quarta-feira, 19 de março de 2014

Merval Pereira: Lula tira espaço de Campos

O ex-presidente Lula tem um hábito comum aos políticos: fala o que bem lhe apetece, sem dar muita bola para a realidade. Cria sua própria realidade, que vai mudando de acordo com seus interesses do momento. E faz isso com raro brilho. Já foi capaz de dizer poucas e boas sobre o ex-presidente Collor, com toda a razão, mas não se furtou a aceitá-lo como aliado.

Agora, inverteu-se a equação, e, para falar mal de um antigo aliado, Lula não se preocupou em salvar a pele do novo aliado e criticou Collor para criticar Eduardo Campos. Fernando Rodrigues revela na “Folha” que, em reunião recente com empresários do Paraná, Lula mostrou-se preocupado com Campos, sem, no entanto, pronunciar seu nome:

“A minha grande preocupação é repetir o que aconteceu em 1989: que venha um desconhecido, que se apresente muito bem, jovem, e nós vimos o que deu.”

Com relação a Collor, está precificado, como se diz nos mercados financeiros, cada vez mais parecidos com os mercados políticos. Ao procurar o apoio de Lula depois de ter feito o que fez e ter dito o que disse dele, Collor estava pondo seus interesses políticos imediatos nas mãos de um antigo inimigo, que, por sua vez, considerou conveniente aquela aliança para aquele momento, passando por cima de questões como honra pessoal. Tudo pelo bem do país, evidentemente.

Está implícito nesse acordo que Lula tem direito a fazer críticas a Collor quando precisar, sendo que a recíproca não é verdadeira. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. No momento, Lula é quem tem a força política, e Collor tem que se contentar com migalhas de apoio.

Mas, voltando ao raciocínio de Lula, assim como Campos vem aumentando o tom das críticas à presidente Dilma, o ex-presidente mandou seu recado: não tem acordo, Campos será tratado a pão e água, como um adversário.

Isso por que o governador de Pernambuco tem feito questão de ressaltar que as suas críticas são à gestão de Dilma, elogiando sempre os governos de Lula. Com isso, Campos quer se mostrar ao eleitorado como uma alternativa mais competente para a continuidade do lulismo.

Essa tática já foi tentada na disputa presidencial de 2010, quando Serra abriu seus programas de propaganda oficial insinuando que era muito ligado a Lula, tentando passar a ideia de que Lula não se incomodaria se ele fosse eleito.

Lula não deixou que a tentativa prosperasse e no primeiro momento foi à televisão dizer que sua candidata era Dilma e ninguém mais.

Desta vez, Campos tenta manobra semelhante, muito mais verossímil, pois até recentemente ele fazia parte da base governista. Com isso, combateria também a crítica de que traíra a confiança de Lula, vendendo a ideia de que está na verdade inconformado com a incompetência da sucessora de Lula, que colocava em risco seu legado.

Aumentando o tom de suas críticas, indo inclusive para a crítica direta à própria presidente Dilma, e não apenas a seu governo, Campos se coloca na oposição, disputando votos na seara do tucano Aécio Neves, mas vai tentar também entrar na votação governista, apresentando-se como uma alternativa mais confiável.

Será a primeira vez que um candidato do PT receberá críticas diretas de um adversário que não seja do PSDB nem de partidos nanicos de esquerda. Até mesmo Marina Silva teve pudores para criticar Dilma em 2010 e, no segundo turno, ficou neutra. Nas eleições anteriores, Lula era o candidato, e mesmo dissidentes como Cristovam Buarque moderavam suas críticas.

Num eventual segundo turno com Dilma, Campos poderia ter os votos oposicionistas em peso e mais os de petistas descontentes com o governo atual. Só que Lula não está na campanha a passeio e já começou a dar recados, para empresários e o eleitorado em geral, de que não está disposto a ouvir os elogios a ele como compensação às críticas a Dilma.

Se Campos pensou que poderia ter um Lula neutro nesta disputa, pelo menos em relação a ele, em homenagem à amizade que já os uniu, enganou-se. Quando chega a eleição, só há lugar para os que estão ao lado de Lula. Aí, não importam nem o passado nem as posições políticas de cada um, como prova o caso de Collor.

Fonte: O Globo

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