terça-feira, 29 de outubro de 2013

Espadas e floretes - Tereza Cruvinel

Eduardo Campos defende o legado dos governos FH e Lula. Reconhecer feitos do adversário é algo politicamente honesto, mas de resultados eleitorais discutíveis

No encontro de ontem, em que PSB e Rede começaram a discutir as bases de um programa de governo conjunto, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, assegurou: o “novo ciclo” de desenvolvimento que se propõe a liderar no Brasil preservará as “conquistas” de governos passados, como a estabilidade da moeda (FH) e a inclusão social (Lula/Dilma). Amanhã, o PT voltará a brandir a paternidade desta última, em ato com batida eleitoral, pelos 10 anos do Bolsa Família, com as presenças de Lula e de Dilma. É o aviso de que, na campanha, fará um cabo de guerra com os programas sociais, reivindicando a paternidade e advertindo sobre o risco de serem extintos se houver descontinuidade no governo federal. Se não podem negar o legado social do lulismo, ao qual eram ligados até ontem, defendê-lo será um dilema para Campos e Marina. Reconhecer feitos do adversário é algo politicamente honesto, mas de resultados eleitorais discutíveis.

Os eleitores que o PT conquistou com seus programas sociais — não apenas pela garantia da renda mínima, mas também pelos efeitos que tiveram sobre as microeconomias locais, especialmente no Nordeste — poderão se perguntar: se é para continuar, para quê mudar de governo? E se outro governo resolve mesmo acabar com o que temos hoje? Neste momento da pré-campanha, PT e governo parecem ter uma estratégia bastante clara: reavivar a memória dos que ascenderam socialmente nos últimos anos com dados sobre todos os programas que Dilma reuniu sob o carimbo do Brasil sem Miséria: além do Bolsa Família, fazem parte do pacote Brasil Carinhoso, Luz para Todos, Mulheres Mil, Inclusão Produtiva (ações de crédito e capacitação para bolsistas, no campo e na cidade) e o Pronatec (ensino profissionalizante). Os dois últimos serão usados para rebater o argumento dos críticos ao “assistencialismo”, mostrando que o governo oferece ou vem tentando oferecer “portas de saída” para os assistidos.

Se o voto dos mais pobres ninguém tasca, o problema do PT e de Dilma é com a classe média, parte dela gerada pelo próprio lulismo, especialmente com os jovens, que, como visto nos idos de junho, cobram melhores serviços de educação, transporte, saúde e segurança. Para isso, o publicitário João Santana já tem um slogan: “Quem garantiu emprego e renda garantirá também melhores serviços públicos”. Algo assim. Se o eleitorado será convencido a dar mais quatro anos a Dilma, são outros quinhentos.

Voltemos a Campos/Marina, PSB e Rede. Feita a promessa de manter a inflação controlada e a de preservar os programas sociais, ontem os grupos de trabalho apenas começaram a discutir as cinco metas que encabeçarão o programa de governo. Mas é certo, diz o líder do PSB na Câmara, Beto Albuquerque, que um dos cinco pontos tratará do novo modelo de crescimento, com ênfase na sustentabilidade, e outro das mudanças na política. Tais mudanças comporão o eixo “democratizar a democracia”, pleonasmo que talvez queira dizer algo como aprofundar ou radicalizar a experiência democrática. Mas é certo que, nessa frente, PSB e Rede levam vantagem sobre o PT no diálogo com as legiões que foram às ruas. Essa massa que, agora, ressabiada com a violência dos vândalos, gasta na internet uma energia enorme no combate aos desatinos de políticos e de partidos no poder e à defesa de uma nova representação, com maior controle do eleitor sobre o eleito, a começar pelo voto, que deveria ser aberto em todas as circunstâncias. O discurso de Marina, de que é possível governar o Brasil fora do presidencialismo de coalizão, com base no apoio popular, que livraria o governante das mordidas que o sistema de alianças lhe impõe, em forma de concessões, barganhas e “distribuição de feudos”, foi incorporado por Campos. Mais adiante, espera-se que esclareçam melhor como tal modelo de governança, amplamente desejado, funcionaria na prática. Por exemplo, como seriam aprovados os atos do governo que dependem do Congresso sem compor uma maioria parlamentar.

Candidaturas de terceira via esbarram nesse dilema, de não fazer a negação total do governo a que se opõem. E, com isso, acabam lutando de florete, e não de espada. Apostando na polaridade, Aécio Neves vem sendo mais incisivo e frontal, a começar com o endosso às críticas do FMI à política econômica de Dilma. Mas, mesmo ele, no social, apela para a lembrança de que tais programas começaram no governo FH, o que é verdade, mas com alcance muito mais restrito.

Aqui ao lado
A oposição, é certo, teve uma grande vitória na eleição de domingo na Argentina, embora o governo de Cristina Kirchner tenha garantido maioria no Congresso. O revés eleitoral é semelhante ao de 2009, que foi, porém, superado graças ao bom momento econômico e à unidade no peronismo, circunstâncias hoje em falta. Ninguém sabe sequer ao certo quando a presidente Cristina reassumirá suas funções. PSB e PSDB viram ali sinais de que todo poder um dia se esgarça. Quando, é que nunca se sabe, pois depende de inúmeras coisas. Talvez até dos astros.

Fonte: Correio Braziliense

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