sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Fernando Filgueiras: Financiamento de campanha e juristocracia

Tema é uma das questões centrais das democracias

O tema do financiamento de campanhas eleitorais surge como uma das questões centrais das democracias. Não é algo simples de se resolver, porquanto envolva diferentes questões relativas ao funcionamento das eleições. O legislador, nessa seara, deve decidir com base em amplo consenso, porque a sua intervenção ao definir as regras do jogo político implica em diferentes resultados e em diferentes efeitos não intencionados.

Os custos de campanhas eleitorais no Brasil são crescentes e movimentam um gigantesco mercado. O sistema de financiamento de campanhas no Brasil é feito por meio de recursos públicos do fundo partidário e de doações de pessoas físicas e pessoas jurídicas. Só por estas duas vias, os recursos de campanhas são consideráveis. O principal problema, contudo, não está no montante de recursos mobilizados em campanhas, mas no caixa dois. O caixa dois é uma estratégia que os partidos adotam para auferir mais recursos para investir em campanhas sem estar submetidos às regras de controle do sistema eleitoral. O dinheiro de caixa dois alimenta tanto a compra de votos, quanto a sua utilização sem prestação de contas. Como falamos de um mercado, o caixa dois pode ser concebido como total liberdade de gasto por parte de partidos e candidatos e como investimento por parte do doador. Em uma democracia, o problema do financiamento de campanhas está na intervenção indevida do poder econômico nos resultados eleitorais. Os custos crescentes de campanhas eleitorais provocam ligações perigosas entre políticos, partidos e empresas. Os agentes privados pretendem mais do que traduzir suas preferências políticas. Eles querem retorno do seu investimento futuro, podendo influenciar no processo de regulação pública, ter informação privilegiada e iniciar um processo de caça às rendas por meio de obras e serviços públicos.

Este é um problema comum nas democracias. Mas no caso do Brasil, desde a primeira eleição presidencial em 1989, foi inaugurada uma busca incessante por uma fórmula que impeça o caixa dois de campanhas eleitorais. O problema do financiamento de campanhas ficou claro desde a eleição de Collor. Naquela eleição, era proibida a doação por parte de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. O resultado não intencionado foi alimentar o caixa dois no jogo eleitoral por meio das artimanhas de PC Farias, que terminou por resultar no impedimento do presidente da República logo depois da primeira eleição. Depois disso, o Congresso regulou as doações para campanhas estabelecendo regras de fiscalização por parte da Justiça Eleitoral e tetos proporcionais à renda por parte de pessoas físicas e tetos proporcionais ao faturamento de pessoas jurídicas. No caso de pessoas jurídicas, o teto é até 2% do faturamento de empresas, o que corresponde a um montante gigantesco de dinheiro originado de agentes privados. Em boa parte dos escândalos de corrupção, percebe-se uma relação entre empresas doadoras para campanhas e a malversação de recursos públicos.

A busca por uma fórmula da reforma política, que dê conta de corrigir os problemas relativos ao financiamento de campanhas, desde então, tornou-se ponto de forte interrogação e motivo de dissenso entre políticos, especialistas e atores da sociedade civil. A proposta de financiamento exclusivamente público carece de elementos que coíbam o caixa dois de campanhas. A manutenção do sistema misto no Brasil mantém o atual status quo, sem tocar no tema do caixa dois. Ficamos como o cachorro correndo atrás do próprio rabo, numa busca incessante por probidade. Nessa corrida atrás do próprio rabo, a estratégia atual tem sido partir para um processo de judicialização da questão dos financiamentos de campanhas. A ADI 4650 pretende contestar a constitucionalidade da doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais e instar o Congresso a legislar sobre os tetos de doação por parte de pessoas físicas. A ação foi movida pelo Conselho Federal da OAB, tendo como amicus curiae a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).

A estratégia de judicialização, por parte da sociedade civil, origina-se de uma paralisia do Congresso em relação ao tema. A proposta é produzir mudanças institucionais por meio da atuação do Judiciário, delegando a este um poder excepcional para regular a vida política. É uma estratégia perigosa porquanto atravessa as discussões do Congresso, lugar da soberania democrática, favorecendo uma crescente juristocracia brasileira. Além disso, promove mudanças institucionais que não necessariamente anulam os efeitos do poder econômico em eleições. Mudanças institucionais representam condições necessárias, mas não suficientes para proporcionar resultados positivos. Ao não tocar no tema do caixa dois, o efeito da proibição de doações por parte de pessoas jurídicas poderá ser inflacionar as doações por fora do sistema de contas. Ou seja, produzir poucos resultados positivos quanto à influência do poder econômico. A questão de fundo, não mobilizada no debate é: em que condições as instituições podem produzir os efeitos pretendidos? Não há resposta trivial a essa questão. Não espere de 11 togados a resposta a este enigma.

Fernando Filgueiras é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenador e pesquisador do Centro de Referência do Interesse Público (Crip)

Fonte: Valor Econômico

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