quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Centenário de David Capistrano: Entre teias e tocais - Marcelo Mário de Melo*

"Nada a Declarar"
Saindo de Pernambuco, David Capistrano vai, novamente, para o Sul do País, sob as ordens do Comitê Central do PCB, fixando-se, inicialmente, em São Paulo, na cidade de Sorocaba, com a tarefa de organizar o núcleo comunista de Votorantim. Atua, também, na reestruturação dos comunistas na Mooca e, finalmente, é deslocado para Santos, onde o PCB teve uma larga expressão eleitoral e mantém uma forte influência na faixa portuária, atuando no movimento sindical. Em 1952, com 39 anos de idade, David está residindo com Maria Augusta e David Capistrano Filho na cidade de São Vicente. Oficialmente, assume a identidade do pai de Maria Augusta: é o sr. Francisco Oliveira e apresenta-se como mecânico. Nas atividades partidárias, o seu nome de guerra é Walter. Até que, no dia 4 de junho de 1952, é preso na rua e a polícia chega à sua casa, onde apreende uma grande quantidade de documentos e anotações.

A edição da Folha da Manhã, de 18/6/1952, assim se refere à prisão:

"Segundo informações telegráficas, foi preso em São Paulo um perigoso agitador comunista, elemento de confiança da direção do PCB, que organizava hostes de vermelhos, com o objetivo de infiltrar-se entre os operários das docas de Santos e entre os soldados do 4o e 5o Regimento de Infantaria. Era conhecido como 'Camarada Walter' e exercia com grande desembaraço as atividades subversivas, sendo íntimo do proletariado daquele importante porto brasileiro."

Na edição de 19/6/52, a Folha da Manhã noticia a prisão preventiva de David Capistrano.
Na edição de 19 de junho de 1952,o Jornal do Commercio trata da prisão:

"E ninguém era capaz de desvendar a identidade exata da pessoa que usava aquele nome, presente em muitas ações ilegais, cuidadosa e misteriosamente guardado pelos principais militantes comunistas. Não raras vezes, quando um ou outro elemento do credo vermelho era pilhado, mencionava ele, em suas declarações, ter feito isto ou aquilo em virtude de ordem recebida do camarada Walter.

Mas quem seria esse Walter, cuja figura respeitada punha um remate em todas as investigações policiais? Ninguém respondia, porque os próprios comunistas, embora soubessem que o personagem existia e suas ordens deveriam ser rigorosamente cumpridas, não sabiam quem era ele.
Um dia, mais tarde ou mais cedo, era essa a esperança, esse misterioso camarada 'Walter' tinha que acabar sendo identificado e preso, a fim de que suas ordens, seus relatórios e suas atividades tivessem um paradeiro.

Dois investigadores do Departamento de Ordem Política e Social, destacados na cidade de Santos, há dias, levaram ao conhecimento do delegado Enro Trípoli a existência, na cidade de São Vicente, de um indivíduo que ali vinha trabalhando como mecânico mas que, nas horas vagas - e estas horas eram muitas -, agia misteriosamente, parecendo-lhe tratar-se de um comunista agitador."
No seu livro Santos, Mil Dias de Governo Popular, David Capistrano Filho relata as suas lembranças da prisão do pai:

"(...)Depois que meu pai perdeu o mandado de deputado estadual constituinte em Pernambuco - o registro do PCB havia sido cassado em 1947-, minha família (isto é, meus pais e eu, que era um recém-nascido) transferiu-se para São Paulo. Durante algum tempo moramos na capital e logo meu pai foi designado pela direção do PCB para atuar junto ao Comitê Municipal de Santos, que era na época uma das principais áreas de influência do partido. O PCB tinha sido majoritário na Câmara Municipal e o seu candidato a presidente da República, Yedo Fiúza, havia sido mais votado na cidade, contrariando a tendência geral do estado e do país, que dera a vitória ao general Eurico Gaspar Dutra.

Duas das minhas lembranças mais antigas de infância são justamente de Santos: após um movimento dos trabalhadores do porto, meu pai é localizado e preso pela polícia política, tendo ficado umas três semanas desaparecido. Enquanto isso alguns policiais foram até a nossa casa e, ao tentarem invadi-la, minha mãe procurou retardá-los amontoando mesas e cadeiras na frente da porta. Isso, a fim de ganhar tempo para jogar um pacote de documentos do partido no quintal de uma casa vizinha. Esforço inútil porque, não demorou muito, e lá estava a vizinha entregando o pacote à polícia."

Preso e desaparecido o marido, Maria Augusta mobiliza-se e começa a romaria para encontrá-lo. Atendendo a um habeas corpus impetrado pelo advogado Agenor Parente, o juiz da 4ª Vara Criminal faz no DOPS um pedido de informação, mas o prazo esgota-se, sem que a polícia tenha prestado qualquer esclarecimento. Finalmente, o preso é apresentado. David Capistrano Filho rememora:

" A outra lembrança é de ter acompanhado a minha mãe quando visitou meu pai na prisão. Ele estava na Cadeia Velha de Santos (atualmente centro cultural da Secretaria Estadual de Cultura), situada na Praça dos Andrades, em frente à estação rodoviária. É um edifício antigo, construído em meados do século passado. Como todo menino pequeno, achei as escadarias e o pátio interno enormes. Lembro-me do espanto que tive ao ver meu pai se aproximando de nós vestido de pijama, num lugar que não era a nossa casa."

No relatório que acompanha o inquérito instaurado pela polícia de Santos contra David Capistrano, o delegado diz o seguinte:

"David Capistrano da Costa faz jus ao cargo que ocupa no Partido Comunista do Brasil. Acata as instruções que são emanadas dos órgãos superiores sem titubear e obedece cegamente às determinações. Esse fato é confirmado pelo exame dos documentos apreendidos em sua residência. Encontramos à fls. 16 um folheto sob o título: 'Se Fores Preso, Camarada ...'essa publicação contém instruções completas como deve se comportar o comunista quando preso e interrogado pela autoridade.

E David Capistrano da Costa, em suas declarações nada revelou. Apenas se limitou a responder: 'nada tenho a declarar'. Negou-se a assinar as suas declarações. Por esse motivo, foi necessário recorrer às testemunhas que presenciaram essa negativa. Ao ser perguntado sobre os documentos encontrados em sua casa, apenas respondeu: 'nada a declarar'. Obediente, ainda, aos preceitos revolucionários, David Capistrano da Costa recusou-se formalmente a ser identificado, como determina a Lei.

Respondeu este às primeiras oito perguntas antecedidas pela sua qualificação, e depois calou-se nada mais declarando. Sim, nada mais respondeu porque, as perguntas que se seguiram abordavam assunto referente à sua atividade atual."

Em 22 de agosto de 1952, David Capistrano foi julgado e absolvido por insuficiência de provas pelo juiz da Segunda Vara Criminal de Santos, que destacou na sentença, segundo matéria publicada pela Folha da Manhã, em 23 de agosto de 1952:

"...mas por causa da sua ideologia política e de seus ideais comunistas não se pode ladear a lei para condená-lo por um crime que não existiu. Por motivo de convicção política ninguém pode ser privado dos seus direitos (art. 241 parágrafo oitavo da Constituição Federal). Isto posto, considerando que os documentos apreendidos na residência do réu não foram autenticados no momento da apreensão pelos executores da diligência de busca e apreensão; considerando que o réu não estava fazendo propaganda contra a forma de governo reinante no Brasil atual; considerando que os documentos apreendidos não produzem efeito jurídico e são incapazes de pôr em perigo a estrutura e a segurança do Estado; considerando que os manuscritos apreendidos e que falam em 'células' não foram examinados por peritos para se comprovar que eles foram escritos pelo punho do réu; considerando o mais que consta do processo, julgo improcedente a denúncia e absolvo o réu por falta de provas e condeno o Estado nas custas. Expeçam-se os competentes mandatos e soltura do réu."

A sentença do juiz foi confirmada pelo Superior Tribunal Federal de Recursos, em 1954/55
Em 1953, David Capistrano foi enviado para estudar marxismo na escola de quadros do Partido Comunista da União Soviética. Na sua ausência, foi confirmado no Comitê Central pelo IV Congresso do PCB, realizado em 1954. De volta ao Brasil, em 1955, cumpre tarefas nos Estados do Amazonas, do Pará e do Ceará.

Stalin e JK

A década de 50 do século passado marcou uma grande crise política e moral entre os comunistas de todo o mundo, tendo como referência a morte de Stalin, ocorrida em 5 de março de 1953. Logo que Stalin morreu, o Comitê Central do PCB lançou uma Carta Aberta a respeito, que é comentada nestes termos, em um documento do Comitê Estadual de Pernambuco, avaliando os resultados das diretivas ali expostas:

"A Carta Aberta do Comitê Central Nacional sobre o falecimento do camarada Stalin, nosso mestre, guia e pai, é mais uma grande contribuição que nos dá o CN. Chama o CN a nossa atenção para a gravidade do momento que atravessamos em conseqüência do desaparecimento do grande Stalin, fato que levou a dor e o pranto a milhões de trabalhadores e a toda a humanidade progressista, mas que os monstros imperialistas procuram aproveitar, tentando lançar a confusão e o pânico nas fileiras do movimento revolucionário mundial, em função dos seus preparativos guerreiros."
Mais adiante o documento coloca:

"Como estamos trabalhando para sermos fiéis ao legado de Stalin, para honrarmos a sua memória? Como está atuando o nosso Comitê Estadual, como trabalha o nosso partido no Estado?"

Em seu livro O Mundo da Paz, Jorge Amado assim se refere a Stalin: "Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu. Nós amamos em Stalin a memória de Lenin, nós os povos do mundo. Amamos em Stalin a ciência nova, condutora da nova vida. Amamos em Stalin a independência, a liberdade, o patriotismo. Amamos em Stalin a paz, a fraternidade entre os homens, o internacionalismo proletário. Amamos em Stalin a União Soviética marchando para o comunismo. Amamos em Stalin a cultura, a juventude, a beleza das coisas, a harmonia e a música. Ele simboliza tudo isso e muito mais. Ele é a Revolução.

Depois de alguns governos de transição e de algumas turbulências, que resultaram no metralhamento de Béria, o chefe da NKVD, a poderosa polícia secreta stalinista, assumiu o poder na União Soviética Nikita Kruschov. No vigésimo Congresso do PCUS, em 25 de fevereiro de 1956, ele apresentou um longo e chocante relatório denunciando os crimes de Stalin, de quem fora colaborador. Aqui, apenas dois exemplos:

Apurou-se que dos 139 membros e candidatos do Comitê Central do Partido eleitos no Décimo-sétimo Congresso, noventa e oito pessoas, isto é, 70 por cento, foram presas e fuziladas (principalmente no período de 1937-1938).

A mesma sorte tiveram não só os membros do Comitê Central, mas também a maioria dos delegados ao Décimo-Sétimo Congresso do Partido. Dos 1966 delegados com direito de voto ou de opinar, 1.108 pessoas foram presas sob a acusação de crimes anti-revolucionários, isto é, bem mais do que a maioria.

Depois do Congresso, passou-se a combater "o culto à personalidade" e empreendeu-se a campanha de desestalinização. O cadáver de Stalin, que se encontrava mumificado e exposto à visitação pública, junto ao de Lênin, foi levado à cova. A cidade de Stalingrado, banhada pelo Rio Volga, passou a se chamar de Volgogrado. Presos políticos foram libertados e livros liberados. 

Houve uma reaproximação com a Iugoslávia, que havia sido isolada por Stalin, impedida de manter relações diplomáticas e comerciais com os países do bloco socialista. Anunciou-se a política de coexistência pacífica entre o bloco socialista e o capitalista. Colocou-se a luta pela paz mundial em primeiro plano, acima da luta anti-imperialista. No âmbito nacional, induzia-se à conquista do poder, nos países capitalistas, por meio de amplas alianças, das formas institucionais e das pressões de massa, sem o necessário recurso às armas.

Em outubro de 1956, um documento do Comitê Central do PCB diz o seguinte:

"Todos nos chocamos com a gravidade dos erros cometidos por Stalin e pelo Comitê Central do PCUS sob a direção de Stalin. Grande estranheza, além disso, causou-nos o fato de a denúncia dos erros de Stalin ter chegado ao conhecimento de todos nós, de nosso partido, e de nosso povo, através da imprensa burguesa."

O clima da desestalinização, o combate ao "mandonismo" e as posições do XX Congresso do PCUS começaram a se alastrar no PCB, dando margem a uma acirrada polêmica na direção do partido e entre os intelectuais militantes e simpatizantes, com alguma repercussão nas bases, apesar dos esforços das direções para manter o controle. Jorge Amado afastou-se do PCB e excluiu dois livros da sua bibliografia: O Mundo da Paz, em que endeusava Stalin, e O Cavaleiro da Esperança, uma biografia laudatória de Prestes.

No plano nacional, o País tinha passado pelo fim do Governo medíocre e reacionário de Dutra, substituído por Getúlio Vargas em 1950, que retomou o poder numa eleição consagradora, da qual os comunistas abstiveram-se. Em 1953, houve o suicídio de Vargas, momento em que o PCB teve uma posição controversa, mantendo o combate ferrenho ao presidente, enquanto ele era acuado pelas forças de direita, e incorporando-se depois às manifestações e aos protestos que ocorreram, denunciando as forças de direita como responsáveis pela sua morte. No Governo de Juscelino Kubitschek, eleito em 1955 com o apoio dos comunistas, numa chapa tendo João Goulart como vice-presidente, o País atravessou um período de relativa estabilidade política, em que o PCB passou a viver numa semilegalidade.

Sob a influência do XX Congresso do PCUS, o PCB reestruturou o seu Comitê Central, substituindo os dirigentes que resistiam à nova política, e em março de 1958 lançou o documento intitulado Declaração sobre a Política do Partido Comunista Brasileiro, onde se diz:

"O caminho pacífico da revolução brasileira é possível em virtude de fatores como a democratização crescente da vida política, o ascenso do movimento operário e o desenvolvimento da frente única nacionalista e democrática em nosso país. Sua possibilidade se tornou real em vitrude das mudanças qualitativas da situação internacional, que resultaram numa correlação de forças decididamente favorável à classe operária e ao movimento de libertação dos povos.

O povo brasileiro pode resolver pacificamente os seus problemas básicos com a acumulação gradual mas incessante, de reformas profundas e conseqüentes na estrutura econômica e nas instituições políticas, chegando-se até à realização completa das transformações radicais colocadas na ordem-do-dia pelo próprio desenvolvimento econômico e social da nação."

Essa declaração do Comitê Central ficou valendo como posição oficial do PCB, sendo reafirmada na Resolução Política do seu V Congresso, realizado em 1960, onde também se adverte:

"Enquanto acumulam forças para transformar em realidade a possibilidade de uma solução pacífica, o proletariado e seus aliados não devem jamais perder de vista que, em certas circunstâncias, as suas forças podem ser necessárias para tornar a revolução vitoriosa por um caminho não pacífico."

O documento citado consta no livro O Partidão, de Moisés Vinhas.

Novos Tempos

A edição de 16 de outubro de 1957 da Folha do Povo, órgão dos comunistas pernambucanos, publica o seguinte:

DAVID CAPISTRANO CHEGARÁ AO RECIFE NA PRÓXIMA SEMANA
No texto, informa-se: "Na próxima semana chegará ao Recife o ex-parlamentar David Capistrano, acompanhado de sua família, devendo fixar residência nesta capital. Residindo em Fortaleza, Capistrano recebeu e aceitou o convite que pessoalmente lhe fez o jornalista Hiram Pereira, quando de sua recente estada na capital cearense, para que viesse integrar a direção da FOLHA DO POVO."

Notícia da edição do dia 25:

CHEGA, HOJE, AO RECIFE O EX-PARLAMENTAR DAVID CAPISTRANO
"Às 7 horas de hoje deverá desembarcar no aeroporto dos Guararapes, viajando pelo Loide Aéreo, o ex-parlamentar pernambucano David Capistrano e sua exma. Família. O antigo líder da bancada comunista na Assembléia Constituinte do Estado será recebido por amigos e parentes, devendo logo mais à tarde fazer uma visita à Assembléia Legislativa do Estado para rever amigos e colegas que com ele participaram da elaboração da atual Constituição do Estado."
Notícia do dia 26:

"VISITOU A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA O CONSTITUINTE DAVID CAPISTRANO
Recebido cordialmente por deputados, jornalistas e funcionários da Casa - Demorou-se em palestra no plenário o ex-parlamentar.

Acompanhado do ex-deputado Paulo Cavalcanti e do jornalista Hiram Pereira, diretor deste jornal, o constituinte David Capistrano da Costa esteve, ontem, em visita à Assembléia Legislativa. Recebido cordialmente por seus colegas de legislatura de 1946, o sr. David Capistrano teve oportunidade de palestrar com os deputados José Francisco, Gomes de Sá, Justino Alves, Diocleciano Pereira Lima, Constantino Maranhão e outros, sendo apresentado a vários representantes do povo, à Assembléia Legislativa.

Demorou-se o ex-deputado no recinto da Assembléia, onde assistiu à parte final da sessão de ontem.

Ao retirar-se do Palácio Joaquim Nabuco, o sr. David Capistrano esteve em palestra com integrantes da bancada da imprensa e alguns funcionários da Casa."

Novamente como o homem do Comitê Central, David Capistrano chegou a Pernambuco nas vésperas da campanha eleitoral para governador, quando se desenhava a possibilidade de uma ampla articulação de forças para enfrentar a máquina política e policial do PSD, que permanecia incrustada e intocada no Estado, desde os tempos do Estado Novo. Ele foi um dos principais articuladores da aliança em torno da candidatura do usineiro udenista Cid Sampaio, que se apresentou como a expressão das Oposições Unidas de Pernambuco, à base de um programa desenvolvimentista. O engenheiro Pelópidas Silveira, prefeito eleito em 1955, quando o Recife recuperou a autonomia política, colocado como candidato a vice-governador, caracterizou a presença das forças de esquerda na chapa. Foi nesse momento político que Gregório Bezerra também retornou à cena em Pernambuco, vindo a desempenhar um importante papel na arregimentação das bases populares da campanha de Cid Sampaio.

Uma das frentes de atividade de David Capistrano passou a ser a direção da Folha do Povo, órgão dos comunistas em Pernambuco. A edição do jornal de 3 de junho de 1958 informou sobre o andamento da campanha eleitoral, em matéria com foto de David Capistrano, intitulada: "Entusiasmo Patriótico no Comício de Casa Amarela": Na matéria se lê: "Com o comparecimento de uma grande massa popular, realizou-se, domingo último, no Largo da Feira em Casa Amarela, o anunciado comício pró-alistamento eleitoral, organizado pelas forças de oposição."

David Capistrano e Gregório Bezerra usaram a palavra representando os comunistas. Cid Sampaio fez a fala de encerramento. Diz a matéria:

"O candidato das forças oposiconistas iniciou sua oração fazendo uma análise da situação econômica de Pernambuco, denunciando os desmandos praticados pelo situacionismo, e referiu-se, ainda, ao apoio das forças de esquerda, dizendo textualmente: 'Nossos objetivos são comuns: industrialização de Pernambuco."

A Folha do Povo fez um acompanhamento permanente da campanha eleitoral que se desenvolveu em Pernambuco em 1958. Na edição de 16 de setembro foi publicado um artigo assinado por David Capistrano, dirigido aos trabalhadores:

"Os Candidatos e o Salário Mínimo
Os trabalhadores brasileiros têm uma grande experiência de lutas por aumento de salário e outras reivindicações. Sabem que só podem contar com suas próprias forças, nas pendências trabalhistas. As suas organizações de classe, os sindicatos, são suas armas principais, provadas nos combates travados contra a ganância dos patrões.

Os métodos de lutas empregados, os mais eficientes, em todas as ocasiões, têm sido as greves quando preparadas com cuidado.

A história do movimento sindical brasileiro é muito rica de ensinamentos, e pontilhada de grandiosos movimentos reivindicatórios vitoriosos.

Nessa história há uma constante em todos os movimentos de envergadura: é a unidade de ação dos trabalhadores em todos eles, o fator mais importante de êxito, perante a qual sempre será impotente, a resistência dos patrões e dos governos, em não atender às justas reivindicações do operariado.

Na campanha pró-elevação dos níveis do salário mínimo em 1954, o sr. Governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, liderou a luta contra a assinatura do aumento, sendo decretado, graças ao espírito unitário dos trabalhadores: o presidente Getúlio Vargas decretou o novo salário mínimo, apoiado na combatividade do proletariado.

Na campanha de 1956, foi o próprio ser. Juscelino quem assinou o novo salário mínimo, compelido pela vontade dinâmica da classe operária, unida em torno da conquista desta reivindicação.
Num caso, como no outro, foi a unidade dos trabalhadores o fator decisivo da vitória. Estes fatos testemunham que a satisfação dos direitos dos operários, só pode ser obtida, mediante a pressão organizada dos trabalhadores.

Por isto não tem fundamento a campanha do comitê central de Jarbas, afirmando que o sr. Cid Sampaio foi contra o salário mínimo. O candidato oposicionista já teve oportunidade de desmentir, mais de uma vez, esta calúnia de seus adversários políticos.

No entanto, a classe operária compreende que , somente num ambiente de liberdades democráticas, pode mais facilmente encaminhar a solução de todos os seus problemas a começar pela sindicalização maciça e pela unificação dos esforços de todos os trabalhadores, de um ramo da produção e da unidade do proletariado, tanto na escala estadual como nacional. O uso das garantias constitucionais, das liberdades democráticas, é o suficiente para que os trabalhadores possam conquistar tudo o que necessitam.

A causa que defendem as OPOSIÇÕES UNIDAS DE PERNAMBUCO, assegura ao operariado de Pernambuco, como, de resto, a todos os cidadãos, o gozo de todas as liberdades, hoje, em nossa terra pisoteadas pelos patrocinadores da candidatura governista.

Todo Pernambuco conhece o desrespeito dos direitos elementares do homem, praticados pelas autoridades policiais do Estado. Cidadãos são espancados covardemente nas enxovias da polícia. Camponeses são expulsos das terras onde trabalham, surrados, batem às portas das autoridades e não encontram justiça. Assassinatos são cometidos, e, se o assassino pertence ao situacionismo, em geral nada lhe acontece, podendo até mesmo candidatar-se a deputado.

Tal é o panorama.

Por isto os trabalhadores não têm dificuldades em escolher com quem marcharão, na atual campanha eleitoral. Suas referências coincidem com seus interesses, estão do lado dos candidatos das oposições. Cid, Pelópidas Silveira, Barros Crvalho, Baltar, Josué de Castro, Clodomir Morais, Miguel Batista, Miguel Arraes, José Cardoso, Francisco Julião, Carlos Luiz, Dias da Silva, e outros democratas e nacionalistas, experimentados nas pugnas políticas em defesa das liberdades democráticas, das reivindicações dos trabalhadores e do nacionalismo.

Trabalhador, ocupa teu posto e vota conta o candidato etelvinista. Vota em Cid Sampaio e nos candidatos das Oposições Unidas de Pernambuco."

Arraes na Prefeitura
As Oposições Unidas de Pernambuco, com Cid Sampaio, derrotaram eleitoralmente o etelvinismo. E, na ordem do dia, colocaram-se as eleições para prefeito do Recife, tendo sido Miguel Arraes de Alencar o nome finalmente escolhido. Deputado estadual não reeleito, Arraes tinha sido secretário da Fazenda de Barbosa Lima Sobrinho e ocupava a mesma função no Governo de Cid Sampaio, como representante das forças de esquerda. Com perfil nacionalista, participante da luta pelo monopólio estatal do petróleo, o candidato integrava o núcleo das forças de esquerda e tinha boas relações com os comunistas, que sob o comando de David Capistrano, empenharam-se na indicação do seu nome pelas Oposições Unidas e na sua campanha eleitoral. Com o apoio inicialmente relutante de Cid Sampaio, Arraes derrotou o candidato do PSD, Antônio Pereira, e sucedeu Pelópidas Silveira na Prefeitura do Recife, marcando assim duas gestões populares na Capital.

A administração de Arraes deu continuidade às linhas de ação delineadas por Pelópidas Silveira e acrescentou novas experiências, notadamente, com a disseminação da educação de adultos, por meio das escolas radiofônicas e de um método revolucionário de alfabetização, depois denominado de "método Paulo Freire", que aliava ensino e conscientização e obtinha resultados em prazos mais curtos. Numa época em que os analfabetos não tinham o direito de voto, a alfabetização de adultos tinha a potencialidade dupla de propiciar o enriquecimento cultural e permitir a inclusão política formal, com a conquista do título de eleitor. 

A ação educativa dava-se por intermédio do Movimento de Cultura Popular - MCP, uma entidade civil criada por lei municipal e com a necessária autonomia para sair dos limites da ação burocrática e agir aliando o profissionalismo aos impulsos da criatividade e do engajamento. Com sede no Sítio Trindade, na Estrada do Arraial, bairro de Casa Amarela, o MCP desencadeou a criação de praças de cultura, a programação cultural nas ruas, a mobilização e a aproximação de artistas populares e eruditos no esforço pela democratização da cultura, segundo as referências da época, muito marcada pelas concepções do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes - UNE.

A experiência administrativa de Arraes repercutiu além das fronteiras municipais e estaduais, paralelamente ao crescimento do seu papel no conjunto das forças democráticas e populares, decorrente das posições assumidas diante das questões políticas que eram colocadas no planos estadual e nacional e no contexto da luta que se travava em todo o mundo pela autodeterminação dos povos, contra o subdesenvolvimento e a dominação imperialista. Defesa das reformas de base no Brasil, solidariedade à revolução cubana, combate às ditaduras de Franco e de Salazar, na Espanha e em Portugal, respectivamente, libertação das colônias africanas, eram bandeiras que sobressaíam na época.

O aguçamento da polarização política levou ao estremecimento das relações da esquerda com o Governo de Cid Sampaio. Nas eleições presidenciais de 1960, o confronto entre Cid Sampaio e a esquerda deu-se no apoio desta à candidatura do marechal Henrique Teixeira Lott, tendo João Goulart como vice, enquanto o governador apoiou a chapa encabeçada por Jânio da Silva Quadros. Como, naquela época, os vices eram votados, de prefeito a presidente, os eleitos foram Jânio e Jango, participantes de chapas opostas.

Greve dos Estudantes de Direito
No início do mês de junho de 1961, os estudantes de Direito da Universidade do Recife entraram em greve e terminaram por ocupar o prédio da Faculdade. O diretor era o professor. Soriano Neto, que, em 1945, havia participado das jornadas democráticas contra a ditadura Vargas, ao lado de Demócrito de Souza Filho, Manuel Correia de Andrade e tantos outros. Agora, Soriano era acusado de graves irregularidades e de autoritarismo. 

Nas proximidades da greve, tinha havido na Faculdade, promovida pelo Diretório Estudantil, uma conferência de D. Célia Guevara, mãe de Che Guevara, com a presença do deputado Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, fato que passou a figurar entre os mil argumentos utilizados pelas forças de direita para desqualificar as intenções do movimento grevista e identificar nele a presença desvirtuadora de perigosos agitadores comunistas - ou filocomunistas, como se dizia na época.

Com a ocupação da Faculdade, Jânio Quadros, por intermédio do ministro da Justiça, Pedroso Horta, e do ministro da Guerra, Odylio Dennys, determinou a intervenção de tropas do Exército. E assim se fez. Numa madrugada, a Faculdade foi invadida e os estudantes retirados a pancadas pelos soldados vestidos de verde. Irradiando-se a solidariedade no movimento estudantil, a intervenção militar foi-se alargando. Também a pancadas foram ocupadas as Faculdades de Engenharia e de Geologia, localizadas na Rua do Hospício, assim como a Escola Técnica de Comércio, de nível secundário, situada na Rua Riachuelo. O Exército estabeleceu um círculo de ocupação militar numa larga área da Rua do Hospício e do entorno da Faculdade de Direito.

A greve pernambucana passou a ser assunto nacional. Ao mesmo tempo em que entregava a economia ao Fundo Monetário Intenacional - FMI, reatava relações com os países socialistas, apoiava a soberania de Cuba, regulava desfiles de maiô, brigas de galo, bingos e jogos de baralho, o presidente Jânio Quadros preservava o princípio da autoridade. Nesse clima, tiveram rédea solta a repressão direta e a truculência do IV Exército e dos policiais do DOPS, sob o Governo de Cid Sampaio. O Diario de Pernambuco, na edição de 11 de junho de 1961, registra:

"Várias prisões foram efetuadas nas últimas horas, sem que se possa precisar o número exato.
Entre os detidos, estão:

1o Ramiro Justino, um dos assessores sindicais do governador Cid Sampaio;

2o Hiram Pereira, diretor de Administração do prefeito Miguel Arraes;

3o David Capistrano, antigo deputado comunista (preso ao entrar num cinema, por dois cidadãos à paisana; Irineu José Ferreira, um dos diretores da Associação de Imprensa de Pernambuco; e outros.

A prisão do sr. Hiram Pereira equivaleu a um rapto ou seqüestro.

Estava ele em sua casa, quando chegou um veículo da Prefeitura do Recife, com um chamado urgente do sr. Miguel Arraes. O sr. Hiran entrou no carro, mas não chegou à Prefeitura. Posteriormente, a família foi informada pelo prefeito de que não o havia chamado.
Presume-se que o Exército efetuou a prisão usando o próprio carro da Prefeitura, pois numerosos veículos do Estado e do Município, a pedido das forças federais, foram colocados à disposição do Exército."

O prefeito Miguel Arraes encaminhou ofício ao governador Cid Sampaio, que oficiou ao comandante do IV Exército, o qual, em nota publicada na Imprensa no dia 14 de junho, admitiu a prisão de Hiram Pereira, David Capistrano, Ramiro Justino e outros, enquadrados num inquérito militar e, finalmente, libertados por força de um habeas corpus. Dessa vez, David Capistrano e os seus companheiros de prisão foram enviados para a Ilha de Fernando de Noronha.

A greve dos estudantes de Direito durou cerca de 15 dias.

Renúncia de Jânio Quadros
No dia 25 de agosto de 1961, com sete meses de Governo, Jânio Quadros renunciou ao mandato, quando o vice-presidente, João Goulart, encontrava-se numa missão comercial na China. Os três ministros militares, Odílio Denis, Exército, Silvio Hech, Marinha, e Grum Moss, Aeronáutica, não aceitam dar posse a Jango, desencadeando-se uma crise institucional. Carlos Lacerda, governador do Rio de Janeiro, colocou-se ao lado dos militares golpistas e partiu para a repressão. 

Em contraponto, Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, mobilizou as armas que possuía, entrincheirou-se no Palácio do Governo, manteve o controle sobre a fábrica Taurus de armamentos, mobilizou batalhões populares, requisitou os transmissores da Rádio Piratini, instalou-os nos subterrâneos do Palácio e criou a Cadeia da Legalidade, que falava para todo o Brasil defendendo a posse de Jango e fixando o slogan: "Não daremos o primeiro tiro, mas o segundo e o último".Brizola queria que Jango assumisse o Governo no Rio Grande do Sul e enfrentasse militarmente os golpistas. 

Mas o resultado foi que Jango chegou ao Rio Grande do Sul pelo Uruguai e aceitou assumir o Governo sob o regime parlamentarista, votado com o Congresso cercado por tropas, tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro. No ato adicional, que instituiu o parlamentarismo, era previsto um plebiscito confirmatório.

Durante a Campanha da Legalidade, viveu-se uma amostra grátis de golpe militar em Pernambuco, sob a responsabilidade de Cid Sampaio, acumpliciado com os militares golpistas, naquele tempo chamados de gorilas. A polícia ocupou as ruas, invadiu sindicatos e residências, fez prisões. Os trabalhadores da orla marítima entraram em greve de protesto, por tempo indeterminado, contra o golpe e pelo respeito à legalidade. 

O movimento estudantil dinamizou a resistência. Militantes da Juventude Universitária Católica - JUC atuaram juntamente com os comunistas. O Recife passou a ser palco de uma batalha de panfletagens, pichamentos e comícios-relâmpago. A Assembléia Legislativa manteve-se em sessão permanente. Muitas pessoas foram presas. O Conselho Sindical dos Trabalhadores - Consintra e a União dos Estudantes de Pernambuco marcaram para o dia 29 uma concentração na Praça Dantas Barreto, contra o golpe e pela posse de Jango. 

O Consintra convocou os trabalhadores a uma greve geral em defesa das liberdades democráticas, da Constituição e pela posse de Jango. A greve foi realizada na orla marítima, pelos estivadores e portuários.

O jornal A Hora, edição de 31 de agosto de 1961, denunciou:

"PRESO O JORNALISTA DAVID CAPISTRANO
Desde a madrugada de terça-feira última, encontra-se preso o jornalista David Capistrano, diretor de A Hora.

Sua residência foi arrombada e invadida, sendo vasculhada pelos policiais.

A respeito, foi comunicada a Associação da Imprensa de Pernambuco, da qual é sócio.
Segundo apuramos, o jornalista David Capistrano acha-se detido por ordem do IV Exército.
Este fato é bem uma prova do clima de insegurança em que vivem os brasileiros, em virtude da situação criada com o 'golpe' que pôs fora do governo o sr. Jânio Quadros."

A mesma edição de A Hora informa:

"PRESOS VÁRIOS LÍDERES OPERÁRIOS
INVADIDO O CONSELHO SINDICAL

Mais de 10 líderes sindicais pernambucanos já se encontram presos pela polícia que, inclusive, invadiu, anteontem, a sede do Sindicato dos Bancários, prendendo quase todos os dirigentes do Conselho Sindical dos Trabalhadores, que ali se encontravam.
Entre eles, estão detidos no Quartel das 5 Pontas, os srs José Raimundo da Silva, Gilberto Azevedo e outros.

Também está preso desde domingo passado, o presidente do Sindicato dos Comerciários, sr. João Barbosa de Vasconcelos.

FECHADA A UEP
Invadida pela polícia, domingo último, ainda está fechada a sede da União dos Estudantes de Pernambuco, tendo alguns estudantes sido presos.

OUTRAS PRISÕES
A polícia prendeu, também, além dos líderes sindicais, várias pessoas, notadamente populares, que, de uma forma ou de outra, têm-se manifestado na rua e em praça pública, em defesa do Presidente João Goulart e da Constituição.

Vários comícios-relâmpagos estão sendo feitos no centro da cidade, o que mostra que o povo pernambucano não permitirá que a Constituição seja rasgada."

"DEZENAS DE PRESOS NO ESTADO JOGADOS EM PRISÕES IMUNDAS"

A matéria diz o seguinte:

"Desde o primeiro dia dos acontecimentos que sacodem o país com a renúncia do sr. Jânio Quadros que a polícia de Pernambuco realiza uma série de batidas e invasões de lares, com a prisão de numerosos patriotas que são arrastados das suas casas e metidos na enxovia pelo crime de defender a Constituição e a legalidade.

"A casa do jornalista David Capistrano, Diretor deste jornal, foi invadida alta madrugada, quando a polícia arrebentou suas portas, lançando pânico não somente na família do jornalista, como em toda a vizinhança.

OUTRAS PRISÕES
Embora noutras condições, foram presos inúmeros cidadãos, entre eles os líderes sindicais José Raimundo da Silva, João Barbosa de Vasconcelos, Raul Feitosa, funcionário da Câmara Municipal, Aluizio Falcão, jornalista e delegado de Pernambuco ao IX Congresso Nacional de Jornalistas, todos incomunicáveis, sendo que este último, apesar da lei de imprensa determinar prisão especial para os profissionais da imprensa, se encontrava, pelo menos até ontem, jogado num imundo xadrez, sem uma cama sequer para dormir e privado das mais comezinhas condições de higiene.

Por outro lado, o estudante Fernando Barbosa foi preso na residência de sua noiva e como esta indagasse dos motivos daquela brutalidade, foi também detida, o mesmo ocorrendo à sua irmã, por ter clamado contra a violência.

Dezenas de outros cidadãos estão igualmente presos, não somente no Estado, como por todo o País, entre eles centenas de honrados militares e civis, que tiveram o topete de se colocar ao lado da Constituição e da Lei.

Enquanto isso, os despachos e informações oficiais dizem que reina a calma em todo o País."
A mesma edição de A Hora publica um abaixo-assinado de professores, artistas, escritores, jornalistas, radialistas e profissionais liberais, defendendo a posse de João Goulart.

A noiva do estudante de Medicina Fernando Barbosa, citada na matéria acima, hoje casada com ele, é a professora e historiadora Socorro Ferraz, que prefacia este trabalho. O seu autor, aos 17 anos de idade, também participou da campanha da legalidade, sendo preso por pichar muros e recolhido à Companhia de Guardas do Exército.

A edição de 6 de setembro de A Hora traz no alto da primeira página as manchetes:

"POLÍCIA DE CID CERCA A FACULDADE DE DIREITO

PORTUÁRIOS: SÓ VOLTARÃO AO TRABALHO COM A LIBERTAÇÃO DOS PRESOS"
A segunda matéria diz o seguinte:

"Em assembléia geral realizada na noite de ontem, os portuários e estivadores resolveram só voltar ao serviço, no cáis do porto, após a libertação dos seus líderes que se encontram presos pelo IV Exército, entre eles o senhor Osvaldo Pacheco, presidente da Federação Nacional dos Estivadores.
Entre outras pessoas, estava presente o sr. Lael Sampaio, Secretário de Viação do governo golpista Cid Sampaio, que, em discurso, tudo fez para que os grevistas voltassem atrás, ameaçando, inclusive, aos paredistas.

Firmes em sua decisão, os portuários e estivadores decidiram continuar com a parede."

A edição de 6 de setembro de A Hora, noticia:

"GREVE DE TRABALHADORES DO PORTO OBRIGOU À LIBERTAÇÃO DOS PRESOS POLÍTICOS"

A matéria informa, com base em declarações de Cícero Targino Dantas, presidente do Sindicato dos Portuários, que "a parede foi compacta e envolveu todas as categorias profissionais da orla marítima, assim distribuídas: 1.300 portuários; 1.600 servidores autárquicos; 1000 estivadores; 200 conferentes e 600 marítimos (foguistas, marinheiros, taifeiros e moços de bordo) equivalente à totalidade das tripulações dos navios acostados."

Acrescenta ainda que, "ao informar ao comandante do IV Exército à tarde da quarta-feira, que os portuários somente retornariam ao serviço após a libertação dos líderes sindicais, o sr. Cícero Targino ouviu daquela autoridade que as tropas sob seu comando não se submeteriam à desmoralização de entregarem os presos aos dirigentes operários. O comandante do III Distrito Naval, todavia, ao que apurou a reportagem, num gesto democrático, aquiesceu em receber os presos e devolvê-los ao convívio dos seus familiares e companheiros.

Às 18 horas, com efeito, o sr. Cícero Targino Dantas, em companhia de vários outros líderes sindicais, compareceu ao Distrito Naval e ali, recebeu os prisioneiros, conduzindo-os à sede do Sindicato dos Portuários, onde milhares de trabalhadores os aplaudiram de pé, entoando o hino nacional".

Essa foi a última prisão de David Capistrano no período anterior ao golpe militar de 1964. A penúltima da sua vida.

Na edição de A Hora, de 22 a 26 de setembro de 1961, num artigo de quase uma página do jornal, intitulado ASPECTO DA CRISE POLÍTICO-MILITAR, David Capistrano faz considerações sobre o Governo de Jânio Quadros, identificando uma contradição entre as suas políticas externa e interna. Termina lançando um alerta sobre o Governo João Goulart/Tancredo Neves, considerado como de compromisso com os golpistas. Algumas colocações do artigo:

"O ex-presidente Jânio Quadros, eleito por grande maioria de votos, tinha no seu governo uma contradição - a existência de uma plataforma eleitoral nacionalista, sufragada pelas massas populares de um lado, e de outro lado os setores mais reacionários que engendraram a sua candidatura à Presidência da República e financiaram a sua campanha para defender interesses que se opunham aos compromissos do candidato. O governo que formou depois da posse, expressava bem as forças mais retrógradas do país e os interesses dos trustes estrangeiros em nossa economia.

A modificação da política cambial inaugurada com as instruções da SUMOC 204 e 206, sob a alegação de reestabelecer a "verdade cambial", dobrou-se às injunções do Fundo Monetário Internacional, cuja política financeira objetiva o controle econômico d e, por isto mesmo, é contrária aos interesses dos nossos trabalhadores. Com essa política, o sr. Jânio Quadros não só favoreceu as forças mais reacionárias, porém enfraqueceu-se muito, abrindo mão do controle cambial, formidável arma que passou para os grupos econômicos com o estabelecimento do câmbio livre.

Essas forças no governo janista lograram os postos chaves e decisivos da nação.
De noutra parte o sr. Jânio Quadros realizou uma política externa de respeito à autodeterminação dos povos, do reatamento das relações diplomáticas com o mundo socialista, em particular com a União Soviética e de intensificação do intercâmbio comercial com todos os países. A sua política com o governo cubano recebeu os aplausos de todas as forças democráticas da América Latina e do mundo, política que encontrou resistência dos setores mais reacionários do Brasil e do imperialismo norte-americano. Essa política expressou os anseios das forças populares que sufragaram o nome do sr. Jânio Quadros, o sentimento do povo brasileiro, porque era uma política que fortalecia a coexistência pacífica entre o sistema socialista e o sistema capitalista, que estimulava a luta contra o colonialismo, que objetivava a manutenção da paz mundial.

As forças nacionalistas e progressistas não podiam apoiar a política interna do presidente, prejudicial ao povo e que favoreceu a grupos econômicos poderosos, através das instruções 204 e 206. Os aplausos aos aspectos positivos de sua política externa, chocavam-se com resistências compreensíveis e justas à política interna do ex-presidente.

As forças antigolpistas precisam estar alertas para não serem surpreendidas. A classe operária, os estudantes, os camponeses e todos os setores democráticos têm diante de si, um governo comprometido com os golpistas, o que exige que a vigilância seja redobrada."

Os órgãos de repressão acompanhavam as análises dos comunistas a respeito do Governo de Jânio Quadros:

"Recife, 8 de março de 1961

INFORME RESERVADO
Realizou-se em Brasília D.F., no dia 1o do corrente um pleno do Comitê Central, onde estiveram reunidos representantes de vários estados a fim de discutir a posição do P.C. face das atitudes tomadas pelo Governo Central, Presidente Jânio Quadros.

Representaram o Estado de Pernambuco os elementos DAVID CAPISTRANO DA COSTA, HIRAM DE LIMA PEREIRA E AMARO VALENTIM DO NASCIMENTO. Nos debates realizados não encontraram outra solução a não ser apoiar o governo nas suas ações, especialmente no caso do reatamento das relações com a U.R.S.S e demais países. Consideraram as diretrizes do Governo Jânio Quadros, até o presente momento dignas de aplausos, diante da posição firme e resoluta nos assuntos internacionais. Nada havendo a reivindicar no momento, junto ao Governo, resolveram apoiar o funcionalismo Público Federal, no caso do aumento de horas de trabalho e o duplo expediente. Deliberaram enfim dar integral apoio às demais decisões tomadas pelo Governo Jânio Quadros.

Chegou hoje a esta capital o Sr. David Capistrano de regresso da sua viagem ao Rio, onde esteve representando o Estado no Pleno do Comitê Central."

Legalidade do PCB
Em 1960, o PCB desencadeia uma campanha de coleta de assinaturas pelo seu registro legal, com o nome não mais de Partido Comunista do Brasil, mas de Partido Comunista Brasileiro. A edição do Diario de Pernambuco, de 28 de julho daquele ano, traz esta notícia:

"CAMPANHA COMUNISTA PELA VOLTA DO P.C
Os comunistas do Estado vão promover, amanhã, uma solenidade no plenário da Assembléia Legislativa, como início de uma campanha, de caráter nacional, visando à legalidade do Partido Comunista do Brasil.

O sr. David Capistrano pronunciará discurso em nome dos seus 'camaradas', enquanto o ex-governador Otávio Correia falará em nome da bancada oposicionista. Outros deputados usarão da palavra, entre eles o sr. Gomes de Sá, do PTB, e, provavelmente, o sr. Francisco Julião, em nome dos socialistas. O sr. Barros Barreto deverá falar pelo Partido Social Trabalhista."

No seu pronunciamento no ato pela legalidade do PCB, David Capistrano denuncia a cassação dos mandatos dos comunistas em 1948 e faz uma longa citação de artigo de Prestes defendendo o pluralismo partidário como uma positiva tradição política brasileira. Esta, a parte final:

"A atuação dos comunistas no cenário político nacional, ao lado das contribuições que trouxe ao desenvolvimento democrático, teve sem dúvida, erros e omissões, cuja base estavam na subestimação ao desenvolvimento que se processava na economia e na política do país. Tínhamos uma visão unilateral dos problemas brasileiros. Exagerávamos a atuação dos inimigos do nosso povo, enquanto isso, não nos apercebíamos das forças novas que se desenvolviam no seio da sociedade e que se opunham, já então, com energia crescente, às investidas dos monopólios estrangeiros.

A experiência da vida política brasileira tem demonstrado que as vitórias anti-imperialistas e democráticas parciais só puderam ser obtidas pela atuação em frente única de várias forças interessadas na emancipação e no progresso do país. A aliança dessas forças resulta, portanto, de uma exigência da própria situação objetiva.

O proletariado ao participar dessa luta tem o direito, como todas as demais classes e camadas, de fazê-lo organizado dentro do seu partido de classe. Daí por que aqui estamos a pleitear da Justiça, o registro do Partido Comunista do Brasil.

Levamos na devida conta a enorme significação que, para a conquista desse elevado objetivo, tem o concurso de todas as forças democráticas interessadas na justa solução dos problemas brasileiros e no fortalecimento da democracia, em nossa terra."

Em 21 de outubro de 1961, o jornal A Hora publica em primeira página matéria com a manchete:
"DESTACADAS PERSONALIDADES PELO REGISTRO DO PCB NO DIA 17, ÀS 20 HORAS, NO TEATRO DO PARQUE"

Na matéria é publicado um manifesto, em que se lê:

"Nas grandes e difíceis campanhas pela defesa do patrimônio nacional, do petróleo e das riquezas minerais, contra a espoliação pelos trustes, a remessa e a exorbitância dos lucros, a elevação do custo de vida, pelas reivindicações operárias e estudantis, pela redenção dos trabalhadores do campo, pelo desenvolvimento industrial e econômico do Brasil e sua posição de independência no concerto das demais nações, superando divergências ideológicas e partidárias, ao lado das demais forças democráticas e patrióticas, quase sempre nas arriscadas e incômodas posições de vanguarda, arrostando os impactos diretos e imediatos dos agentes da reação, foram os comunistas, tantas vezes, corajosos e dedicados aliados nos combates pela reafirmação e vitória dos ideais democráticos. Sua presença ultimamente, em todos os atos da nossa vida política, não se pode ignorar ou subestimar.

Torna-se, portanto, inadmissível essa odiosa discriminação que vem privando a tão apreciável contingente do eleitorado brasileiro do direito de defender publicamente o seu programa partidário e de se fazer representar por mandatos eletivos, o que vem constituindo um verdadeiro atentado à liberdade de arregimentação política - atributo inseparável do regime democrático."

Assinam:
"Barros Barreto - Presidente Regional do PST; Newton Cardoso de Morais - Presidente Regional do PSB; João Roma - Secretário do Diretório Regional do PSD; Pelópidas Silveira - vice-governador e do Diretório Regional do PSB; Arthur Lima Cavalcanti - vice-prefeito do Recife.
Deputados: Cunha Primo, Alcides Teixeira, Wilsom Santana, Edson Cantarelli, Otávio Gonçalo, Odívio Duarte, Inácio Valadares, Inalvo Lima, Antônio Neves, Paulo Maciel, Almani Sampaio, Emídio Caavalcanti, Severino Mário, Otávio Correia e Carlos Luiz de Andrade.
Vereadores: Antônio Moury Fernandes, José Magalhães Melo, Miguel Batista, Eriberto Gueiros, Sérgio Xavier, Liberato Costa Junior, Newton Carneiro, Carlos José Duarte, Bisbelo de Queiróz Campos."

Carta Aberta ao Governador
Embora o rompimento com o governador Cid Sampaio já estivesse consumado, somente em fevereiro de 1962 o PCB de Pernambuco tomou a iniciativa de formalizá-lo de maneira circunstanciada, num extenso documento assinado por David Capistrano, intitulado de Carta Aberta ao Governador Cid Sampaio. Uma tiragem do documento estava sendo impressa na gráfica do jornal A Hora, juntamente com os novos estatutos que o PCB havia encaminhado ao Superior Tribunal Eleitoral - STE, solicitando seu registro legal, quando o estabelecimento foi invadido por uma turma de policiais, que fez a apreensão do material e várias prisões. Entre os presos, além de David Capistrano, estavam nove gráficos e funcionários, ligados ao PCB. Tratou-se de uma prisão rápida. Foi aberto um processo.

O Jornal do Commercio, de 25 de julho de 1962, em matéria intitulada "Comunistas Denunciados por Atividades Subversivas", informa que "David Capistrano e mais dois outros elementos" foram denunciados pelo promotor da 8a Vara Criminal. 

A seguir, trechos de matéria publicada no Jornal do Commercio, em 7 de agosto, sob o título:

"Líder Comunista Diz Que Não Queria Agitar Com Carta Aberta:
Depondo ontem perante o juiz Aníbal Wanderley, o líder comunista David Capistrano da Costa confirmou, de modo geral, os termos da denúncia contra ele e mais alguns vermelhos, formulada pelo então promotor daquela Vara, Jarbas Correia.

No entanto, David Capistrano negou tivesse qualquer intenção de ferir os ditames constitucionais. Durante o seu depoimento, que por sinal foi claro, pausado e absolutamente calmo, David Capistrano não só confirmou a autoria da "Carta Aberta ao Governador Cid Sampaio", como a autorização para a impressão e distribuição da mesma. Indagado pelo juiz dos motivos que o levaram a criticar o Governador, disse que estava cobrando, na carta, a realização do compromisso assinado pelo então candidato Cid Sampaio, em maio de 1958, quando firmou juntamente com outros políticos o "Manifesto das Oposições"

Quanto à distribuição de exemplares dos 'Estatutos do Partido Comunista Brasileiro' que, segundo a denúncia, foi realizada de modo ostensivo em toda a cidade, o depoente disse ao juiz que a distribuição foi feita com o seu conhecimento e com a sua autorização, mas com a finalidade de angariar assinaturas para o registo do PCB no Tribunal Superior Eleitoral (recentemente o STE recebeu o pedido de registo). Era necessário, disse, que o povo tomasse conhecimento do que é o PCB para poder assinar o pedido em referência."

Na edição de 3 a 10 de março de 1962, o editorial de A Hora, sob o título Continuaremos a Marcha, conclui com estas palavras:

"Com o apoio estimulante dos democratas e dos patriotas, continuaremos a nossa marcha ao lado do povo, a despeito dos desatinos e dos crimes de um governo que já não tem forças para se impor à opinião pública, tantos são os seus erros e desacertos."

Candidato a Deputado
O desempenho de Miguel Arraes à frente da administração da Capital credenciou-o para disputar o Governo do Estado de Pernambuco, numa aliança política com o PSD, em que Paulo Guerra apareceu como candidato a vice-governador. Perdendo no Interior, Arraes suplantou João Cleofas, o candidato de Cid, com os votos da Capital, sendo também beneficiado pelos votos desviados por Armando Monteiro Filho, que, com um discurso de centro, declarou durante a campanha que, se não fosse candidato, votaria no prefeito do Recife.

Na campanha eleitoral, o PCB lançou, inicialmente, três candidatos a deputado estadual:
David Capistrano, apresentado como "o candidato dos comunistas", Gilberto Azevedo e Cícero Targino Dantas, como candidatos "apoiados pelos comunistas". Havia um caso especial: Claudio Braga era o candidato "apoiado pelos comunistas na Rede Ferroviária". O vereador-delegado Wandenkolk Wanderley entrou no TRE com um recurso de impugnação às candidaturas de David Capistrano, Gilberto Azevedo e Ramiro Justino, tento obtido um êxito parcial: conseguiu anular, por unanimidade de votos, em sessão realizada no dia 26 de setembro, o registro da candidatura de David Capistrano. Diante do fato consumado, David divulgou um longo manifesto intitulado Aos Meus Correligionários e Aos Meus Amigos, em que afirma :

"... a injusta decisão do TRE em nada abala as minhas convicções, nem a disposição de luta, para trabalhar pela vitória dos candidatos que apoiamos neste memorável pleito. Nem muito menos ainda diminuirá o meu entusiasmo pela causa invencível do socialismo, que será, sem dúvida alguma, vitoriosa também em nossa terra."

Novamente, os Olhos do DOPS
No retorno a Pernambuco, David Capistrano voltou a ser acompanhado - ou acampanado - diariamente pelos agentes do DOPS. Relatórios sintéticos eram feitos ao fim de cada mês. Vejamos dois exemplos de "campana" diária.

"Recife, 20 de fevereiro de 1961
Ilmo Sr. Comissário Supervisor
Em continuação ao serviço de observação a Residência do Sr. David Capistrano da Costa, residente a Rua Prof. João Fernandes Soares no 356 - Campo Grande, informo que cheguei às 13 horas e permaneci ali até as 17 horas, não notando nenhum movimento digno de registro. A referida casa se encontrava toda aberta, dando a impressão de que não morava ninguém porque não se avistava nenhuma pessoa. Existia no quintal pequenas peças de roupas estendidas. Às 14.30 apareceu apenas o leiteiro, foi quando um garoto veio receber o leite. A noite o observado saiu às 20 horas e regressou às 21.30 acompanhado de Ivo Valença, ficando este último na sua residência à Estrada de Belém no 1506 apto 8. O campanado ao chegar em casa ficou em mangas de camisa, com a família conversando. Às 22 horas fecharam-se as portas e pagaram as luzes dando a impressão que iam dormir."

"Recife, 13 de maio de 1961
Senhor Comissário:
Em prosseguimento ao serviço de campana, passo a informar para os devidos fins, que o Sr. DAVID CAPISTRANO, saiu do Edif. Vieira da Cunha, para o almoço às 12 horas. Apanhou um carro da C.T.U saltou no terminal de Campo Grande às 12.40, chegou em sua residência às 12.45. A tarde aquele senhor retornou ao trabalho onde chegou às 14.30, saiu às 15.55 e rumou para Companhia Editora Nacional, na rua da Imperatriz, ali chegando David foi recebido por um senhor forte, conduzindo ao interior daquela Editora.

Eram 16 e 5 minutos, como o mesmo estava demorando muito, resolvi ir ver pessoalmente, o que estava se passando. Constatei que era uma reunião. Comuniquei-me com a repartição, para ver se era possível a ida de um investigador, de mais conhecimento no assunto, e também para fazer um reconhecimento dos elementos que estava ali reunidos, isto não foi possível. A reunião prolongou-se até as 17.30 minutos, quando repórteres e cinegrafistas apanharam alguns flagrantes. Em seguida saíram todos. Eram mais de vinte, inclusive senhoras. Acredito tratar-se de um lançamento de um livro, mas ... porque elementos comunistas naquela solenidade?"

Jornal A Hora
David Capistrano sempre esteve à frente de um jornal. Em 1961, uma circular assinada por ele, dirigida a diversas entidades, informa "que partir de 5 de agosto, circulará , no Recife, nos sábados, um novo jornal, o semanário 'A Hora', sob nossa orientação. Com ele, objetivamos, primordialmente, dotar os pernambucanos com um órgão de caráter nacionalista e popular, que reflita e defenda as reivindicações mais imediatas da classe operária, dos camponeses, da pequena e média burguesia, da burguesia nacional e demais camadas sociais interessadas no desenvolvimento e progresso, não só de Pernambuco, como do Nordeste e do País."

O jornal foi lançado publicamente no Teatro do Parque, em 5 de agosto. Em tamanho standard, impresso em linotipo, preto e branco, o primeiro número trazia no expediente: Diretor: Claudio Tavares; Diretor responsável: David Capistrano; Secretário: Irineu Ferreira; Gerente: Romero de Figueiredo; Redatores: Rildo Mouta, Amaro Valentin, Guilherbaldo Macieira. Como colunistas, Claudio Tavares, J. Macieira, Irineu Ferreira. As matérias assinadas tinham os seguintes autores: Manoel Messias da Silva, Irineu Ferreira, Hiram Pereira, Amaro Valentim e Rildo Mouta. Foram publicadas 141 edições. A última, com data de 27 de março de 1964.

Na coleção do jornal A Hora encontram-se inúmeros artigos assinados por David Capistrano, tratando de temas políticos. Entre eles, uma série de três matérias com as suas impressões sobre a viagem a Cuba, realizada em 1963. Numa delas, transparece o seu entusiasmo quando da visita à sede do jornal dos comunistas cubanos, o Hoy. David estava à frente de uma ampla reforma no prédio da gráfica do PCB, na Praça Sérgio Loreto, onde deveriam funcionar, em dois pavimentos, a redação e as oficinas da Folha do Povo, em edição diária, quando seriam postas em funcionamento as impressoras em linotipo, as mais avançadas na época, adquiridas na Tchecoslováquia.

Depois do Plebiscito
Com as quedas de gabinetes e o sistema parlamentarista profundamente desgastado perante a opinião pública, João Goulart conseguiu aprovar no Congresso a antecipação do plebiscito sobre a forma de Governo, que foi realizado no dia 6 de janeiro de 1963 . Em Pernambuco, o governador Cid Sampaio foi à televisão e pediu ao povo para votar sim e não, o que correspondeu à anulação do voto. Francisco Julião, já então se colocando em posição à esquerda do PCB, propôs: Nem Sim, Nem Não: Abstenção. O resultado foi uma vitória esmagadora do presidencialismo. Brizola declarou num comício no Recife: "Com o plebiscito, o sr. Jango Goulart recebeu do povo a faca e o bolo. Agora, ele vai ter de cortar a fatia."

Em meio a pressões e contrapressões de todos os lados, passando por uma tentativa de decretação de estado de sítio, João Goulart tomou a iniciativa de uma mobilização, a partir de 1964, objetivando o encaminhamento de profundas reformas sociais e políticas no País. A culminância desse processo foi o célebre comício do dia 13 de março, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Em matéria publicada no seu número 141, de 21 a 27 de março de 1964, o jornal A Hora comentou:

"A gigantesca concentração da Central do Brasil deu início a uma nova fase na luta do povo brasileiro pelas reformas de base a e adoção de uma nova política, firmemente nacionalista e democrática. As 200 mil pessoas que se reuniram em frente ao Ministério de Guerra e os milhões de brasileiros que em todo o País, acompanharam o comício vivem um momento realmente histórico.

Diferentemente de atos anteriores, o comício da Central caracterizou-se pela afirmação de importantes medidas concretas por parte do presidente Goulart, que vinham sendo reivindicadas pelo movimento nacionalista e popular. Momentos antes de dirigir-se para a Central o Presidente da República assinava no Palácio das Laranjeiras dois decretos: o que considera de utilidade pública, para efeito de desapropriação, as áreas marginais às estradas, açudes e outras obras públicas, assim como o que encampa e incorpora à Petrobrás as refinarias particulares de petróleo (...) Ontem, outro importante decreto foi assinado por Jango: o que tabela os aluguéis de residências.

Por outro lado, ao dirigir a palavra ao povo o presidente João Goulart assumiu novos compromissos: o de bater-se resolutamente ao lado do povo para que sejam logo efetivadas as reformas de base e alterada a Constituição naquilo que constitui um entrave à ampliação da democracia e à realização das transformações estruturais.

As vitórias alcançadas pelo povo brasileiro nos últimos dias e as perspectivas de novos passos no caminho democrático alarmam e desesperam a setores antipopulares.

Esse desespero é impotente, entretanto, diante da força e da decisão do povo, diante de nossa luta emancipadora e democrática."

O jornal A Hora, na mesma edição de 2 a 27 de março, publica, no alto da página, de canto a canto, a manchete em três linhas, com letras maiúsculas:

"CONSINTRA ATENDE AO CGT: CREVE GERAL, SE REFORMAS NÃO SAIREM"

Na primeira página, uma matéria assinada por David Capistrano, sob o título de Avante Pelas Reformas de Base, conclui assim:

"Os tempos, agora, são outros.
A marcha da revolução brasileira não se deterá com ameaças, o seu ritmo de avanço aumenta no fragor das lutas de nosso povo pelo progresso, pela democracia, pelas reformas de base."

E num pé de página, com largura de duas colunas, o anúncio entusiástico:

"Aguardem!

FOLHA DO POVO
Voltará a Circular Diariamente
Vibrante! Combativo! Patriótico!"

* Marcelo Mário de Melo, jornalista, autor do livro "Perfil Parlamentar Século XX - David Capistrano. Assembleia Legislativa de Pernambuco, Recife, 2001.

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