segunda-feira, 8 de julho de 2013

Tarifa sem aumento só adia inflação

A tentativa do governo federal de segurar os reajustes das tarifas públicas terá como consequências o aumento da inflação e a redução de investimentos. Na avaliação de economistas, essa interferência funciona como uma bomba-relógio, que poderá explodir no início do ano que vem

Bomba-relógio armada

Economistas alertam que, ao segurar reajuste de tarifas, governo apenas adia impacto na inflação

Eliane Oliveira, Mônica Tavares

INTERFERÊNCIA EM XEQUE

BRASÍLIA - Ao segurar reajustes de tarifas públicas, como combustíveis, energia elétrica, pedágios e transportes em geral, com a ajuda dos governos estaduais e municipais, o governo armou uma bomba-relógio, que poderá explodir no ano que vem ou no começo de 2015, já no governo do próximo presidente. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO, a interferência artificial nos preços administrados terá várias consequências no futuro: aumento da inflação, redução de investimentos, queda na qualidade dos serviços prestados aos usuários e aumento dos gastos do Tesouro para cobrir as defasagens sofridas pelas empresas que prestam atendimento à população.

Para Alexandre Schwartsman, consultor e ex-diretor do Banco Central, o efeito já está sendo sentido pela Petrobras e pela prefeitura paulistana. Segundo ele, o resultado da estatal brasileira de petróleo foi prejudicado pela política de contenção do preço do combustível no mercado interno em relação ao praticado no exterior. Ele também criticou a suspensão dos reajustes das tarifas de ônibus, sob o argumento de que os custos para as prefeituras crescerão de forma substantiva - caso de São Paulo que, conforme o economista, pagará um preço de R$ 3 bilhões por ano.

- Não tem jeito: ou você compromete o dinheiro público, ou terá de dar um reajuste maior depois - disse Schwartsman.

De acordo com Fábio Silveira, da GO Associados, no mês passado, o preço da gasolina no mercado interno ficou 16% abaixo da cotação externa. Na refinaria, o preço internacional subiu 6%, em função da valorização do dólar, alcançando R$ 1,54 o litro. Já o preço doméstico ficou em R$ 1,29 o litro. Também em junho, a cotação do óleo diesel lá fora aumentou 8% em relação a maio, atingindo R$ 1,65/litro, no Brasil o valor negociado foi de R$ 1,58/litro, o que representa uma defasagem de 4%.

- Em face da pressão inflacionária doméstica, eu diria que o governo vai torcer pela queda do preço do petróleo. Não vejo, no momento atual, possibilidade de o governo aumentar o preço da gasolina. Por outro lado, o preço do diesel não está tão atrasado - comentou Silveira.

Conta da energia virá em 2014

Uma conta da economista Basilik Litvac, da MCM, mostra que as últimas contenções de reajustes darão um "empurrãozinho" para baixo no IPCA de 0,15 ponto percentual. Ela acredita que uma saída para o governo, lá na frente, será negociar reajustes menores com os setores envolvidos.

- Talvez a realização de acordos possa minimizar um eventual impacto negativo na economia - acrescentou.

Na área energética, se este ano o preço da tarifa não teve impacto no bolso no consumidor e na inflação, esta conta vai ser paga em 2014, e não será pequena. Segundo uma fonte do próprio governo, a grande maioria das distribuidoras deverá dar reajustes de 6%, em média.

O ex-diretor da Aneel Afonso Henriques Moreira classificou como uma manobra política o governo não ter autorizado o aumento de 9,73% da Eletropaulo. Foram aplicados diversos descontos ao consumidor e o índice caiu para 0,43%.

- No ano que vem, haverá outro malabarismo, porque será ano eleitoral - acredita ele.

José Júlio Senna, ex-diretor do BC e chefe da área de estudos monetários da Fundação Getulio Vargas, também criticou o que chamou de "irrealismo de preços". Ele lamentou que o governo esteja tratando a inflação de forma episódica e não permanente e advertiu que esse tipo de procedimento tira credibilidade dos condutores da política econômica brasileira.

- Quando as expectativas de inflação saem do controle, ou seja, quando se desancoram, os choques a que toda economia está sujeita adquirem efeitos mais permanentes - disse Senna.

José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, lembrou que um dos cinco pactos propostos pela presidente Dilma Rousseff é o da responsabilidade fiscal. A questão, observou, é que o governo até o momento emite sinais contrários e não explicou como funcionaria esse pacto.

- Esse pacto é importante para sabermos como é que vai se tentar, no mínimo, atenuar os efeitos dessa bomba que vai explodir. O governo está empurrando a poeira para debaixo do tapete, mas haverá um momento em que faltará tapete para tanta poeira - disse.

O economista Joaquim Elói Cirne de Toledo destaca que, se a inflação continua em torno de 6,5%, significa dizer que os demais preços da economia sobem a um ritmo bem acima dos preços administrados, em torno de 7,5%.

- Estamos fragilizando a situação fiscal. No fim da história a gente sabe onde a corda arrebenta, que é na parte de investimentos públicos - disse Elói.

O economista Armando Castelar lembrou que, quando o preço da gasolina aumentar, o mesmo ocorrerá com o álcool. Isso tudo terá impacto na inflação, o que reforça a necessidade de melhorar as contas públicas. Ele lembrou ainda que o fim das desonerações de tributos, adotadas para estimular o consumo, também pressionará os preços daqui para frente.

- O que vejo, ao analisar a economia americana e outros itens, é que a pressão sobre o real vai crescer. Essa passagem da alta do dólar para os preços demora - comentou.

No caso dos pedágios na Via Dutra (Rio/SP) e na Ponte Rio-Niterói, que tiveram o reajuste adiado, o governo federal vai compensar as empresas pelas perdas. A fórmula é ressarci-las em dinheiro ou prorrogar o prazo da concessão, segundo o diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte.

- Ano que vem é eleitoral. A ideia é esta, não acumular para 2014 - disse.

"Alguém vai pagar mais por isso"

O superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Luiz Carlos Néspoli, disse que a discussão sobre a redução das passagens de ônibus não é nova e já aconteceu quando foi instituído o vale-transporte. Mas destacou que em São Paulo 75% dos passageiros têm algum tipo de desconto, e em qualquer política de redução tarifária o estado vai arcar com o ônus.

- Se não tem um novo imposto, os recursos virão do Tesouro. Assim, não há como financiar e alguém da sociedade vai pagar mais por isso. Os governos já estão retirando investimentos previstos nos orçamentos, não tem almoço grátis - disse Néspoli.

O GLOBO procurou o Ministério da Fazenda e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para se posicionarem sobre o adiamento das tarifas e as consequências futuras. A Fazenda não respondeu e a ANTT informou que não iria comentar. Em entrevista ao GLOBO, publicada no domingo (30/06), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, assegurou que não haverá quebra de contrato, ao comentar o temor do mercado de que as manifestações populares possam prejudicar os leilões de concessão por causa do medo dos investidores de que o governo queira mudar contratos. "Nós não rasgamos contratos", disse.

Fonte: O Globo

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