terça-feira, 26 de novembro de 2013

Padre diz que mensaleiros não podem ter privilégios

Visitantes desses condenados devem passar pelas mesmas "revistas vexatórias", afirma

Evandro Eboli

BRASÍLIA- A Pastoral Carcerária Nacional; vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); criticou o livre acesso de políticos e de amigos e parentes dos condenados do mensalão nas visitas ao Complexo da Papuda. O coordenador nacional da Pastoral, padre Valdir João Silveira, afirmou que os visitantes não devem ter privilégios e que sejam submetidos às revistas, ainda que humilhantes e vexatórias, para conhecerem a realidade do sistema carcerário do país. Padre Valdir disse que a principal novidade do mensalão é que o setor mais privilegiado da sociedade está conhecendo como funcionam os cárceres no país:

— Todos deveriam passar pelas revistas, para que os amigos deputados, senadores e até ministros vejam como são os presídios no Brasil. E que passem também por revista vexatória por que todos os familiares de presos passam. Eles ficam despidos e examinados em situação humilhante. Que sintam o que milhares de pessoas sentem ao visitar seus parentes — disse o padre Valdir.

O coordenador afirmou que a Papuda é um dos presídios mais rigorosos no controle e nas revistas e que os integrantes da própria Pastoral Carcerária, durante anos, passaram por constrangimentos para chegar aos presos:

— Estive na Papuda. É dos locais de revista mais vexatória. Agora diminuiu um pouco — disse. — Os privilégios e as exceções geram mal-estar nos demais familiares de presos. O tratamento precisa ser igual para todos.

O padre Valdir propôs também que os condenados do mensalão cumpram suas penas nos seus estados de origem, para que se conheçam as condições de diversos presídios do país. Para ele, a discussão sobre o sistema prisional, neste momento, está focada apenas em Brasília, e no Complexo da Papuda:

— Quanto mais os presos do mensalão forem espalhados pelo Brasil, em unidades prisionais de seus locais de origem, seus colegas políticos, ao visitá-los, conhecerão o sistema prisional, onde nunca pisaram antes. Será bom porque vai provocar um debate e questionamentos das autoridadês e da sociedade sobre o assunto.

Vinte mil no semiaberto presos no fechado
O coordenador da Pastoral evitou entrar no mérito da condenação dos acusados no mensalão e se as decisões dos ministros do STF foram acertadas. Afirmou que eles tiveram direito à defesa em liberdade, o que não acontece com os envolvidos nos mais diversos tipos de crime. Com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o padre lembrou que 40% da população carcerária do país aguardam julgamento presos. Em alguns estados, como Amazonas e Piauí, esse índice sobre para 70%. Outro dado citado pelo religioso é o de que cerca de 20 mil condenados no regime semiaberto estão presos em regime fechado.

— É uma situação absurda. O acesso a uma defesa justa e em liberdade deveria ser para todos, não para poucos. Deixa-nos indignados. Na semana passada, nas cidades de Imperatriz, Davinópolis e Açailândia, conhecemos pessoas que foram julgadas e conheceram o advogado de defesa no fórum, no momento do julgamento. Não teve qualquer conversa prévia entre eles. Sem defesa minimamente qualificada. E são jovens e pobres.

O coordenador comentou também o caso do ex-presidente do PT José Genoino e afirmou que o petista tem direito ao atendimento à saúde e de deixar o presídio para receber o tratamento adequado. Porém, frisou que esse deveria ser um comportamento padrão nos presídios, o que, segundo ele, não ocorre:

— Não vejo privilégios para o Genoino. A questão é que esse é um tratamento para poucos, e deveria ser para todos. Praticamente não existe atendimento médico nas prisões brasileiras. Em Belém, encontrei muitos presos doentes, em lugares muito fechados, quente e sem ventilação. Tinha preso com bala ainda no corpo, um outro com 12 furúnculos. Em Salinas, no Pará, tinha um deitado no chão frio com bolsa de colostomia. Faltam medicamentos.

Com base em dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, o padre Valdir afirmou que 495 pessoas morreram num período de um ano no estado:

— Morreram praticamente na prisão. Só foram levados para o hospital quando estavam quase morrendo. Em dez anos, são quase dez mil pessoas mortas, o número que equivale à população de uma cidade. Cidade que foi exterminada e esquecida.

Perguntado se a Pastoral Carcerária foi procurada por algum advogado ou familiares dos condenados do mensalão, padre Valdir respondeu que não:

— O alvo da Pastoral são os que mais necessitam. Todos os presos sofrem, e somos solidários à defesa dos direitos das pessoas presas no episódio do mensalão.

Fonte: O Globo

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