segunda-feira, 17 de junho de 2013

O pensamento político de Armênio Guedes

2013 – Eu fazia política sempre olhando para a realidade. "Eu entrei no Partido Comunista em 1935. Foi um ano de grande agitação no Brasil. Foi quando também prestei vestibular na Faculdade de Direito da Bahia. E ai... já tinha os grupos políticos bem definidos: tinham os integralistas e nós os comunistas, de outro; e os democratas com os quais os comunistas procuravam se aliar contra a ameaça fascista que pairava sobre o Brasil naquela tempo.

Eu fazia política sempre olhando para a realidade e inspirado na utopia da transformação socialista. Mas essa utopia não impedia que... Eu digo isso: é uma virtude do Partido Comunista, sua militância sempre era em prol da questão nacional, pela democratização do país, pelas liberdades".

Cf. O programa do Jô, do dia 12/6/2013

1956 - O dogmatismo impediu-nos de refletir, no pensamento político, a realidade do país. “E sem este fator – conhecimento da realidade – era impossível ter uma tática elaborada. A tática foi rebaixada à condição de mera agitação; partir das denuncias e, através apenas da propaganda, ganhar as massas para as lutas decisivas, para a mudança de regime. Nunca se levou em conta a importância de participar do movimento real.

Por desconhecer a realidade, inspirada tão só pelos objetivos finais, o PCB realizou sempre (tomando-se para exame do problema um longo período) uma política voluntarista, com ignorância ou desprezo das leis objetivas.

Nossa política, normalmente, desconhece que a “missão fundamental da tática do proletariado” deve ser determinada em “rigorosa conexão com todas as premissas de sua concepção materialista e dialética do mundo”.

Na tática dos comunistas brasileiros, em geral, não encontramos esta conexão. Ela decorre de uma concepção falsa do movimento (idealista, metafísica), concepção que desconhece a relação (unidade) entre as duas formas de que ele se reveste, a evolutiva e a revolucionária.

A separação dessas duas formas do movimento conduz sempre, em política, a uma tática oportunista ou a uma tática radicalista. Para a primeira, existe apenas a evolutiva; para a segunda, apenas a revolucionária.

Se se parte das premissas materialistas para determinar a “missão fundamental da tática proletária”, tem-se que considerar o movimento em suas duas formas, a evolutiva e a revolucionária, considerar a relação entre elas, ou melhor, reconhecer que as modificações lentas, quantitativas, são completadas pelos saltos, constituindo as duas formas um processo único do desenvolvimento.

Partindo dessas premissas, Lênin chegou a uma conclusão geral sobre a tática:

“A tática do proletariado deve levar em conta, em cada grau do seu desenvolvimento, em cada momento, esta dialética objetivamente inevitável da história humana: de uma parte, aproveitando as épocas de estancamento político ou de desenvolvimento a passo de tartaruga, chamado “pacífico”, para desenvolver a consciência, a força e a capacidade combativa da classe de vanguarda e, de outra parte, orientando todo este trabalho de aproveitamento para a “meta final” do movimento da referida classe, capacitando-a para resolver praticamente as grandes tarefas nos grandes dias “em que se condensam vinte anos”. (V. I. Lênin, Marx, Engels y el Marxismo, pág. 43).

Por desconhecer a realidade e abstrair os caminhos peculiares, o Partido tirava sempre os seus elementos táticos dessa premissa – uma estratégia a curto prazo. Daí não dar importância às formas de aproximação, transitória (lei de todas as revoluções), não procurar investigar o específico de nossa revolução, a relação entre a luta democrática geral e a luta pelas transformações radicais. Não resolvendo esta questão, não podia solucionar uma outra, derivada: a luta pela mudança de governo como forma, caminho para a mudança de regime”.

Assim chegamos até o momento presente. Esses erros refletem-se agora na concepção de frente única, atualmente predominante no PCB, isto é, frente única em torno de pequenas reivindicações, tendo como fito ganhar as massas para a luta pela derrubada do regime. Faz-se frente única (ex.: nas últimas eleições em São Paulo) a fim de obter determinadas vantagens para o movimento (melhores condições para sua agitação e propaganda, etc.) com vistas a um objetivo remoto e não para mudar o tipo de governo. A idéia central dessa política é a da relação entre a frente única limitada e a frente democrática de libertação nacional.

Creio, no entanto, que é preciso encarar a questão através do seguinte ângulo: o objetivo não deve ser apenas a frente única por reivindicações parciais; deve visar à ação política pela criação de um governo de frente única antiimperialista (ou nacional-democrática ou antientreguista ou que nome tenha). (...).

* * *

Em face de tudo isso, coloca-se agora concretamente o problema da frente única em ligação com a atual situação política. Trata-se de alcançar um governo dessa frente única antiimperialista, mas como? Diante de nós bifurca-se o caminho: 1) existe a possibilidade de transformar o atual governo, alterando sua composição em favor das posições nacionalistas; 2) existe a possibilidade menos imediata, porém mais provável, de formar um governo desse tipo como resultante das eleições de 1958 e 1960.

Cf. Algumas ideias sobre a frente no no Brasil, in Revista Novos Tempos, set. de 1957.

1957 - A atual instabilidade do governo (JK) prolongar-se-á até que uma das forças em pugna imponha uma decisão que lhe seja favorável

“A luta entre as forças interessadas no desenvolvimento do país e os grupos entreguistas é uma constante da situação política atual do Brasil. Trata-se de uma luta que tende a se prolongar ainda por algum tempo. Como em todo embate desse tipo, teremos sempre, no curso do seu desenvolvimento, períodos de calmaria e momentos de tensão. Nos momentos de tensão, as forças em choque adquirem contornos mais definidos e, o que é mais importante, ampliam ou restringem suas fileiras. Não há dúvidas que historicamente as possibilidades de avanço são das forças nacionalistas. Mas tais possibilidades só se tornarão algo real pela ação consciente das forças sociais de vanguarda. Daí a necessidade de destacar, do conjunto da ação política concreta, aquilo que é positivo e que representa, muitas vezes, o ponto de partida para uma direção política acertada ou que, pelo menos, constitui um importante elemento de uma tal direção.

A situação atual, condicionada pelas dificuldades financeiras do país e pela pressão dos imperialistas norte-americanos para quebrar a resistência nacional aos seus planos da escravização, deu lugar a um novo período de tensão. Não sabemos se este período terminará com a recomposição ministerial em curso. E é difícil, por isso, dizer quem saiu ou sairá fortalecido do atual choque, se os grupos entreguistas ou o movimento nacionalista. (...)

É sob a pressão do movimento nacionalista que os novos ministros ocuparão os seus cargos. Certamente alguns deles são nomeados por imposição dos setores entreguistas. Mas isso não é o bastante para que mudem os rumos da política governamental, no sentido de liquidar os elementos nacionalistas que ela encerra e fazer preponderar e vencer o seu lado entreguista e reacionário.

Os últimos acontecimentos não levam à dedução de que uma das forças em choque já esteja em condições de impor uma decisão definitiva, isto é, empolgar o governo e imprimir sua fisionomia à política interna e externa do país. A atual instabilidade do governo — responsável pelos seus constantes vaivens — prolongar-se-á por algum tempo, até que uma das forças em pugna imponha uma decisão que lhe seja favorável.

O movimento nacionalista dispõe dos fatores essenciais para impor essa decisão, batendo os elementos entreguistas e reacionários. Já existem as premissas políticas essenciais para a formação de um governo nacionalista no Brasil. Mas é necessário vencer grandes e fortes obstáculos que se opõem a isso. Um dos primeiros passos a ser dado nesse sentido é terminar com a dispersão política e organizativa nas fileiras do movimento nacionalista. As forças nacionalistas, dispersas por vários partidos e organizações, não atingiram um grau de consciência e unidade de vistas que possibilite sua unificação no plano programático ou organizativo.

Deve haver um esforço permanente no sentido de coordenar as ações em plano local e nacional das diferentes correntes nacionalistas. Não se trata de impor formas rígidas de organização, o que seria impossível e estancaria o movimento, mas de elaborar idéias claras, ter soluções concretas para enfrentar as grandes e as pequenas questões da luta antiimperialista e, nessa base, ir estruturando a frente única em bases sólidas. Uma medida que impulsionaria esse esforço organizativo seria talvez a realização de reuniões de contato, em que seriam debatidos problemas do movimento nacionalista e estabelecidas as respectivas soluções.

Vencida a dispersão de suas forças, o movimento nacionalista cresceria rapidamente. Os comunistas, que já têm elaborado alguns pontos de vista sobre o movimento nacionalista, precisam colocar toda a sua experiência política a serviço da organização do movimento nacionalista. Esta é a linha mestra que deve orientar nossa atividade no decorrer da atual campanha eleitoral”.

Cf. Um ação positiva das forças nacionalistas, in Voz operária, 28, jun. 1958

1970 - O exame da situação induz a um otimismo realista

"As crises políticas que culminaram na indicação do General Garrastazu Médici para a Presidência da República ganharam intensidade na segunda metade de 1969. Essas crises foram geradas por conflitos de naturezas diversas e se deram em diferentes planos da vida política.

As soluções encontradas, quer com as medidas tomadas pela Junta Militar, quer com a eleição do novo presidente militar, apenas atenuaram (ou adiaram) os seus efeitos. E justamente porque persistem tais conflitos é que é importante examiná-los. Antes de tudo, assinalemos que as últimas crises, ao lado de suas especificidades, apresentaram pontos comuns com as demais crises sofridas pelo regime atual.

Entre os fatores causadores de desgastes da ditadura, opondo-se a seus esforços para fazer avançar o processo de fascistização, encontramos sempre dois tipos de resistência: a do movimento nacionalista e a do movimento democrático. Certo, esses dois elementos do processo político brasileiro tendem, historicamente, à convergência: há entre eles um condicionamento mútuo muito estreito. Mas, em determinadas situações concretas, um deles pode assumir maior importância como acelerador do processo revolucionário brasileiro.

De qualquer forma, direta ou indiretamente, eles sempre estiveram no centro das crises que vêm abalando o regime. Ou se originando de um choque direto entre o governo e a oposição (AI-2, novembro de 1965), ou de um conflito no seio do sistema de forças do governo (afastamento de Costa e Silva, constituição da Junta Militar e indicação deMédici), os golpes sucessivos, a partir de 1964, foram sempre desencadeados para precaver o processo contra revolucionário contra o seu desgaste pela resistência nacionalista e democrática.

A maior ou menor instabilidade dos governos da ditadura (razão das crises) tem sido em função de sua maior ou menor permeabilidade às pressões oriundas daqueles dois movimentos. A contradição a que acabamos de nos referir dá origem a outras menores, secundárias e subordinadas, mas que nem por isso deixam de assumir importância decisiva em determinados momentos. É o caso, por exemplo, do conflito entre um poder de fato, constituído por um núcleo de oficiais superiores das Forças Armadas (ideologicamente afinados com as doutrinas político-militares da ESG, mas de difícil identificação física), e o governo do momento. Cabe esclarecer que os diferentes governos do regime de abril (Castelo, Costa, Junta e Garrastazu) surgiram sempre como frutos de acordos entre aquele Poder militar de fato e as velhas forças políticas integradas nos quadros da ditadura.

Produtos de tais acordos, sujeitos muitas vezes a pressões colidentes, vimos os vários governos do regime oscilar, pendularmente, entre as duas forças, até um momento em que o aumento das tensões desemboca em crises políticas, que geram novos pactos, já que as forças em choque não tiveram, até aqui, possibilidade de terminar com o impasse. Nesses pactos, os contendores disputam posições e vantagens que os coloquem em condições favoráveis para enfrentar a nova crise. É esse, precisamente, o panorama do governo do General Garrastazu Médici. Dele dizia recentemente o jornalista Carlos Castello Branco: 

“Chegamos aí a outra curiosidade da situação brasileira, que é o fato de não estar o Poder totalmente e, às vezes, substancialmente nas mãos dos seus titulares, que o representam, mas não o empolgam. A força invisível está por trás de tudo, definindo critérios, selecionando virtudes e impondo normas às quais devem obediência os que a representam ostensivamente”.

Já se desenha nitidamente a formação de focos de atrito no novo governo. Apesar das medidas que, em 1969, aumentaram ainda mais o autoritarismo e o arbítrio do regime, dos atos e leis que dificultaram em alto grau a atividade da oposição e a manifestação da vontade das massas, e talvez por tudo isso, a situação política do governo Garrastazu se apresenta instável. Ele se esforça para cobrir os claros deixados por certas forças afastadas do Poder, após a última crise, chamando técnicos para sua equipe, numa tentativa de dar ao seu governo uma imagem tecnocrática. Poderá, com isso, substituir uma parte da velha “classe política” alijada do poder, criando um novo elo de ligação com as classes dominantes, evitando o isolamento e prolongando o bonapartismo atual por mais tempo. O difícil é avaliar até onde irão as possibilidades desse bonapartismo sem um Bonaparte.

Ao lado das contradições já referidas, cabe, finalmente, assinalar mais uma. Em nível mais elevado que os seus antecessores, o governo de Garrastazu sofre as conseqüências da divisão do suporte militar da ditadura. À medida que passam os dias e que as Forças Armadas continuam como centro das decisões políticas importantes, maiores são os conflitos que as dilaceram. Grosso modo, a parte mais ativa da oficialidade, que participou do golpe de 1964, principalmente do Exército, divide-se hoje em dois grupos principais: um deles, englobando talvez a maioria, é formado pelos partidários de um nacionalismo autoritário, e o outro, que dispõe de maior parcela de poder, reúne os que se mantêm aferrados aos dogmas entreguistas e reacionários da ESG. O primeiro grupo tende a crescer e a romper, de dentro, a unidade do bloco militarista reacionário. Isto determinará, obviamente, uma convergência da ação dessa força com a do movimento nacionalista democrático da oposição. É necessário, no momento de uma apreciação mais concreta, não esquecer que, entre um grupo e outro, existem, nas Forças Armadas, correntes de várias nuances, além de uma enorme massa – possivelmente a maioria – de oficiais indecisos e indiferentes.

É dentro desse quadro que o General Garrastazu terá de enfrentar as próximas eleições de governadores, para o Congresso Nacional, Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais. “A disputa eleitoral – diz o JB – não será evidentemente capaz, por si mesma, de aplainar as contradições; muito pelo contrário. Pode-se esperar que as dificuldades se criem”.

Em alguns dos Estados mais importantes – SP, GB, MG, BA – o partido oficial, a Arena, até agora não conseguiu unir suas forças, e o General-Presidente ameaça impor seus candidatos, vetando aqueles quenão lhe agradam, numa ação que já se convencionou chamar de “cassação branca”. O governo, que num arroubo demagógico prometeu fazer o “jogo da verdade”, age com cautela nesse terreno, a fim de não provocar desarranjos no precário sistema de forças políticas em que se apóia.

As correntes de oposição – e, claro, entre elas, o nosso Partido – têm, com as eleições, um grande campo para potencializar a resistência à ditadura. Nada nos leva a crer que as próximas eleições, cercadas como estão pelas medidas coercitivas da ditadura, possam ser decisivas para a liquidação do regime – é uma advertência que não podemos deixar de fazer.

Mas não tenhamos dúvidas de que elas vão concorrer, e muito, para a nova crise em gestação. Daí a sua importância para a oposição. Ninguém pode dizer, com segurança, o resultado de uma nova crise, se haverá alguma abertura (não entramos aqui na discussão sobre a extensão de tal abertura, mas consideramos apenas que o alargamento da faixa das liberdades, por menor que seja, ajuda a organizar a resistência ao avanço do fascismo), ou se serão ampliadas as medidas repressivas, com novas restrições às já quase inexistentes liberdades civis. O que não se pode é ficar à margem, acatar o desejo do General-Presidente. Isto é, participar das eleições sem contestar o regime. A oposição, particularmente as forças de esquerda e o nosso Partido, não pode, como quer o atual Presidente, permitir que a opinião pública, em hipótese alguma, seja confundida a ponto de admitir as medidas repressoras do regime como necessárias à defesa da democracia. O regime de abril, por sua essência de classe (serviçal das velhas classes dominantes, do imperialismo, etc.), por suas vinculações antinacionais e por sua ideologia reacionária, pode, tranqüilamente, ser classificado como de tipo fascista. (...)

É esse o quadro da oposição. Quadro que explica porque a ditadura, apesar de suas fraturas e instabilidade, ainda encontra meios e formas para avançar no processo de fascistização. Quadro que se modificará, com maior ou menor ritmo, a partir do momento em que o processo político, permitindo uma reflexão mais profunda da oposição sobre sua experiência, indique-lhe a maneira de usar sua imensa potencialidade para organizar os combates e a batalha final contra a ditadura. (....)

O exame até aqui feito sobre as forças presentes e em conflito na sociedade brasileira induz a um otimismo realista em relação à formação de uma frente antiditatorial”. (...)

CF. Resolução Política do CE da Guanabara do PCB (março de 1970), in O marxismo político de Armênio Guedes, Contraponto/Fundação Astrojildo Pereira, dez. 2012.

1980/81 - Talvez a superação do autoritarismo e a conquista de um regime democrático possam ocorrer sem mudanças bruscas e violentas. Resultarão antes de uma guerra de posições — no bom sentido da tese gramsciana

“Chegamos assim em 1981, tanto pelo que ocorre no campo do governo como pelo que se passa no lado das oposições, a uma situação complicada. Uma situação de impasse político ou, quando menos, próxima disso. Além de tudo, seriamente agravada pela crise econômica em que vive o país.

É dentro desse quadro complexo e carregado de tensões sociais que as oposições e as correntes democráticas terão que atuar no ano que agora começa.

Antes de tudo, para evitar qualquer passo em falso, é preciso analisar e avaliar com precisão o caráter opressivo do regime. A resistência das forças democráticas, quando bem orientada, tem, em muitas ocasiões, atrapalhado a estratégia do regime, ajudando a avançar o processo de abertura.

De qualquer forma, os dados de que se dispõe indicam que o período de transição, longe de ser linear, tende a continuar em ziguezague e pode se prolongar por um tempo mais longo do que seria desejável. As forças democráticas, para avançarem, precisam estar bem conscientes das possibilidades de recuo -- de fechamento e de volta aos tempos do AI-5 -- que o momento e as tensões atuais encerram. É uma situação que exige firmeza, habilidade e prudência. E em que as convergências e a unidade das oposições são indispensáveis. Mas esse esforço de unidade e convergência não deve, na conjuntura presente, limitar-se ao universo das oposições. Tem que ir mais longe e, num trabalho paciente e prolongado, abarcar correntes, grupos e pessoas que, apesar de ainda permanecerem no sistema de forças do governo, começam a questionar o autoritarismo do regime e a exigir a ampliação das liberdades públicas.

Há uma outra observação que pode ser feita a partir da peculiaridade do momento político que atravessamos. É que, talvez no caso brasileiro, a superação do autoritarismo e a conquista de um regime democrático possam ocorrer sem mudanças bruscas e violentas. Resultarão antes de uma guerra de posições -- no bom sentido da tese gramsciana. Mas haverá, necessariamente, um momento de ruptura das instituições autoritárias e repressivas, que se dará pela pressão conjugada da opinião pública e de um amplo movimento de massas.

É com tal visão que hoje devemos trabalhar. E é por ela não estar presente, até aqui, no pensamento e na prática das forças democráticas e do movimento operário que os diferentes segmentos da oposição se perdem ou em propostas muito gerais, a médio e longo prazo, ou em reivindicações que se esgotam em questões particulares e corporativas.

Toda a reflexão até aqui desenvolvida induz a afirmar que os grandes problemas do país situam-se hoje nos termos concretos de um período de transição, ainda que ambíguo e pouco definido. E é neste contexto, portanto, que terão de ser resolvidos. Não seria fora de propósito que as forças democráticas — que não têm interesse nem na continuação do impasse nem no confronto — comecem a pensar na oportunidade ou não de se trabalhar com a idéia de um governo de transição, integrado pelas mais amplas forças e capaz, por isso mesmo, de dar começo à reorganização política do país”.

Cf. O impasse política e a saída democrática, in Voz da Unidade, 31 dez. de 1980.

1987 - Sempre considerei um pouco forçada a designação do PMDB como partido-frente

“Grosso modo pode-se dizer que a esquerda, mais do que qualquer outro grupo político no país, tem na sua memória, e como parte da sua herança, a crença na importância do funcionamento permanente dos partidos políticos. Isto se aplica, evidentemente, à esquerda do PMDB, que deve se esforçar para levar, ao conjunto da militância peemedebista, aquilo que ela (a esquerda) tem como memória histórica. Sua atuação será tão mais facilitada quanto mais claro estiver que esse esforço deve-se traduzir numa luta pela hegemonia dentro do partido, sem grandes rupturas ou radicalizações contra a ala direitista, até que o PMDB deixe de se reproduzir como uma frente e possa aprofundar as características de um partido auto-centrado que já se encontram presentes no seu interior.

Aliás essa caracterização do PMDB como um partido-frente é bastante problemática e me faz lembrar de uma das minhas divergências em relação à análise corrente no PCB, quando eu fazia parte de seus quadros. Porque o PMDB não foi formado numa reunião de partidos que se sentaram numa mesa e acordaram quanto à necessidade de constituição de uma frente, tal como ocorre no esquema clássico. Ao contrário, o PMDB foi uma convergência natural das forças políticas que não tinham outra maneira de se posicionar contra a ditadura. Por isso sempre considerei um pouco forçada a designação do PMDB como partido-frente,principalmente numa conjuntura em que já se havia dado a divisão orgânica dos partidos. Ao PCB faltou a percepção de que o PMDB tinha, como ainda tem, a possibilidade de ser um partido real, o mais importante partido da transição. Esgotada a transição, ou seja, uma vez estabelecida uma institucionalidade democrática no país, poderá haver uma decantação partidária no Brasil, mas ainda assim não estão claros, por ora, os limites da existência e atuação do PMDB. Considero, portanto, plenamente possível a sobrevivência do PMDB, ainda que concluído o processo da transição, dependendo da forma como ele encaminhar a luta pelas mudanças reclamadas pela sociedade brasileira e dependendo da forma como ele resolver suas divergências internas. Sem dúvida a hegemonia da esquerda no interior do partido representa o caminho mais seguro para a organização de um PMDB moderno, democrático e de massas. Só que a conquista da hegemonia, insisto, não significa uma luta de foices no interior do partido. (....)

É certo que a saída dos comunistas foi uma perda para o PMDB, tanto do ponto de vista da sua relação com os movimentos sociais, quanto do ponto de vista da sua reconhecida capacidade de organização da militância de base. Mas o importante, nesse momento, é discutir a forma como a esquerda que permaneceu no PMDB poderá contribuir para a organização do Partido em bases permanentes. Será que é através de uma explicitação programática daquele grupo dentro do partido? Mas de que esquerda estamos falando? Queiramos ou não o Fernando Henrique, o Serra, o Almino Afonso representam a esquerda do PMDB...

Por isso acredito que militantes como nós, que não temos um projeto pessoal de participação no poder, devemos levar o PMDB a ter uma visão crítica as sua política em relação às demais forças políticas do país, forçando-o a esboçar uma política de alianças que inclua o PT, o PDT e todos os que puderem ser agregados nessa tarefa de implantação de um regime democrático e antiautoritário no país. Acho que talvez seja a hora da esquerda peemedebista, olhar menos para o interior do partido e retornar à sua aspiração original, retomar o seu programa peemedebista forçando o partido a buscar a formação desse grande ajuntamento nacional para sustentar a democratização do país”.

Entrevista com Armênio Guedes, revista Presença, n. 9, fev. de 1987.

2000 - O papel desempenhado pela militância comunista no Brasil (1950-1970)

“O livro de memória de Marco Antônio Coelho é a história mais concisa e bem escrita que conheço sobre a militância comunista no Brasil. Pode-se agora avaliar com maior clareza o papel desempenhado por ela na educação e formação de uma boa parte dos quadros que estão hoje ocupando postos de direção na vida política do país. Por isso, e por sua qualidade literária, é uma leitura fascinante”.

Contra capa do livro Herança de um sonho – memória de um comunista. Marco Antônio Tavares Coelho. Editora Record, Rio de Janeiro, 2000,

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