domingo, 16 de março de 2014

Dora Kramer: Frentes frias

Teatro do marketing ignora a política e leva Dilma a entrar em brigas perdidas. A semana passada começou com o Palácio do Planalto falando grosso e terminou com o governo falando fino para tentar conter a rebelião liderada pelo PMDB em sua base de suposto apoio do Congresso. Na versão do departamento de propaganda oficial, o embate seria ótimo para a presidente Dilma Rousseff, que teria oportunidade de mostrar-se à opinião pública mais uma vez inflexível às demandas fisiológicas dos políticos, uma categoria em franca derrocada de imagem. Na realidade, o governo viu-se obrigado a chamar os partidos menores da aliança para negociar caso a caso, cargo a cargo suas demandas fisiológicas a fim de tentar esvaziar o movimento dos rebeldes.

O que a presidente ganhou com isso, além de uma derrota humilhante? Absolutamente nada, uma vez que não poderá levar seu gesto de inflexibilidade à massa. O instrumento que teria para isso seria o horário eleitoral. Nele, do total de 11 a 13 minutos dos quais poderá dispor se conseguir reeditar a aliança na última eleição, algo em torno de quatro minutos pertencem ao PMDB. Evidentemente estará impedida de atacar o aliado nessa tribuna. Sendo assim, para que serviu o trato agressivo no Congresso? Se a ideia pretendida pelo marketing não for transmitida à massa, perde sua eficácia. Mas, de outro lado, deixa como prejuízo um imenso mal-estar com os congressistas, cuja disposição de se empenhar pela reeleição da presidente junto aos eleitores será diretamente proporcional à má vontade com que foram tratados.

Na versão oficial, o embate na Câmara seria ótimo para Dilma, que se mostraria inflexível aos políticos. Na realidade, ela atendeu demandas fisiológicas dos partidos.

Pergunte-se a qualquer um dos deputados federais do PT o que acharam da condução do Planalto nesse episódio e se ouvirão críticas. Sob a proteção do anonimato, claro. O silêncio público da bancada na defesa da presidente nesse embate diz tudo. Visto com especial desalento por ser mais um de uma série, iniciada com a “faxina ética” do primeiro ano de governo, desmentida com a volta de políticos e partidos então afastados. Na sequência, a redução da tarifa dos bancos seguida por nove altas de juros e a queda no preço nas contas de luz de aumento já contratado para 2015.

X da questão. O cerne da crise do governo com o PMDB está na Câmara. É pelo número de deputados federais eleitos que se define o tempo de televisão destinado a cada legenda. Hoje com 75 parlamentares, o partido tem direito a cerca de quatro minutos. O PT quer ajuda federal nos estados para aumentar sua bancada na Câmara na próxima legislatura. Com isso, busca reduzir o tempo de TV e o poder do PMDB já nas eleições de 2016. Com um número maior de deputados, os petistas ficam em condições também de impor candidatura à Presidência da Casa.Portanto, é de sobrevivência política que se trata. Se Dilma atende às demandas do PMDB por apoio nos estados, contraria os planos de hegemonia de seu partido. Se não atende, põe em risco a construção desse projeto de poder, cujo pressuposto é o de que os aliados se contentem com o papel de subordinados.

Em ovos. A liderança do governo na Câmara não tem dúvida de que o PMDB votará contra o projeto que estabelece o chamado Marco Civil da Internet. Por essa avaliação, a bancada não tem como recuar da posição já anunciada.

Mais uma vez os parceiros de aliança serão adversários no plenário nesta semana. Se votação houver, bem entendido. Até sexta-feira o governo só tinha certeza de contar com os votos do PT, PCdoB, PDT, Pros e PSB. Tinha esperança de conquistar o PTB e o PP, dúvidas sobre o PSD e quase certeza de que não teria o apoio do PR. Este último está estressado com o ministro César Borges (Transportes), do partido, que tentou fazer a bancada abandonar o “Blocão” e ouviu de volta que se alguém deveria sair de algum lugar era o ministro do cargo.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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