quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A esperteza da gestão amadora - Rosângela Bittar

Pacto é a arte de ter um discurso e socializar o prejuízo

A modalidade de gestão adotada pela presidente Dilma Rousseff desde junho, quando percebeu que as ruas estavam atentas à ineficiência do serviço público e precisava dar uma meia volta às consequências eleitorais disso, é surrada e não tem dado certo no Brasil ao longo dos tempos. Foi se desgastando, provavelmente porque a ela os governos recorreram em demasia quando se encontravam em impasse e queriam fazer algum barulho para demonstrar ação. E para transferir responsabilidades, claro. São os pactos.

O grupo que for convidado a sentar-se à mesa e assinar o papel deve colocar as barbas de molho. Será o culpado mais adiante se os problemas não forem resolvidos, e geralmente não são. Pactos não têm esse poder, muito menos com a rapidez exigida. São próprios para se ganhar tempo. Mas, nos casos aplicados aqui, até se chegar ao fim a cena já terá sido filmada e produzida com requinte para a propaganda. Os pactos atuais têm sido uma estratégia eficaz do grupo de propaganda eleitoral do governo.

O pacto da responsabilidade fiscal, o último deles, firmado com o conselho político do governo, formado por líderes dos partidos da aliança, é o tipo do pacto para desviar bem desviada uma responsabilidade.

Há meses o público acompanha a curva descendente do equilibrio fiscal do governo e a discussão, que ecoa na avaliação de investidores sobre a incapacidade de uma gestão amadora recuperar-se, fazer o superávit, arrumar suas contas, parar de gastar de forma perdulária. Levantamento feito pelo jornal 'O Estado de S.Paulo' apontou que a presidente Dilma Rousseff - ou seja, o Executivo - enviou, só este ano, ao Congresso, na forma de medidas provisórias, gastos com impacto nas contas públicas de R$ 96,3 bilhões neste e nos próximos anos, valor que embute despesas em relação ao previsto e renúncia de arrecadação.

Multiplicam-se e não param de surgir truques e maços de verbas tirados da cartola para cobrir despesas já feitas, como demonstrou recente relatório de avaliação de despesas e receitas relativo ao 5º bimestre, divulgado na última sexta-feira. O jornalista Ribamar Oliveira demonstrou, nesta segunda, no Valor, que o governo vai utilizar os R$ 16,4 bilhões que espera arrecadar com a reabertura do Refis da crise e com os dois novos parcelamentos de débitos que beneficiarão bancos, seguradoras, coligadas e controladas para cobrir o aumento de despesas que estavam subestimadas, além de ampliar outros gastos.

Quando o governo se viu no redemoinho da desconfiança generalizada, quando o timoneiro perdeu a credibilidade, voltou seus olhos para o Congresso e lá viu sua tábua de salvação. Descobriu que há vários projetos que criam despesas, como sempre os há, no Parlamento, alguns propostos pelo próprio Executivo, e ao invés de simplesmente determinar à sua imensa base aliada de parlamentares rejeitá-los, armou a cena da transferência da culpa, o seguro em sua defesa, caso haja o temido rebaixamento das notas de risco do Brasil.

Chamou os partidos a uma reunião de pompa, no Palácio do Planalto, para que assinassem o pacto de responsabilidade fiscal, a mesma que alguns ministros já quiseram flexibilizar. Se o castelo ruir, o culpado da fotografia todos já sabem quem é.

Essa gestão por espasmos reativos está em cartaz desde junho. A saída, diante do susto com a insatisfação ampla, geral e irrestrita do eleitorado, foram os pactos, que disso só têm o nome. A presidente apresentou-se à TV, em programa desenhado para horário eleitoral, e propôs cinco pactos. Com o da semana passada, já somam seis, em seis meses.

No discurso, um amontoado de palavras. No cenário, naquela oportunidade, governadores e prefeitos. Agora, partidos políticos. O primeiro pacto tinha o mesmo nome dado agora ao sexto, firmado semana passada: responsabilidade fiscal.

O segundo foi o pacto da reforma política, com a convocação do plebiscito. Quem podia convocar o plebiscito não estava à mesa, a proposta se perdeu no vazio. Havia o pacto pela saúde, um problema, o principal apontado em pesquisas, que já se deteriorou de forma inqualificável no Brasil e angustia, amargura, irrita e mata o cidadão. Ao pacto mais importante daquele mês, porque diretamente relacionado ao estopim das manifestações, o do transporte público, a presidente chamou de mobilidade e atribuiu uma verba de R$ 50 bilhões. Estados e municípios não tinham como usar, não tinham projeto nem capacidade para gastar, e avisaram que o dinheiro era velho conhecido mas não sacado.

Para a Educação, o pacto era um pedido de aprovação, pelo Congresso, do projeto que destinava 100% dos royalties do petróleo para a área. Esse o Congresso aprovou, mas com 75% para Educação e 25% para a Saúde, e mesmo assim não é de todo petróleo que existe. Novamente, um chapéu alheio, desta vez do próprio Congresso.

Há uma ação, a única visível, que o governo relaciona com sua contribuição no pacto da saúde, o programa Mais Médicos, que emprega médicos cubanos pelo Brasil afora. Programa ainda subjudice, porque eivado de equívocos e adaptações forçadas da lei, mas uma medida concreta que, finalmente, tem a ver com melhoria do serviço público.

Para a campanha eleitoral, não há problema, tudo funciona, há discurso e propaganda. O problema é para a vida real. Ainda ontem, a presidente Dilma avaliou como um sucesso, em entrevista ao El País, todos os seus pactos.

É reconhecido o talento do governo e da sua máquina publicitária para tirar a crise, qualquer uma, de perto de si, transferindo o prejuízo a outros poderes, Estados e municipios também. A técnica de gestão está indo ao paroxismo das soluções de risco, mesmo para o vale tudo das campanhas eleitorais. O problema se agravará se os outros poderes copiarem o modelo. O Congresso já está aprendendo a resolver tudo no discurso: líderes esclarecem que o pacto fiscal é um compromisso só até o fim deste ano. Para o ano eleitoral de 2014 serão outros quinhentos.

Fonte: Valor Econômico

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