quinta-feira, 27 de junho de 2013

Sob pressão, Senado torna corrupção crime hediondo

STF manda prender deputado e complica mensaleiros; CCJ da Câmara derruba voto secreto em cassações

O Senado aprovou ontem um projeto de lei que torna corrupção crime hediondo, equiparando-o, por exemplo, a estupro. A proposta tramitava desde 2011, mas, novamente em reação aos protestos que tomaram conta do país, foi aprovada em votação simbólica, com a concordância de todos os partidos. O texto ainda precisa passar pela Câmara, mas o presidente da Casa, Henrique Alves (PMDB-RN), disse que pretende votá-lo o mais rápido possível. A aprovação ocorreu no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF), numa decisão inédita desde a redemocratizaçàn do país, determinou a prisão de um parlamentar — o deputado Natan Donadon (PMDB-RO), condenado em 2010 por formação de quadrilha e peculato. O caso abre precedente contra parlamentares condenados no mensalão, que podem também ter a prisão decretada imediatamente após o julgamento dos recursos. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional que acaba com o voto secreto na cassação de mandatos.

Um golpe na corrupção

Pressionado por manifestações, Senado aprova projeto que torna delito crime hediondo

Júnia Gama

BRASÍLIA - No esforço concentrado para tentar dar uma resposta aos manifestantes que tomaram as ruas do país no últimos dias, o Senado aprovou ontem, em votação simbólica e com a concordância de todos os partidos, o projeto de lei que torna a corrupção crime hediondo e que estava tramitando na Casa desde 2011. A votação, patrocinada pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), ocorreu no mesmo dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF), numa decisão inédita, determinou a prisão de um parlamentar, o deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO).

Apresentado pelo senador Pedro Taques (PDT-MT), o projeto prevê que os delitos de peculato, concussão (extorsão), excesso de exação (cobrança indevida de dívida ou tributo), corrupção passiva e corrupção ativa sejam considerados crimes hediondos. Uma emenda do senador José Sarney (PMDB-AP) incluiu o homicídio simples no rol de crimes deste tipo.

A proposta precisa ser aprovada agora pela Câmara, onde o presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), já antecipou que pretende votar o mais rapidamente possível.

Manifestantes gritaram "Fora Renan"

Durante a votação do projeto, um pequeno grupo de manifestantes - do grupo maior que protestou do lado de fora do Congresso, ontem - teve acesso ao Senado e acompanhou o processo no plenário. Depois de aprovado o texto, Renan Calheiros recebeu os cerca de 15 jovens que prometeram voltar hoje, às 18h, para apresentar uma pauta de reivindicações. Enquanto isso, do lado de fora do Congresso, pequenos grupos de manifestantes gritavam "Fora Renan, fora Renan". A frase também foi inscrita no asfalto de um dos acessos ao Congresso.

Após a votação, Renan, que deverá responder a processo no Supremo por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso, fez breve discurso, afirmando que o Legislativo está tentando entrar em sintonia com a população:

- O Congresso está fazendo um esforço muito grande. Como todos sabem, aqui no Brasil e no mundo todo, nos parlamentos, há algumas unanimidades estáticas e nós precisamos aproveitar esses momentos para removê-las. Nós estamos tentando fazer isso. Foi um dia importante, o Senado está mostrando que está querendo levar adiante essa agenda propositiva. O Congresso é a representação do povo e tem que estar sintonizado verdadeiramente com as ruas.

O presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado, elogiou a aprovação do projeto:

-Transformar a corrupção em crime hediondo sinaliza bem para sociedade. Mesmo considerando que, para o combate ao crime, a aplicação da pena é mais importante que o seu aumento, entendemos que o Senado agiu interpretando o sentimento da sociedade neste momento.

Além de incluir esses delitos no rol de crimes hediondos, o projeto aumenta as penas previstas no Código Penal para os mesmos crimes, que poderão variar agora de quatro a doze anos. Hoje, as penas variam de dois a doze anos. O texto terá de passar pelo crivo dos deputados federais e depois deverá ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff.

Quase um ano fora de pauta

O relatório pela aprovação do projeto foi apresentado pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR) há quase um ano, mas, só agora, após a pressão popular contra a corrupção, o Senado decidiu pautar o tema. Em seu relatório, Álvaro Dias explica que a inclusão desses delitos no rol dos crimes hediondos tem várias implicações: veda a concessão de anistia, graça e indulto ao agente que cometeu o crime; impede o livramento mediante fiança; e torna mais rigoroso o acesso a benesses penais, como livramento condicional e progressão do regime de pena. O senador tucano ainda incluiu na proposta original os crimes de peculato e excesso de exação:

- O resultado de tais crimes tem relevância social, pois pode atingir, em escala significativa, a depender da conduta, grande parcela da população. Com efeito, a subtração de recursos públicos se traduz em falta de investimentos em áreas importantes, como saúde, educação e segurança pública, o que acaba contribuindo, na ponta, para o baixo nível de desenvolvimento social.

De acordo com o projeto, a pena por concussão - crime que consiste em usar o cargo público para exigir vantagem indevida para si ou para outra pessoa - passa a ser de quatro a oito anos de reclusão e multa. A pena por corrupção passiva - solicitar ou receber vantagem indevida em razão da função assumida - aumenta para reclusão de quatro a doze anos e multa.

Para corrupção ativa - oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público para levá-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício - também passa a ser de reclusão de quatro a doze anos e multa. Mesma pena para o crime de peculato, que consiste em se apropriar o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.

A pena passa a ser de quatro a oito anos, mais multa, para excesso de exação, que ocorre quando o funcionário exige tributo ou contribuição social indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza.

Para autor do projeto, pena atual é branda

Para Pedro Taques, autor da proposta, o principal objetivo da medida é proteger os bens dos cidadãos. O senador ressaltou que é preciso perceber a gravidade dos crimes que violam direitos difusos e que atingem um amplo espectro da população. Taques afirmou que, atualmente, a legislação atribui pena branda para esses crimes, como se fossem delitos de baixa gravidade. Para ele, políticos devem ser atingidos pela medida.

- No crime de corrupção, você não pode identificar quem são as vítimas. A ideia é protegê-las por meios jurídicos (incriminando os corruptores). Mas, para isso, precisamos que os processos caminhem mais rapidamente, até para a absolvição de quem não tem nada a ver com isso - afirmou Taques. - O político será afetado por essa mudança na lei, porque, apesar de não ser a quantidade da pena que impeça o cometimento de crime, esse é um dos caminhos.

Outra emenda acrescentada ao projeto aprovado é de autoria do senador Wellington Dias (PT-PI) - a emenda aumenta em um terço o período de reclusão da pena para peculato nos casos em que o crime for cometido por "agente político" ou "membro de carreira de Estado".

Ficou para os próximos dias votação de outros projetos anunciados por Renan na tarde de anteontem, não só como uma resposta aos movimentos de ruas, mas também como contraproposta à agenda definida pela presidente Dilma na reunião com governadores e prefeitos, segunda-feira no Palácio do Planalto. Entre eles, o projeto que estende o conceito de Ficha Limpa para os funcionários do Executivo Federal. O projeto do passe livre para os estudantes, de acordo com Renan, foi assinado por praticamente todos os senadores e seu requerimento de urgência será votado hoje.

Fonte: O Globo

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