sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Das penas e das masmorras - Luiz Carlos Azedo

Mas, qual é a origem das penas, e qual o fundamento do direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos diferentes crimes? Será a pena de morte verdadeiramente útil, necessária, indispensável para a segurança e a boa ordem da sociedade? Serão justos os tormentos e as torturas? Conduzirão ao fim que as leis se propõem? Quais os melhores meios de prevenir os delitos? Serão as mesmas penas igualmente úteis em todos os tempos? Que influência exercem sobre os costumes?

Essas indagações do clássico livro Dos delitos e das penas, de autoria de Cesare Bonesana — mais conhecido como Marquês de Beccaria —, publicado na cidade italiana de Milão em 1764, continuam atuais em nosso país. É uma das obras seminais do Iluminismo, que despertou as ideias que ainda hoje servem de lastro para as sociedades democráticas. Beccaria foi um crítico das leis, das penas e das masmorras medievais e desnudou a primeira grande questão posta pelo sistema criminal de sua época: o uso das leis em benefício de uma minoria da população, que em razão disso consegue acumular renda e privilégios, ao passo que a maioria da sociedade enfrenta uma situação de miséria, sofrendo com o descaso das autoridades. Acreditava que a solução é o uso de boas leis para obstar os abusos das minorias e, por conseguinte, promover o bem-estar da sociedade.

A memória de Beccaria vem ao caso por causa do assunto de maior repercussão do momento: o recente massacre no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, no qual presos foram decapitados numa disputa entre seus líderes, conflito que explodiu porque um grupo controlava o presídio e submetia as mulheres de outros presos a estupros e humilhações. Tudo isso, é claro, com a conivência dos responsáveis pelo sistema prisional. "Não houve um que se erguesse, senão fracamente, contra a barbárie das penas que estão em uso em nossos tribunais. Não houve quem se ocupasse em reformar a irregularidade dos processos criminais, essa parte da legislação tão importante quanto descurada em toda a Europa", afirmava Beccaria há exatos 250 anos. Será que no Brasil está sendo muito diferente? É claro que não.

Beccaria parte do pressuposto de que o juiz não poderia aplicar uma pena não instituída por lei, tão pouco aumentá-la em benefício do bem público. As penas cruéis, mesmo que não atentem contra o bem público que é combater o crime, sendo consideradas inúteis, deveriam ser tidas como odiosas. Esse é o ponto: no Brasil, as penas cruéis não foram abolidas do ponto de vista prático. Não existe correspondência entre nossa legislação penal e as punições efetivadas nos superlotados presídios brasileiros, nos quais os detentos são submetidos a condições desumanas. A nossa ordem carcerária não é ditada pela Justiça criminal, mas por um pacto corrupto, perverso e violento entre carcereiros e traficantes. Quando esse pacto é quebrado, o manto de silêncio se rompe. E a violência sai do controle, explode de forma selvagem dentro da cadeia, como agora em Pedrinhas. E também do lado de fora, por ordem dos traficantes, que controlam a maioria dos presídios e promovem retaliações contra a população para intimidar as autoridades, principalmente em anos eleitorais.

O episódio pôs na berlinda a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, como já aconteceu com outros governadores em crises semelhantes. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo — aquele que disse preferir o suicídio a viver em uma prisão brasileira — mergulhou. Precisou levar um puxão de orelhas da presidente Dilma Rousseff ontem pela manhã para ir a São Luís tratar da crise local. A capital maranhense viveu dias de pânico por causa da ação dos traficantes, que resolveram aterrorizar a população incendiando ônibus, o que resultou na morte de uma criança e em diversos feridos.

Há certa conivência da opinião pública com as péssimas condições carcerárias e a violência nos presídios. O senso comum é de que os presos "têm mais é que morrer"

Atribui-se o silêncio de Cardozo a questões da natureza eleitoral, pois o clã Sarney é um aliado de primeira hora do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da própria presidente Dilma Rousseff. Mas talvez a sua omissão seja mais grave: é péssima a execução orçamentária do Ministério da Justiça no setor prisional. Nos últimos 10 anos, não chegou a 50% dos R$ 2,9 bilhões destinados no Orçamento da União à construção de presídios. Por que isso ocorre? Ora, porque há certa conivência da opinião pública com as péssimas condições carcerárias e a violência nos presídios. O senso comum é de que os presos "têm mais é que morrer". É óbvio que esse isso vale para qualquer um, inclusive para os líderes petistas encarcerados na Papuda. Se dependesse desse lastimável raciocínio, estariam junto aos demais presos, embora a condenação de alguns seja contestada por respeitáveis juristas, sem falar nos militantes do PT.

Fonte: Correio Braziliense

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