domingo, 10 de novembro de 2013

Entrevista – Muniz Bandeira: “A Operação Escorpião nunca existiu”

Radicado há 17 anos na Alemanha, onde é professor nas universidades de Heidelberg e Colônia, o historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira domina como poucos a história de Jango. Amigo do ex-presidente, escreveu Governo João Goulart – As lutas sociais no Brasil.

ZH – Qual o legado de Jango?

Moniz Bandeira – Nenhum homem faz o que quer no governo. Faz o que pode. João Goulart recebeu o governo, emasculado pelo parlamentarismo, para enfrentar a crise econômica, social e política, agravada pela conjuntura de Guerra Fria. Quase tudo o que pôde fazer, o marechal Castelo Branco desmantelou quando se adonou do poder. Do que Goulart realizou, restaram raras exceções, como a Universidade de Brasília e o Estatuto do Trabalhador Rural.

ZH – Por que Jango foi deposto?

Moniz Bandeira – Os EUA foram os responsáveis pelo golpe militar que derrubou o governo de João Goulart, em 1964. Sem o seu suporte, os setores militares, contrários ao governo, não ousariam insurgir-se.

ZH – Jango teve responsabilidade no golpe de 1964?

Moniz Bandeira – Se teve alguma culpa, foi porque defendeu interesses nacionais e aprofundou socialmente a democracia no Brasil. Goulart não resistiu porque não tinha condições militares para fazê-lo, e fora bem informado de que os EUA planejavam invadir o Brasil e que sua esquadra vinha para o Atlântico. Havia dentro do Brasil quase cinco mil Green Berets, soldados do corpo de contrainsurgência, sob o disfarce de Peace Corp (Corpo da Paz, grupo americano de voluntários que auxiliaria países em desenvolvimento).

ZH – Jango tinha intenção de criar uma ditadura de esquerda?

Moniz Bandeira – Goulart nunca teve a intenção de instalar qualquer ditadura de esquerda. Nem havia condições para isso. E Washington, por meio do embaixador Lincoln Gordon, bem o sabia. Goulart não era intempestivo, como Brizola. Era prudente, ouvia as opiniões, e antes de tomar qualquer decisão sopesava os efeitos que provocaria.

ZH – Qual a sua opinião sobre a exumação do ex-presidente?

Moniz Bandeira – É importante, para tirar qualquer dúvida.

ZH – E o senhor acredita que Jango tenha sido envenenado?

Moniz Bandeira – Não creio na hipótese de envenenamento. Na oitava edição de meu livro O Governo João Goulart, mostro que não se pode levar a sério a versão do delinquente Mario Barreiro Neira, segundo a qual Goulart foi assassinado com a troca de medicamento. É pura ficção. A Operação Escorpião nunca existiu.

ZH – É mais provável a morte por problemas no coração?

Moniz Bandeira – Todos sabem que Goulart era cardíaco, e um infarto fulminante pode ocorrer de uma hora para a outra. Tenho parentes que morreram em circunstâncias semelhantes em São Paulo: de madrugada, na cama, ao lado da esposa, com grito de dor no peito. Sou também cardíaco, tive infarto, com trombose e aneurisma, também de noite, na cama. Para minha sorte, não foi fulminante.

ZH – Passados tantos anos, História faz justiça a Jango?

Moniz Bandeira – É necessário que lhe sejam devolvidas honras devidas a um chefe de Estado que, como o grande estadista Getúlio Vargas, lutou contra a espoliação do Brasil, a espoliação do povo, e pelo aprofundamento, na medida do possível, da democracia social.

Fonte: Zero Hora (RS)

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