domingo, 28 de julho de 2013

Papa prega diálogo contra protestos violentos

Pontífice defende reabilitação da política antes de reunir 3 milhões de fiéis em Copacabana

Um recado aos políticos

Papa fala pela primeira vez sobre protestos e defende "diálogo construtivo" como solução

Chico Otavio, Cristina Tardáguila, Débora Berlinck e Henrique Gomes Batista

O Papa e as novas gerações. Francisco cercado, no palco do Municipal, por jovens alunas da escola de balé do teatro. Em seu discurso, o Pontífice elogiou a "originalidade dinâmica" da cultura brasileira, com sua capacidade de integração

No penúltimo dia de sua visita ao Brasil, o Papa Francisco subiu ontem ao palco do Teatro Municipal do Rio e, pela primeira vez, falou abertamente sobre a onda de protestos que abala o país desde junho. No mais forte pronunciamento de toda a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Pontífice pediu às lideranças locais que apostem no "diálogo construtivo" e, improvisando no discurso, afirmou que "o futuro exige a tarefa de reabilitar a política".

- Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo - ressaltou o Papa, para cerca de dois mil convidados.

Não se viam nas frisas do teatro, porém, autoridades dos governos federal, estadual e municipal.

Nos 14 minutos em que discursou, sempre falando em espanhol e olhando para um público bem vestido, da classe média alta carioca, Francisco defendeu uma economia mais humana, que evite elitismos e erradique a pobreza. E defendeu ainda a importância do Estado laico, justamente em um momento em que a pressão religiosa avança sobre governantes e congressistas brasileiros.

- A pacífica convivência entre religiões diversas se vê beneficiada pela laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo suas expressões concretas.

Mantendo o tom político, Francisco lamentou também que o "sentido ético" apareça hoje "como um desafio histórico sem precedentes" e lembrou que aqueles que "desempenham a função de guia" são "os responsáveis pela formação das novas gerações, por capacitá-las na economia e na política, e também nos valores éticos".

A força do discurso de Francisco repercutiu na JMJ. Na tarde de ontem, o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, convocou uma coletiva e afirmou que o pronunciamento marcou de forma definitiva o início do Pontificado do primeiro jesuíta e do primeiro latino-americano.

- Falar em reabilitar a política é uma fórmula muito forte e expressiva - destacou Lombardi. - Outro ponto importante foi ele falar em humildade social, de que não se deve falar de cima para baixo com as pessoas.

A palavra do Papa ecoou entre acadêmicos. A professora de Ciência Política da PUC-RJ Maria Celina D"Araújo ressaltou que o recado de Francisco sobre o diálogo e o Estado laico não foi apenas para o Brasil, mas para o planeta:

- A carapuça não é só nossa (dos brasileiros). Quando Francisco diz que as religiões são as mais beneficiadas pelo Estado laico, uma vez que este permite a pluralidade de credos, ele também manda um recado para a Irmandade Muçulmana, o Hezbollah e muitos outros.

Sobre o fato de Francisco ter enfatizado a importância do diálogo frente aos protestos das últimas semanas, Maria Celina destacou que o Papa não pedia apenas conversas vazias, mas, sim, um discurso que aponte soluções reais.

Um ponto curioso sobre o discurso do Pontífice foi a exclusão da frase em que ele citaria seu antecessor. Na versão do pronunciamento enviada à imprensa na manhã de ontem, constava uma citação ao "amado Papa Bento XVI". Seria uma referência ao discurso que o Papa emérito fez em 2007 em Aparecida (SP), mas o comentário não foi ouvido no Municipal. Francisco, porém, citou o pensador católico progressista Alceu Amoroso Lima:

- Todos aqueles que possuem um papel de responsabilidade, em uma nação, são chamados a enfrentar o futuro com os olhos calmos de quem sabe ver a verdade.

Leia, a seguir, trechos do discurso:

A importância do diálogo
"Considero fundamental para enfrentar o presente: o diálogo construtivo. Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, sempre há uma opção possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, porque todos somos povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce quando suas diversas riquezas culturais dialogam. (...) Quando os líderes de diferentes setores me pedem um conselho, minha resposta é sempre a mesma: diálogo, diálogo, diálogo."

A reabilitação da política
"Somos responsáveis pela formação das novas gerações, de capacitá-las na economia e na política, e nos valores éticos. O futuro exige hoje a tarefa de reabilitar a politica. Reabilitar a política, que é uma das formas mais altas de caridade".

A ética
"Quem atua responsavelmente submete a própria ação aos direitos dos outros e ao juízo de Deus. Este sentido ético aparece, nos nossos dias, como um desafio histórico sem precedentes. Temos que buscar inseri-lo na sociedade".

O Estado laico
"A pacífica convivência entre religiões diversas se vê beneficiada pela laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo suas expressões concretas".

Uma economia humanista
"O futuro nos exige também uma visão humanista da economia e da política, que realize cada vez mais e melhor a participação das pessoas, evitando elitismos e erradicando a pobreza. Que ninguém fique privado do necessário, e que a todos sejam asseguradas dignidade, fraternidade e solidariedade.

Recado aos líderes
"É próprio da liderança escolher a mais justa entre as opções, após tê-las considerado, partindo da própria responsabilidade e do interesse pelo bem comum; esta é a forma para chegar ao centro dos males de uma sociedade e vencê-los com a audácia de ações corajosas e livres. é nossa responsabilidade, apesar de ser limitada".

A diversidade brasileira
"É justo, antes de tudo, valorizar a originalidade dinâmica que caracteriza a cultura brasileira, com sua extraordinária capacidade para integrar elementos".

A cultura do encontro
"Esta é a maneira cristã de promover o bem comum, a felicidade de viver".

O cristianismo
"O cristianismo une transcendência e encarnação; pela capacidade de revitalizar o pensamento e a vida, frente a desilusão e o desencanto que invadem os corações e saltam para a rua.

Fonte: O Globo

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