terça-feira, 27 de agosto de 2013

Terceirização: realidade e mitos - Almir Pazzianotto Pinto

Há 30 anos, a terceirização — neologismo surgido na década de 1970 para designar o velho contrato de prestação de serviços, regido pela lei civil — é tenaz e inutilmente combatida por pessoas incapazes de se renderem à realidade. Como o universo, ela permanece em contínua expansão, impulsionada pela economia globalizada que tem, na redução dos custos, e aumento da produtividade, dois relevantes objetivos.

A primeira lei que tratou do tema, embora de maneira indireta, foi a de nº 4.886/65, destinada a disciplinar direitos e obrigações do representante comercial autônomo, pessoa física ou jurídica que, por conta própria e sem relação de emprego, recolhe propostas e efetua negócios em nome de sociedade mercantil, dedicada à fabricação ou venda, por exemplo, de máquinas ou tecidos.

Foi o governo federal, entretanto, quem, por primeiro, reconheceu os benefícios da terceirização. Fê-lo por meio do Decreto-Lei nº 200/67, baixado pelo presidente Castelo Branco. Inspirado por Hélio Beltrão, o referido DL (recepcionado pela Constituição de 1988), ao estabelecer diretrizes para a reforma administrativa, determinou que fossem obedecidos os seguintes princípios fundamentais: planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e controle.

Descentralização e terceirização passaram a ser sinônimos. O objetivo do governo, como está no referido DL, consistia em permitir aos ministros se liberarem de tarefas executivas, e emaranhados burocráticos, adquirindo condições de planejar, coordenar e acompanhar projetos em execução, cobrando dos terceirizados eficiência e rapidez. Dentro desse propósito é que se instituiu a Secretaria de Planejamento da Presidência da República e, em cada ministério, a secretaria-geral.

O Estado pode ser bom planejador, mas é péssimo executor. A terceirização, ou descentralização, seria o melhor remédio contra o permanente inchaço da máquina governamental, fenômeno de fácil observação em órgãos federais, estaduais, municipais, autárquicos, nas sociedades de economia mista e nas estatais.

Os cinco princípios fundamentais instituídos pelo Decreto-Lei nº 200 são válidos para as empresas privadas, setor no qual a descentralização passou a ser utilizada com resultados extremamente positivos. Na esfera pública, ela se faz presente na construção, manutenção e gerenciamento de edifícios, rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, implantação de redes elétricas e de saneamento básico, telecomunicações. Por último, a Emenda nº 9/95 alterou o art. 117 da Constituição e derrubou o monopólio da União para permitir a contratação, pela Petrobras, de terceiros em serviços de pesquisa, lavra, refino, importação, exportação e transporte marítimo de petróleo.

Um dos mitos mais difundidos contra a terceirização é de que torna frágil o contrato e debilita os instrumentos legais de proteção ao empregado. Não é verdade. A melhor defesa do assalariado resulta da existência de mercado de trabalho forte, em que procura e oferta de mão de obra se conservem em posição de equilíbrio. Países europeus, como Espanha, Portugal, Itália, França e Grécia, dotados de legislações avançadas em matéria de proteção social, enfrentam graves problemas de desemprego, e a ninguém ocorreu atribuir à terceirização a responsabilidade pela crise. Lei alguma consegue levantar barreiras de proteção do mercado de trabalho, quando a economia entra em colapso.

Outra inverdade consiste em afirmar que a terceirização enfraquece a representação sindical. Já se usava o mesmo argumento quando da aprovação da Lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, em 1966. O tempo e a experiência revelaram, porém, ser o FGTS mais eficiente do que haviam sido a estabilidade e a indenização no caso de despedida sem justa causa, como instrumentos de proteção.

Nada melhor para proteger o empregado, contra possíveis fraudes na execução do contrato de prestação de serviços, do que se determinar, em lei, ou na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que o tomador de serviços é responsável solidário por dívidas deixadas pelo prestador. A solidariedade fará da empresa contratante eficaz, permanente, e incorruptível fiscal da empresa contratada.

O que dificulta a elaboração de legislação destinada a regular a terceirização são preconceitos de pessoas que não enxergam o envelhecimento da CLT, e não admitem novas modalidades de contrato na legislação do trabalho.

Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Fonte: Correio Braziliense

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