quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Desigualdade social: Universidade, carro e internet ainda dividem favela e asfalto

TV e geladeira, no entanto, estão praticamente universalizadas.

No Rio, quem vive em comunidades leva menos tempo para chegar ao trabalho do que moradores do restante da cidade; em São Paulo, situação se inverte.

No mais profundo retrato já feito pelo IBGE sobre as condições de vida em favelas brasileiras, o acesso à universidade e a posse de bens de consumo como automóvel e computadores com acesso à internet aparecem como os itens que mais diferenciam os moradores dessas áreas em relação ao restante da população. A pesquisa traz também algumas curiosidades: no Rio, moradores de comunidades perdem menos tempo no deslocamento ao trabalho do que o restante dos trabalhadores. Em São Paulo, a situação se inverte.

Retratos do Brasil: Cidadania partida

Universidade, internet e carro ainda separam moradores da favela e do resto da cidade

Clarice Spitz, Juliana Castro

O acesso à universidade, a internet por computador próprio e a posse do automóvel são os itens que mais separam um morador de favela daquele de outra área da mesma cidade. Pesquisa realizada pelo IBGE, por amostra em 89 municípios, com base no Censo 2010, traçou o mais profundo perfil de habitantes de aglomerados subnormais do país, como são chamadas as favelas.

A pesquisa mostra que a escolarização ainda é um bem raro para quem mora nesses locais. Principal forma de ascensão social e de diferencial para renda, o ensino superior completo faz parte da realidade de apenas 1,6% de moradores de favelas. Este percentual é de 14,7% nas demais setores. São somente 143.340 pessoas com diploma em áreas com precariedade de serviços básicos. Embora o IBGE não tenha feito nessa pesquisa comparações com o Censo de 2000, tabulação feita pelo GLOBO aponta que o número de moradores de favelas nessa condição, naquele ano, era de apenas 0,7%.

— O que marca de forma mais acentuada o morador da favela hoje não é tanto a urbanização, mas o baixo nível educacional — afirma Dalcio Marinho, diretor do Observatório de Favelas.

No Rio, apenas 1,3% dos moradores de favelas tinha concluído a universidade, enquanto nas demais áreas eram 20,5%. Em São Paulo, somente 1,3%. Nas favelas do Rio, a maioria dos moradores estava na faixa dos sem instrução ou tinha apenas ensino fundamental incompleto: 55,6%. Em Novo Hamburgo (RS), chegavam a 77,7%.

A economista Sonia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (Iets), considera que os resultados nas favelas espelham também os baixos índices de inserção de estudantes de maneira geral no ensino superior:

— No Brasil, já é uma vergonha o atraso que temos em relação a outros países no ensino superior como um todo. Isso se reflete também nos moradores de favelas — afirma.

Para o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Itamar Silva, a baixa inserção de moradores mais pobres no ensino superior tem relação com a baixa qualidade de escolas no entorno das favelas. Além disso, comprova, segundo ele, que programas de ação afirmativa e o ProUni ainda não conseguem dar conta de inserir de forma consistente os mais pobres nas universidades.

— A evasão escolar é muito maior entre os pobres, que tendem a entrar mais cedo no mercado de trabalho ou a deixar os estudos pela gravidez na adolescência. Isso tem um rebatimento muito forte na grande diferença de renda da população — afirma.

No país, 31,6% dos domicílios em favelas tinham rendimento per capita (de todas as fontes) até meio salário mínimo (R$ 510, na época). No resto da cidade, eram 13,8% dos domicílios. Nas favelas do Nordeste, 40,8% dos domicílios tinham baixíssimo rendimento. Em municípios fora dessas áreas mais pobres também no Nordeste, o percentual de residências com esse rendimento é de 24,1%.

O emprego sem carteira também está bem mais presente nas favelas. Em cidades como Macapá, 48,3% dos empregados moradores de favelas não tinham carteira de trabalho, contra 29,3% nas demais áreas da cidade.

Desigualdade regional se mantém
Valorização do salário mínimo, emprego formal, aumento do acesso ao crédito e desonerações fiscais foram responsáveis por expandir o acesso dos moradores de favelas a bens. A pesquisa mostra ainda que os domicílios com acesso por telefone apenas no celular estão majoritariamente em áreas favelizadas. Em Tucuruí (PA), 78% dos domicílios em favelas tinham apenas o celular como telefone.

O computador com acesso à internet era um bem ainda pouco disseminado. O microcomputador está presente em apenas 27,8% dos domicílios localizados em favelas de todo o país. Em somente 20,2%, há acesso à internet. Nas demais áreas, 48% dos domicílios em municípios têm acesso à rede via computador.

Renato Meirelles, do Data Popular, vê a manutenção de um padrão de desigualdade regional no acesso a bens. O computador com acesso à internet está em 28,16% dos domicílios em favelas do Rio. Em Manaus, apenas 8% tinham acesso à rede nesses locais. A máquina de lavar, que chega a 68% dos domicílios em favelas de Porto Alegre (RS), estão em apenas 31% das favelas de Cuiabá (MT):

— Existe uma distância entre a penetração desses bens nas favelas de grandes cidades como Rio e São Paulo e nas de pequenas regiões.

Automóvel é outro item bastante distante da realidade dos mais pobres. Ele está presente em apenas 17,8% dos lares em favelas. Nas demais áreas da cidade, está em 48,1% dos domicílios. Isso pode estar relacionado à dificuldade de circulação nas favelas.

— Além do custo, o acesso ao automóvel para os moradores da favela se relativiza porque, ao se morar em local como becos, tem que deixar esse automóvel longe e subir a pé — destaca Maurício Gonçalves e Silva, pesquisador da Coordenação de Geografia do IBGE.

TVs e geladeiras estão praticamente universalizados entre favela e restante das cidades. Para especialistas, no entanto, esse maior acesso a bens não significa porta de acesso à cidadania.

— É prematuro dizer que essas pessoas estão ascendendo à classe média apenas por bens de consumo duráveis. Esse grupo precisa acessar com qualidade serviços como saúde, educação, transporte e saneamento, coisas a que a classe média tradicional tem acesso — diz Dalcio Marinho.

Na casa de dois cômodos do pedreiro Aldir e da diarista Raimunda Jucely Lopes, na Rocinha, não faltam eletrodomésticos.

São duas TVs, uma de tubo e outra de tela fina, micro-ondas, geladeira, antena parabólica, fogão, ar-condicionado e aparelho de som. O mais recente mimo, dado à neta Beatriz, que mora com o casal, foi um tablet, que costuma servir, por ora, para jogos, já que a menina ainda não sabe ler.

— Minha neta é muito inteligente. Ela sabe mexer e vai usar isso depois — afirma Raimunda, que é analfabeta, mas se orgulha de vê-la matriculada no primeiro ano da uma escola pública.

Traduzindo
IBGE usa nome técnico para definir favelas
Aglomerado subnormal é como o 1BGE chama um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos ou casas) sem título de propriedade e com pelo menos uma das das seguintes características: irregularidade das vias de circulação e do tamanho e da forma dos lotes; e/ou carência de serviços públicos essenciais (coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública). Em linguagem não técnica, os nomes dados aos aglomerados subnormais variam de acordo com a região do país—podem ser favelas, invasões, comunidades, vilas, mocambos, ressacas, etc.

Em 2010, quando foi feito o Censo, o Brasil tinha 6.329 favelas identificadas, onde moravam 11,4 milhões de pessoas em 3,2 milhões de domicílios.

Fonte: O Globo

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