sábado, 21 de dezembro de 2013

Longe do centro – Miriam Leitão

O Relatório de Inflação é um deserto de estilo. É documento áspero, repetitivo, enfadonho. Não o atravesso por prazer, mas lá está a visão do Banco Central sobre como está e como ficará a economia. O que o BC nos informou ontem é que a inflação não volta para o centro da meta (4,5%) nem ao final do primeiro ano do próximo mandato. E que o país continuará crescendo pouco.

E mais: disse que nunca antes na história desse real — moeda a duras penas conquistada — a inflação de preços administrados pelo governo foi tão baixa. Ela está em 0,95% ou 2,55 pontos percentuais abaixo do que estava há um ano. Ou seja, neste ano o governo forçou mesmo a mão para reprimir os preços que ele controla. Atenção, leitor, essa é a minha tradução livre das sisudas palavras que estão no longo texto. O BC projeta inflação de 5,8% para 2013; 5,6% em 2014; e 5,4% em 2015.

Há trechos inteiros que se repetem nesses documentos. Um deles é o alerta do órgão de que inflação alta por muito tempo tira o horizonte “das firmas e famílias”. Não é nada bom para a economia. E por isso ele ficará “vigilante”. Mas a impressão que se tem é que, para o BC, se houver uma escadinha como ele prevê, cada ano uma inflação um tiquinho menor do que no ano anterior, já está mais do que bom. O ponto que parece esquecido nos últimos anos é que a meta é 4,5% e desde agosto de 2010 os preços não ficam nesse patamar. Estão sempre acima.

O BC acha que mundo vai crescer mais no ano que vem, que o real vai se desvalorizar e que isso “milita no sentido de tornar a dinâmica da demanda externa mais favorável ao crescimento da economia brasileira”. Eu também estranhei a palavra “milita” usada nesse contexto, mas o que eles querem dizer é que o Brasil vai exportar mais no ano que vem e que isso vai ajudar o crescimento.

Ainda bem, porque se militasse no sentido contrário estaríamos em apuros. Em 2013, o Brasil teve uma forte piora das suas contas externas. E o próprio BC fala disso. O texto lembra que houve reversão na balança comercial. O Brasil tinha superávit há anos e passou a ter déficit este ano e aumentaram as despesas com viagens e transportes. O déficit externo, em 12 meses, somando todos os itens, fechou outubro em US$ 82 bilhões. Isso é US$ 30 bilhões a mais do que em outubro do ano passado. No ano que vem, o BC está mais otimista nesse ponto: acha que o programa de concessões, o aumento das exportações e outras mudanças vão reduzir esse déficit.

O mercado interpretou o Relatório de Inflação como mais um sinal de que o ciclo de alta dos juros está perto do fim. Mas há quem ache que isso pode mudar ao longo do ano que vem, dependendo do comportando do câmbio e dos seus impactos sobre os preços no país.

Segundo o Banco Central “está em curso mudança na composição da demanda agregada”: o consumo vai continuar crescendo, mas com menos ímpeto, e os investimentos vão aumentar. Ele disse isso, mas no parágrafo seguinte já diz que a demanda interna está “robusta” e as famílias terão ganhos de renda. Tomara que sim, mas isso não combina com consumo menor, ou seja, a tal mudança na composição da demanda agregada. O BC ainda não disse qual sua projeção para o ano de 2014 fechado, mas adiantou que até o terceiro trimestre a alta do PIB será de apenas 2,3%, em 12 meses. Se o ritmo for o mesmo até o final do ano, o governo Dilma chegará ao fim com uma alta média de apenas 2,07% ao ano. A mais baixa desde a implementação do plano Real.

Fonte: O Globo

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