quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Crimes em confissão - Rosângela Bittar

O Tribunal Superior Eleitoral vive momentos de angústia, e se não vive deveria, às vésperas de analisar o pedido de autorização para criação do Rede Sustentabilidade, o 33º partido político brasileiro. A candidata Marina Silva está pedindo que o TSE flexibilize a lei, ou seja, descumpra-a, pratique a ilegalidade que seus seguidores denominam de "burocracia contra a sociedade", que seria a aprovação do partido sem atendimento às normas.

A defesa dessa posição, na claridade, com arrogante atitude, talvez se deva ao fato de que a candidata confie no que está vendo, que a sua transgressão será infinitamente menor do que o desconforto na defesa do cumprimento da lei só para ela, enquanto outros usam e abusam da justiça eleitoral sem serem admoestados.

A candidata líder da campanha presidencial de 2014, Dilma Rousseff, está na ilegalidade há muito tempo, em campanha permanente há meses, modelo implantado no país pelo antecessor e padrinho Luiz Inácio Lula da Silva. A sua campanha é de jogo duríssimo. O governo muda leis para que elas se adaptem às suas peças publicitárias, forma palanques estaduais e soma tempo de propaganda na TV promovendo filiações de quem quer, entra com a mão forte na cumbuca de aliados e adversários.

Seria insegurança se não houvesse dose cavalar de soberba

A esses, o golpe de misericórdia leva à terra arrasada e, muitas vezes, à humilhação da pisada do salto alto. Como a que sobrou para o ministro apadrinhado do candidato Eduardo Campos, enrolado no cargo como o detentor de uma benesse até quando a presidente quis dar publicidade à sua demissão.

Dilma Rousseff viaja a dois, três Estados por semana, ergue palanques de comícios relâmpago, às vezes para prometer ou entregar mercadorias, às vezes simplesmente para expor sua imagem em franca recuperação dos percalços de junho.

Campanha agora ampliada para dentro do gabinete presidencial, onde se promovem cenas de propaganda eleitoral explícita via internet, para efeito imediato sobre pesquisas de popularidade, hoje, e para efeito de produções de filmes para o horário eleitoral do ano que vem.

Tomam-se providências legais para que as peças de campanha, já em pleno uso, possam ser aceitas sem obstáculo de natureza legal. Caso do programa de médicos cubanos: como os Conselhos de Medicina exigiram cumprimento da lei nos registros, o governo mudou a lei e agora o registro é tarefa sua e do ministro que já pode posar legalmente sorridente ao lado dos importados. Para resolver melhor essa publicidade, só importando advogados cubanos para defender os médicos e explicar como se deu sua formação.

De canetada em canetada, os fatos se multiplicam e a Justiça eleitoral, ao contrário do que faz com Marina Silva, não esboça sequer contrariedade.

Novidade, novidade, essas transgressões da candidatura líder não são. Seguem o modelo traçado segundo a técnica do seu criador. Foi assim em 2010 e, antes, na reeleição do ex-presidente Lula. A cara de pau, o joão sem braço, o não estou nem aí é o sistema do comandante em chefe. Que reavivou, esta semana, como se estivesse falando que o céu é azul, a descrição de como praticou e continua a praticar tais atos.

Além de insinuar que tem informações preciosas sobre os crimes do mensalão e fazer a defesas dos aloprados que forjaram dossiê sobre adversários eleitorais (os desvios do escritório da Presidência em São Paulo, que forma o tripé, ainda não entraram no seu processo de revisão teórica), o ex-presidente Lula deixa transparecer, na já célebre entrevista aos Diários Associados, publicada domingo, a falta de limites no discurso e no comportamento que esse discurso revela. E a certeza de que não há e não haverá lei que o detenha.

Lula nunca teve barreiras, limites ou cautela de qualquer espécie, o seu perfil na política é exatamente o da força da natureza. Do começo ao fim dos seus governos transgrediu a lei eleitoral e o bom senso. Nesse magistério peculiar às suas criaturas, admite publicamente a prática de irregularidades passadas, presentes e futuras.

Por coincidir com tudo o que vem fazendo a candidata à reeleição, tal como fizera o próprio Lula candidato à reeleição, destaca-se, na entrevista, uma confissão, clara, sobre como construiu Dilma pelo método de eleger postes que desenvolveu e vem aplicando com sucesso.

Diz o ex-presidente, a pretexto de estabelecer uma diferença no tempo eleitoral, que sua participação agora, com relação à candidata líder, tem que ser diferente de 2010. "Em 2010 a Dilma não era conhecida. Fizemos uma campanha para que ela se tornasse conhecida, e para mostrar ao eleitor o grau de confiança que eu tinha nela. Obviamente que, depois de quatro anos de governo, a Dilma passou a ser muito conhecida e conseguiu construir sua própria personalidade". Palavras suas.

Assim fez com Fernando Haddad na prefeitura e reaplica agora na candidatura Alexandre Padilha ao governo de São Paulo. A campanha de forma permanente, renhida, intempestiva, totalmente fora dos prazos legais, com ações heterodoxas, como as de adaptar as leis às peças de campanha em uso. Além da admissão dos atos, reincidentes por desprezo à Justiça e aos adversários, Lula praticamente confirma que não abandonou a cruzada dos defensores do Volta Lula e pode ainda ser o candidato do PT a presidente da República. Avisa que vai sair Brasil afora em campanha, num palanque próprio, para o lado oposto de onde estiver a candidata, o que mantém acesa a chama dos que lhe são fiéis e à sua candidatura. E são numerosos, não só no PT como nos partidos da aliança. O modelo de campanha que o ex-presidente colocou em execução serve também à sua própria eleição. Terá condições de, lá na frente, se houver algum problema ou problema algum, lembrar ao eleitorado que está apto, em todos os sentidos, a ser o cara.

A violência da campanha líder, contra tudo e contra todos, chamando a si as vantagens, até denotaria uma certa insegurança com a possibilidade de um segundo turno se não houvesse uma dose cavalar de evidente soberba. O que está longe de justificar regalias para Marina Silva na justiça eleitoral.

Fonte: Valor Econômico

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