domingo, 8 de setembro de 2013

Golpe militar violento do Chile faz 40 anos

O 11 de setembro chileno

GOLPE

Sob o comando de Augusto Pinochet, há 40 anos, militares derrubavam Salvador Allende e instauravam uma sangrenta ditadura

Renato Mota

"Como eu queria que não tivesse sido necessária a ação de 11 de setembro de 1973! Como eu queria que o presidente Salvador Allende não tivesse colocado na cabeça o propósito de transformar o nosso país em uma peça a mais no tabuleiro ditatorial marxista! A guerra traz dores muito difíceis de curar." Foi com essas palavras, escritas em uma carta a ser lida após sua morte (em 2006), que o general Augusto Pinochet despediu-se do povo chileno e justificou 17 anos de uma ditadura militar que deixou mais de 3.200 pessoas mortas e outras 38 mil que sofreram perseguição, prisão e torturas.

A justificativa de Pinochet não era segredo nenhum na época. "Assim como aconteceu em quase toda América Latina na época, os golpes militares eram medidas contrarrevolucionárias, com a intenção de conter a influência dos movimentos de esquerda no continente", explica o professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Rio) Fernando Padovani. "Os Estados Unidos viram sua hegemonia ficar ameaçada após a Revolução Cubana (1959), por isso, apoiou e até financiou golpes militares na região", conta Padovani.

A política de Allende copiava o modelo social-democrata da Suécia, e já se iniciava com o processo de estatização de parte da indústria e com uma ampla reforma agrária. Por isso, o Chile acabou sendo também refúgio de vários brasileiros exilados, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Plínio de Arruda Sampaio, Fernando Gabeira, Herbert de Souza (Betinho) e José Serra (veja entrevista abaixo), entre outros. "A direita conservadora não tinha outro caminho que não o golpe. Os processos de mudança eram irreversíveis", afirma o vice-reitor da Universidade de Santiago, Sergio González.

Para o golpe, os conservadores contaram com o apoio dos militares e dos EUA. No dia do golpe, navios americanos chegaram a ficar de prontidão na costa do Pacífico, com a justificativa de proteger cidadãos americanos que viviam no Chile, mas com o real objetivo de dar suporte aos militares chilenos. "A participação dos EUA é um fato inegável, tanto no apoio aos militares quanto da redemocratização, sempre atendendo aos seus próprios interesses", afirma o professor da Faculdade de História da Universidade de São Paulo (USP) Osvaldo Coggiola.

O golpe já vinha se desenhando desde antes de setembro. Em junho aconteceu uma tentativa de quartelada, o Tanquetazo, liderado pelo tenente-coronel Roberto Souper. Apesar das movimentações para derrubá-lo, Allende tinha no comando do Exército uma pessoa de sua confiança: o general Augusto Pinochet.

Ditador

O homem que comandaria o Chile com punho de ferro pelos próximos 17 anos (chegou a declarar que "nenhuma folha se mexe neste país se não for eu a mexê-la") não estava, à princípio, entre os líderes dos golpistas. "Ele foi empossado pelo próprio Allende. Pinochet era tido, na época, como uma pessoa extremamente constitucionalista, assim como seu antecessor, o general Carlos Prats", conta Coggiola. "O Tanquetazo foi abafado por Prats, e pensava-se que Pinochet seguiria a mesma linha. Tanto que ele só aderiu ao golpe dois dias antes do acontecido", completa o professor da USP.

A violência que marcou a tomada de poder pelos militares, com direito a cerco e bombardeamento do palácio presidencial de La Moneda, foi fruto de superestimação da capacidade de resistência dos governistas por parte das Forças Armadas. "Eles achavam que a Guarda Presidencial estava muito bem municiada e que poderia oferecer perigo ao golpe. Isso estava longe da realidade, e em poucas horas o local foi tomado e o presidente estava morto", conta Gonzalez.

No fim do dia, a junta militar, que reunia os quatro comandantes máximos das Forças Armadas, estava no comando do Chile. E no comando da junta, o então comandante-em-chefe do Exército, Augusto Pinochet. "A imagem que ficou do Pinochet foi a de um homem oportunista e extremamente ambicioso, que percebeu um vácuo no poder e aproveitou-se disso", afirma o González. Segundo ele, até mesmo para os setores conservadores que apoiaram a ditadura, a admiração ao ditador não é unânime. "Se por um lado ele ‘salvou’ o Chile da esquerda, seu governo foi marcado por muita corrupção e enriquecimento ilícito", conta.

Em sua carta póstuma, o general afirmou "honestamente estar orgulhoso da enorme ação que teve que ser feita para evitar que o marxismo-leninismo atingisse potência máxima, e, também, que tornou a minha querida terra natal era uma grande nação". Mas 40 anos depois do golpe, ficaram mais fortes as últimas palavras do discurso de Allende, transmitido via rádio, antes que o Palácio La Moneda perdesse a comunicação. "Tenho fé no Chile e em seu destino. Superarão outros homens nesse momento cinza e amargo onde a traição pretende se impor. Sigam vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor".

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

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