sexta-feira, 26 de julho de 2013

Reforma ou farsa? - Almir Pazzianotto Pinto

Se queremos que tudo fique como está
é preciso que tudo mude.
Expliquei-me bem?
Lampedusa (O leopardo)

Talvez passe desapercebido, mas o que não nos faltaram foram reformas políticas. A primeira se deu com a Proclamação da República, mudança drástica que obrigou a elaboração da Constituição de 1891. Até então, vigorara a Carta Imperial de 1824, jurada por D. Pedro I, “para observarmos e a fazermos observar como Constituição”. Após a primeira Constituição republicana, ferida de morte pela Revolução de 1930 e substituída pela de 1934, o Brasil conheceu sucessivas alterações constitucionais, cada uma com sentido de reforma política.

A Constituição de 1988 não tem melhor sorte do que as antecessoras. Vejam-se as 76 emendas padecidas desde a de nº 1, de 1992, que tratou da remuneração dos deputados estaduais e vereadores, seguida pela de nº 2, que dispôs “sobre o plebiscito previsto no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

A cada soluço, agita-se o Congresso e trata de alterar a “Constituição Coragem” como a denominou Ulysses Guimarães no preâmbulo introduzido na primeira impressão do Senado, eliminada de edições posteriores.

A Carta Política prevê a consulta direta à população nos casos de incorporação, subdivisão, desmembramento, formação de estados e municípios. Incapaz de medidas convincentes para atender justas exigências populares, traduzidas em corajosas manifestações de rua, a presidente Dilma Rousseff recorre ao escapismo do plebiscito. Ignora-se, entretanto, a profundidade do projeto presidencial. As ideias são nebulosas. A respeito do que a população será convocada a se manifestar? Nem os líderes do PT e dos partidos aliados estão aptos a responder.

Países imaturos cultivam o hábito de recorrer a golpes de Estado, reformas constitucionais, alterações legislativas e ao acúmulo de legislações como remédio destinado à cura de graves moléstias políticas. No primeiro momento, acreditarão na eficácia da reforma como antídoto à corrupção e a outras doenças típicas da falta de amadurecimento. Passado algum tempo, porém, sentirão que o vírus da maldade adquiriu maior resistência e volta a atacar o tecido social com violência redobrada.

Gustavo Le Bom escreveu que “um povo é um organismo criado pelo passado. Como todo organismo, só pode se modificar por lentas acumulações hereditárias”. “Sem tradições” — afirma o pai da psicologia social — “isto é, sem alma social, civilização alguma é possível”. Entre nós, a tradição consiste no Estado elitista e autoritário, que se manifesta por meio da ditadura, ou do presidencialismo monárquico, como esse sob o qual nos encontramos.

Estamos na 8ª Constituição, se computarmos a Carta Imperial, de 1825, e a Emenda nº 1/1969. Desconhecemos, desde 1988, o dia em que os jornais deixaram de noticiar algum caso grave de corrupção: ora no Executivo, ora no Legislativo, às vezes no Poder Judiciário. O que de muito raro acontece é ver o corrupto ser condenado e cumprir pena. Nada mais ilustrativo do que a Ação Penal nº 470, conhecida como mensalão. Após empolgar a opinião pública durante meses, e transformar o ministro Joaquim Barbosa em herói nacional, parece remetida aos porões do esquecimento. Já se suspeita de que os mensaleiros consideram questão de tempo a redução das penas, ou a absolvição.

O melhor momento para a reforma política, independentemente de plebiscito, referendo, emenda constitucional, o Brasil terá nas eleições de 2014. Se o povo desejar, poderá realizá-la nas urnas, por intermédio do voto. Obstáculos têm sido levantados em seu caminho, como a proliferação de partidos artificiais, a compra e a venda de alianças. A reforma política deve ter sido arquitetada como mais um complicador a ser eliminado.

É impossível presumir boa-fé da parte da maioria dos integrantes do Executivo e do Legislativo. A solução, em 2014, consistirá em removê-los pelo sufrágio universal e substituí-los por detentores de reputação ilibada e comprovada competência para o exercício de atividades executivas e legislativas no plano federal e nos estados.

A fórmula de Tancredi Falconieri, personagem de Lampedusa, tem sido usada no Brasil. Mudar é a melhor maneira de deixar tudo como está. Creio ser esse o objetivo do PT, com a proposta de plebiscito e reformas.

Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Fonte: Correio Braziliense

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