passou a ser criticado pelos manifestantes, por concentrar esforços nas obras para a Olimpíada de 2016, apesar das carências em saúde e educação. Também para o pesquisador Marcus Figueiredo, a irritação da população "é passageira", embora seja cedo para prever a intensidade das manifestações na Copa do Mundo. "No caso dos Jogos Olímpicos, quando as obras terminarem, o que se projeta é um resultado positivo. As manifestações tendem a perder força", diz Figueiredo.

No dia 28 de fevereiro, uma reportagem do New York Times disse que Paes estava sob estresse intenso por ter de cuidar de dois grandes eventos - a Copa e a Olimpíada - em tão curto espaço de tempo. A reportagem citou casos de acessos de raiva do prefeito, que teria jogado um cinzeiro e um grampeador em dois assessores e xingado uma vereadora de "vagabunda". Os fatos são antigos e foram revelados em reportagem da revista Época em junho de 2013. Dois amigos de Paes e secretários municipais, Pedro Paulo e Alex Costa, contaram ter sido atingidos por objetos arremessados pelo prefeito, que não faria "por mal". A pessoa xingada foi ex-vereadora Andrea Gouvea Vieira, em 2006, antes de Paes se tornar prefeito, por causa de desavenças no segundo turno da eleição estadual, quando os dois eram do PSDB.

O jornal americano também lembrou o episódio em que, em maio de 2013, Eduardo Paes deu um soco em um eleitor que o hostilizou, em um restaurante japonês. O prefeito faz o estilo de não levar desaforo para casa. Já ligou para um programa ao vivo da Globonews para contestar comentários sobre fiscalização na via expressa Linha Amarela e mandou parar o carro oficial na região central da cidade para responder a uma eleitora que o criticara.

"Ele tem essa características, que às vezes atrapalha, gosta do confronto, da retórica, pode passar imagem de arrogância. Mas o governador Cabral peca pelo outro lado, de muito bonachão. Os políticos volta e meia são testados nas emoções", diz Jairo Nicolau. Voltado para a administração, Paes tem evitado entrar na briga entre o PMDB e o PT do Rio, mantém a aliança com os petistas e já prometeu apoio à reeleição da presidente Dilma Rousseff. "A Olimpíada será um grande teste para o prefeito. Se der certo, ele sai com um capital político importante", afirma o cientista político.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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