sexta-feira, 21 de junho de 2013

Uma saída para qualquer parte - Maria Cristina Fernandes

Foi a CUT que agitou a reunião das centrais sindicais com o ex-presidente Lula no instituto que leva seu nome. Na véspera, a Prefeitura de São Paulo sacudira como uma bastilha. Naquela tarde em que os sindicalistas procuraram o ex-presidente no instituto, a periferia da cidade, longe da moçada da USP e das câmeras de televisão, aderia às manifestações.

A motivação era queremista, mas a quietude do dono da casa não abriu espaço à pauta. Os sindicalistas desfiaram suas queixas costumeiras da falta de interlocução no Planalto e comunicaram sua adesão às manifestações. Com a hostilidade dos manifestantes às suas bandeiras talvez sejam obrigados a recuar.

A Volvo, uma das maiores fabricantes de ônibus do mundo, pagou R$ 30 mil reais aos funcionários em participação nos lucros e resultados. Os motoristas de ônibus em São Paulo tiveram reajuste acima da inflação. A prefeitura participou da negociação temendo greve, mas o barco adernou do outro lado. Nem a Volvo deve pagar mais um PLR desses nem os motoristas, com o recuo na tarifa, deverão ter dissídio tão generoso. Deve ser por isso que querem aderir, mas é outro o tempo.

Partidos e sindicatos penam para voltar às ruas

Já se passaram oito anos desde que Lula ameaçou chamar os sindicatos para defender seu mandato da turbulência do mensalão. Não foi o carro de som que garantiu o segundo mandato de Lula e a eleição de Dilma Rousseff, mas o gasto de governo e consumidores.

Agora a galera não quer só comida, diversão ou arte. Busca saída para qualquer parte que os Titãs, por tiozinhos, não devem mais saber onde fica.

Naquela época Lula defenestrou Antonio Palocci e se resguardou com a turma do carro de som para se manter no poder. Agora são as duas pontas que parecem unidas para levar o homem de volta. Mercado financeiro e sindicalistas talvez acreditem que só Lula conheça a regência dessa orquestra de acordes dissonantes. O problema é que o ruído agora é novo. Ainda não apareceu um diapasão sintonizado. E não há sinais, pelo que se vê e ouve nas ruas, que o tom esteja em São Bernardo.

O discurso que Dilma e seu partido adotaram mostra que governo e PT querem fazer parte da manifestação como se não exercessem os poderes constituídos. É como se dissessem: queremos as mesmas coisas que vocês e, se não o fazemos, é porque o PMDB e os mercados não deixam. Unam-se a nós que juntos chegaremos lá.

Não é só a presença de Guilherme Afif no governo que obstrui os caminhos do PT.

O marqueteiro sopra no ouvido de Dilma e Rui Falcão e o discurso sai arrumado. Mas não resolve. A nota que a juventude do PT soltou se limita à lógica da dualidade de poder com o PSDB. Não surpreende que tenham sido hostilizados ontem na rua.

Os jovens tucanos soltaram nota que os deixa mais grisalhos que Fernando Henrique Cardoso. Os tucaninhos se recusaram a sair às ruas porque veem nas manifestações um instrumento para desgastar o governo Geraldo Alckmin. Em resposta, os petistinhas redigiram uma nota focada na violência da polícia estadual, como se nela se resumissem as manifestações.

A julgar pela citação solitária na entrevista ao Roda Viva de dois jovens do Movimento do Passe Livre, o economista Ladislau Dowbor talvez seja o que há de mais próximo de "ideólogo" do movimento. Em sua página na internet lê-se uma tentativa de explicar o que se passa na cabeça de uma geração criada longe da rua e cujos pais têm carro na garagem, saem de madrugada de casa, voltam à noite, se jogam no computador ou adormecem em frente à TV: "Se todos nós estamos ocupados em ganhar a vida, em subir nos degraus do sucesso, como as crianças vão entender nosso sacrifício como útil?".

Não é fácil perfilar uma manifestação que trocou as bandeiras por cartolinas escritas a mão. Em sua tentativa, Wanderley Guilherme dos Santos assume o risco de ser rotulado de conservador. Presidente do Diretório Central dos Estudantes da Faculdade Nacional de Filosofia no final dos anos 1950, mandou confeccionar uma faixa giganteë: "Esta faculdade é nacionalista". O embate daqueles dias era a instalação de uma metalúrgica americana no Rio. A faculdade logo ficou repleta de faixas. E o DCE não demorou a descobrir que o engajamento em massa dos estudantes era patrocinado pela concorrente nacional da American Can.

Wanderley Guilherme nunca viu nada igual ao que está nas ruas, mas nesses 60 anos aprendeu a não comprar os fatos pelo seu valor de face. Não se arrisca a dizer onde a coisa vai parar, mas duvida que, pelos elevados custos de participação, os manifestantes prossigam por tempo indeterminado com o mesmo poder de mobilização.

Vê na rápida mudança na estratificação social a criação de um denominador comum para massa tão amorfa de manifestantes. Não é a miséria que gera mobilização popular. A mudança traz expectativas que não param de crescer mesmo quando a situação material, apesar de melhor, já não segue o mesmo ritmo. Fica sempre aquém do que se aspira.

O altruísmo e a juventude sempre andaram juntos bem antes de Wanderley Guilherme chegar ao DCE. Naquele tempo queriam o socialismo, justiça e a África livre do colonialismo. Mas o altruísmo, diz, não basta para fazer dos jovens portadores de futuro. Os jovens altruístas de sua geração construíram o capitalismo brasileiro que está aí sendo contestado pela moçada de hoje.

O futuro é desenhado. E não necessariamente pelas instituições que estão aí. Da diversidade desse movimento talvez surjam novos canais, desde que não se aceite como canalização a depredação de uma assembleia legislativa ou a invasão do Itamaraty.

Está claro que os presidenciáveis de 2014, a começar pela candidata à reeleição, vão mobilizar todos os recursos para canalizar em seu benefício o barulho das ruas.

Se essa moçada busca um jeito novo de fazer a coisa talvez valha procurar perto de casa, na vizinhança que lhes faltou na infância. Carcomidas câmaras municipais, como a de São Paulo, estão para revisar o plano diretor que rege a ocupação urbana. O trânsito por ali é livre, bem como nas audiências públicas que vão discutir o contrato de R$ 46 bilhões para o transporte público. Que levem os cartazes, a irreverência, a persistência e, sobretudo, o altruísmo. Se conseguirem melhorar o ônibus talvez façam uma melhor escolha para presidente.

Fonte: Valor Econômico

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