domingo, 17 de novembro de 2013

Ministro do STF: fim da impunidade

Marco Aurélio Mello diz ao Correio que o sentimento de injustiça não pode prevalecer e insiste: penas impostas aos mensaleiros devem ser cumpridas à risca pelo Estado

Prisões são uma resposta

Ao Correio, ministro do STF afirma: sentimento de impunidade não pode prevalecer e o sistema deverá encontrar vagas para cumprimento das penas. Mas diz não ter entendido ainda a transferência dos mensaleiros para Brasília

Entrevista - Marco Aurélio Mello

Depois de votar favoravelmente à execução das penas dos condenados no processo do mensalão em relação aos crimes em que não tenham recorrido, o ministro Marco Aurélio Mello destacou que as prisões ocorridas na sexta-feira representam uma resposta à sociedade de que não há impunidade no país. Marco Aurélio acumula as cadeiras de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na terça, ele assumirá a presidência da Corte Eleitoral e terá como missão organizar as eleições de 2014, que terão o mensalão como um dos principais temas a serem explorados nas campanhas.

Ele ficará no cargo até maio, quando será sucedido por Dias Toffoli. Em entrevista ao Correio, Marco Aurélio defendeu que as penas dos mensaleiros sejam cumpridas à risca, mas observou que a falta de estabelecimentos próprios para o regime semiaberto e aberto podem levar os réus à prisão domiciliar. Ele ponderou, no entanto, que “pelo escancaramento da matéria” é provável que o Estado arrume vagas para esses detentos. O ministro criticou o fato de o colega Joaquim Barbosa ter determinado que os condenados viessem cumprir a pena em Brasília e avisou que, embora não tenham direito a tratamento especial, deputados e ex-autoridades devem ficar em celas separadas. “Eu penso que os parlamentares hoje não nutrem um prestígio maior junto à população”, afirmou.

O senhor falou na quarta-feira que um ou mais réus já poderiam ter colocado o pé na rua. Aconteceu com Henrique Pizzolato. Como o senhor vê isso?

Vejo como o implemento de algo natural considerado o sentimento que ele nutre, porque ele deve se sentir um injustiçado. Temos que compreender essa atitude de um cidadão que está acuado. O Supremo recolheu passaporte dos réus, mas ele, como descendente de italiano, devia ter dois passaportes.

Essa fuga poderia ter sido evitada?

É difícil controlar as fronteiras. As fronteiras do país são muito longas, o Brasil é um país continental. Se ele tem dupla nacionalidade, a regência da extradição na Itália é semelhante à do Brasil, que não permite a extradição de nacionais. Então, não se pode extraditá-lo.

O senhor vê como simbólico o fato de as prisões terem ocorrido no Dia da Proclamação da República?

Apenas presumo o que normalmente ocorre. Assim sendo, vejo apenas uma coincidência de datas. O presidente não voltou à sessão plenária de quinta. Ele trabalhou para decretar as prisões e terminou na sexta.

Ficaria ruim para o Judiciário e para o país os réus não cumprirem pena por falta de vagas em presídios?

Gera um sentimento que é péssimo de impunidade.

Qual a solução?

A solução é realmente o Estado atuar. Viabilizar o cumprimento das decisões judiciais.

Mesmo em estabelecimentos diversos desses previstos na lei ou em presídios superlotados?

Não, aí as condições são desumanas. O Estado deve preservar a integridade física e moral do preso. Temos uma regra que é observada. A separação pelo gênero masculino e feminino. Temos outra regra que determina a separação pelo crime cometido. O que vemos é que não há essa distinção.

A prisão imediata acaba sendo melhor para os condenados que ainda vão ter embargos infringentes julgados?

A balança da vida tem dois pratos. Se você já não acredita mais na impunidade porque houve a preclusão quanto ao título condenatório, muito embora parcial, evidentemente se começa (o cumprimento da pena). Não em relação a Marcos Valério, que foi condenado a 40 anos, porque, acima de oito anos, o regime é necessariamente fechado. Se no tocante a alguém condenado a 10 anos se tem a pendência, considerados os embargos infringentes de três anos, a pena a ser cumprida desce para sete. Na dicção do Supremo, que não é a minha, ele (o réu) pode começar no regime semiaberto, adentrando-se até a um círculo vicioso que é terrível e mostra a deficiência estatal.

Qual é circulo vicioso?

É que nós não temos colônias industriais e agrícolas para a observância do regime semiaberto suficientes ao acolhimento de tantos condenados nesse regime. Aí, claro que não pode haver regressão contrariando a própria decisão a um regime mais gravoso que o previsto no título judicial que se executa, que seria o regime fechado. Ele então parte para um regime mais brando, que é o aberto, a implicar a saída durante o dia e o pernoite na casa do albergado. Repete-se a deficiência estatal. Não há lugares. Então se avizinha um regime de cumprimento da pena que não implica prisão, embora tenha a nomenclatura: prisão domiciliar. O Estado não pode botar em cada porta de condenado um policial para ver se ele observa realmente os requisitos dessa prisão. Acaba sendo a liberdade praticamente total. Mas pela qualificação e também pelo escancaramento da matéria, talvez se arranjem lugares para esses condenados.

Então não há possibilidade de prisão domiciliar?

Temos que de início acreditar no sistema e acreditar que realmente serão encontrados lugares para esses poucos condenados, porque há em relação aos 500 mil que estão sob a custódia do Estado. Mas isso pelo visto não será problema. Ao que parece, haverá vagas para o cumprimento das penas no semiaberto. No regime fechado, o Estado sempre pensa que há vaga para mais um. Só não entendi esse deslocamento dos presos para Brasília. Não conheço o ato do ministro Joaquim, mas estou curioso para ver.

Os deputados réus no mensalão merecem ter celas especiais ou ao menos separadas?

O que ocorre na prisão provisória é que o detentor de título superior tem direito à sala do alto comando da polícia. Se tira o major ou o coronel e se coloca o preso provisoriamente. Agora, se se trata de execução definitiva da pena , essa regalia — para mim um verdadeiro privilégio, o que é odioso porque o tratamento deve ser igualitário, ele é um cidadão que claudicou e teve a glosa penal —, cai, essa regalia não existe.

O risco à integridade do preso pode justificar celas separadas para esses condenados?

A responsabilidade é do Estado. Podem ser vítimas de perseguição. Eu penso que os parlamentares hoje não nutrem um prestígio maior junto à população, ao contrário eles estão praticamente excomungados. Eles estão devendo uma recuperação de prestígio institucional à sociedade em geral. Policiais quando são condenados não são colocados junto aos traficantes e aos criminosos que já estão cumprindo pena. O Estado tem que viabilizar essa separação. Isso é importantíssimo, mas não é pretexto dizer-se que não tem como viabilizar para dar o dito pelo não dito, ou seja, afastar-se as consequências da condenação.

Os mandatos dos deputados têm que ser cassados imediatamente?

Em relação aos deputados há um paradoxo a revelar que realmente a decisão judicial gera a obrigação de se declarar como prevista a perda de mandato. Durante a execução das penas ficam suspensos os direitos políticos, é uma regra peremptória. No caso de crimes contra a administração pública não há a menor dúvida quanto à suspensão dos direitos políticos. Há uma impossibilidade física do exercício. Você concebe que alguém possa como o (deputado Natan) Donadon continuar deputado federal condenado a 13 anos?

O que representa para a sociedade as prisões dos condenados no processo do mensalão?

Representa uma resposta. De certa forma, revela que não pode prevalecer o sentimento de impunidade. Também representa que a lei é linear, que vale para todos. E que o processo não tem capa, o processo tem acima de tudo conteúdo.

O ministro Toffoli lembrou que alguns advogados entraram com infringentes mesmo não tendo o réu recebido o mínimo de quatro votos. Assim, podem conseguir adiar o cumprimento da pena…

Aprendemos nos bancos da faculdade que o direito não socorre os que dormem.

Houve chicanas no julgamento?

Não, e nem da parte dos advogados. Precisamos compreender que é dever deles o manuseio do instrumental, que, certo ou errado, eles entendam correto. O advogado não pode fazer gol contra, principalmente no campo penal.

Advogados criticam que a proclamação das decisões tomadas na quarta-feira não incluiu as prisões. Já poderia ter havido a execução das penas?

Fiquei surpreso quando ouvi que ele (Joaquim Barbosa) estaria levando um resumo para a sessão de quinta. Eu disse: “Não, presidente, cabe a Vossa Excelência executar a decisão”. Para mim, o julgamento se encerrou na quarta-feira. Ele acabou não levando o resumo no dia seguinte. Mas ele é que tem que tirar do acórdão as consequências jurídicas. E aí, se ele extravasar o campo delimitado, que a parte interessada então recorra.

Em 2006, quando tomou posse no TSE o senhor se referiu de forma crítica ao mensalão. Agora, vai assumir a presidência do TSE no momento em que as primeiras prisões vão ser decretadas. O mensalão estará no discurso?

Não há campo para isso, porque aqueles que cometeram desvios de conduta já foram apenados na decisão do Supremo. Há uma máxima que você não deve tripudiar em relação àqueles que, se imagina, nutrem hoje até arrependimento quanto ao que fizeram.

Fonte: Correio Braziliense

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