domingo, 17 de novembro de 2013

Crime e castigo – Alberto Goldman

Acabo de acompanhar, pela TV, a prisão dos condenados no processo do mensalão. Apesar de reconhecer que foi um enorme passo adiante na dolorosa construção de uma verdadeira democracia - para o qual eu tive uma contribuição importante - confesso que nesse episódio em que muitos se rejubilam, tive um sentimento de tristeza e mesmo de angústia.

Durante a disputa eleitoral de 2002 em que Lula foi eleito eu argumentava, contra os que entendiam que a sua eleição seria um desastre, que a eleição de um petista iria desmistificar um partido que tinha propostas irrealizáveis e ideologia que não tinha acolhida pelo nosso povo. Até porque conhecia o Lula e sabia do seu absoluto pragmatismo.

Nesse sentido eu não estava errado. O PT e Lula foram desmistificados, puseram de lado todas as propostas mais radicais e a sua ideologia para se sustentar no poder e realizar um governo que de maneira alguma assustou as áreas mais conservadoras da sociedade brasileira. A reeleição de Lula e a eleição de Dilma são provas disso.

O que eu não esperava era que o pragmatismo do PT pudesse chegar até onde chegou: à total falta de escrúpulos. Desde o início do governo, em 2003, já se percebia que Lula faria de tudo, o possível e o impossível, o legal ou o ilegal, para garantir a continuidade do poder para o seu grupo. Sabíamos nós, lá no Congresso Nacional, das operações conduzidas pelos líderes petistas para a formação da maioria no Congresso, nas quais não faltava a distribuição de recursos, seja para manter essa maioria, seja para preparar o pleito eleitoral que viria. Faltava-nos provas.

Eis que, em meados de 2005, o deputado Roberto Jeferson, presidente do PTB, dá a entrevista que abalou o país, na qual denuncia a existência de uma estrutura de distribuição de dinheiro para manter a maioria no Congresso Nacional.

A duras penas a oposição conseguiu o número mínimo de congressistas para instalar uma investigação através de Comissão Parlamentar de Inquérito, CPI que, posteriormente, veio a se chamar de CPI do Mensalão. Nos seus 6 meses de trabalho mostrou que, realmente, houve uma ação ilegal de governo ( corrupção ativa e passiva e desvio de dinheiro público ) com a finalidade de “abastecer” a sua base de apoio. Porém a comissão não tinha conseguido chegar às conclusões finais. Era preciso uma prorrogação por mais 6 meses e isso era um novo requerimento com o número mínimo de assinaturas.

Aí a coisa ficou mais difícil. Conseguimos o número mínimo mas, até a declaração final da Mesa quanto a sua constituição, o governo conseguia, usando todo o seu poder, sem quaisquer escrúpulos, que assinaturas fossem retiradas deixando-nos sem o mínimo necessário. Consegui - na época eu era líder da bancada do PSDB na Câmara dos Deputados - guardar na algibeira 10 requerimentos ( assinaturas de apoio ) que os pegou desprevenidos sem tempo para promover mais retiradas. Assim, com apenas uma assinatura além do mínimo necessário, a prorrogação aconteceu, a CPI chegou às conclusões conhecidas e o processo foi encaminhado ao Ministério Público que fez a denúncia com as consequências que estamos agora acompanhando.

Volto agora ao início desse texto. O resultado do processo mostra que o governo petista, já no primeiro mandato de Lula, tinha perdido as condições morais e a capacidade de liderança para dirigir o país. Ainda assim o povo o reelegeu e elegeu Dilma Roussef. Eis, portanto, a razão porque a condenação dos responsáveis pelo maior escândalo da República é motivo de reconhecimento de que o país vem avançando na consolidação de instituições democráticas. Mas, ao mesmo tempo, é motivo de tristeza ver irem para a prisão algumas figuras que tiveram importante papel no combate à ditadura e na reconstrução da democracia ( mas que se desviaram dos princípios saudáveis sob os quais deveriam agir ), ao lado de outras personagens que mereceriam penas mais severas do que aquelas que obtiveram.

O que não é aceitável é a declaração da direção do PT de que as decisões de condenação foram políticas. Com todo o poder que têm hoje, com o Executivo e maiorias no Congresso e uma composição do STF com maioria por eles, partido e governo, indicada, não tiveram força suficiente para subverter o processo condenatório. A sociedade venceu.

Enfim, são as dores do parto democrático, tão longo e penoso para construirmos uma sociedade da qual todos nós possamos nos orgulhar

Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB

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