terça-feira, 20 de agosto de 2013

O Poema – João Cabral de Melo Neto

A tinta e a lápis
Escrevem-se todos
Os versos do mundo.

Que monstros existem
Nadando no poço
Negro e fecundo?

Que outros deslizam
Largando o carvão
De seus ossos?

Como o ser vivo
Que é um verso,
Um organismo

Com sangue e sopro,
Pode brotar
De germes mortos?

O papel nem sempre
É branco como
A primeira manhã.

É muitas vezes
O pardo e pobre
Papel de embrulho;

É de outras vezes
De carta aérea,
Leve de nuvem.

Mas é no papel,
No branco asséptico,
Que o verso rebenta.

Como um ser vivo
Pode brotar
De um chão mineral?

(In Novas Seletas de João Cabral de Melo Neto, p. 25)

Nenhum comentário: