sábado, 22 de junho de 2013

Sem clareza sobre a natureza dos protestos, discurso evita riscos - Igor Gielow

Elevar a aposta num momento incerto seria suicida, por isso fala da presidente é recheada de respostas banais

Dilma tenta preencher a vacuidade de poder potencializada pela natureza diáfana da origem dos protestos. Se isso será efetivo, só a temperatura da próxima manifestação responderá

Em seu pronunciamento sobre os protestos cada vez mais violentos no país, a presidente Dilma Rousseff tentou contemporizar.

O cálculo político é evidente. Ainda sem informação objetiva sobre a natureza da organização dos protestos, apesar de boataria de todo tipo circulando entre círculos à esquerda e à direita, Dilma buscou uma fala inócua que conta com o arrefecimento de ânimos para emplacar.

Talvez estivesse na memória de seus estrategistas o risco de algo mais desafiador, como o desastroso chamado para que a nação se vestisse de verde e amarelo feito por um acuado Fernando Collor em agosto 1992, respondido por uma onda de manifestantes vestidos de preto.

Elevar a aposta num momento incerto seria suicida. Assim, sobram respostas algo banais para todo mundo.

Às camadas da sociedade assustadas com o grau de violência nas ruas, foram várias assertivas sobre coerção de arruaceiros. Como? Bem, segurança é uma questão dos Estados, exceto que ela tenha esquecido de mencionar as excepcionalidades em que o Exército pode ser acionado.

Aos manifestantes, a mão estendida, somada à velha mania petista do "vamos formar um grupo de trabalho" --no caso com chefes de outros Poderes, governadores e prefeitos, ou seja, várias vitrines para democratizar eventuais pedradas.

Mas fica a pergunta que permeia toda análise do fenômeno que engolfou o país nas duas últimas semanas: oferta de conversa para quem mesmo?

Dilma citou manifestantes genericamente, mas também sindicatos e movimentos sociais, que notoriamente estão fora do jogo.

As promessas pontuais, de discutir o transporte urbano, defender a aplicação dos royalties petrolíferos na educação e importar médicos, essas são apenas isso: música velha para novos ouvintes.

Lembram as ideias de reforma política quando há uma crise institucional ou de consertar a barafunda tributária brasileira no evento de alguma disputa federativa.

A reforma política, aliás, voltou a ser citada no discurso de ontem no contexto de "oxigenar o sistema".

Por fim, Dilma enfim apareceu para discorrer sobre a mais grave crise social da história recente, o que é de se esperar de uma presidente.

Tenta assim preencher a vacuidade de poder potencializada pela natureza diáfana da origem dos protestos. Se isso será efetivo ou só enxugará o iceberg no caminho, a temperatura da próxima manifestação responderá.

Fonte: Folha de S. Paulo

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