sexta-feira, 7 de junho de 2013

Credibilidade em xeque: Agência de risco põe Brasil em viés de baixa

Crescimento pífio, piora nas contas e inflação fazem S&P mudar perspectiva do país

Em ata do Copom, diretoria do Banco Central admite que pode fazer novas altas de juros porque a inflação, mais forte e persistente, continua alimentada por mecanismos formais e informais de correção de preços

A agência de classificação de risco Standard & Poor"s (S&P) anunciou ontem à noite o rebaixamento da perspectiva da dívida do Brasil de estável para negativa, devido à piora das contas públicas, ao crescimento fraco e à inflação. É a primeira vez que isso acontece desde 2002, quando a expectativa da vitória de Lula provocou turbulência no mercado. O país continua com o grau de investimento, mas sua nota pode ser cortada nos próximos dois anos se o quadro se mantiver. Pela manhã, a diretoria do Banco Central divulgou a ata da reunião em que subiu os juros para 8% ao ano. O BC vê riscos trazidos pela inflação e condena mecanismos de correção automática de preços e contratos. O Tesouro autorizou R$ 15 bilhões para o BNDES

Risco maior no horizonte

Agência S&P põe Brasil em perspectiva negativa citando piora fiscal, PIB fraco e inflação

Bruno Villas Bôas, Daniel Haidar, Martha Beck , Cássia Almeida

Uma combinação de fraco crescimento da economia, pressão inflacionária, política fiscal expansionista e perda de credibilidade na política econômica brasileira levaram ontem a agência de classificação de risco Standard & Poor"s (S&P) a colocar a nota dos títulos da dívida brasileira em perspectiva negativa, o primeiro passo para cortá-la. É a primeira vez que isso acontece desde 2002, quando a expectativa de vitória de Lula nas eleições provocou forte turbulência no mercado financeiro e o dólar chegou próximo dos R$ 4. O Brasil tem atualmente classificação de risco (o chamado rating) de "BBB" pela S&P, o chamado "grau de investimento", referência usada pelo mercado para avaliar se o país é seguro para investir.

- O crescimento da economia do Brasil tem sido baixo e a resposta do governo tem sido uma política fiscal mais expansiva, com deterioração do superávit primário. O problema é que o investimento privado não está se desenvolvendo e a melhora no primeiro trimestre veio de uma base baixa de comparação. A estratégia do governo não tem funcionado e cria incertezas daqui para frente - disse Sebastián Briozzo, diretor responsável pelo rating do Brasil na S&P, em entrevista ao GLOBO.

Em comunicado ontem, a S&P afirmou que o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) deve crescer 2,5% neste ano, no que seria "seu terceiro ano de crescimento econômico modesto". A agência culpou os atrasos no estímulo ao investimento privado - especialmente na área de infraestrutura - pelo baixo crescimento. A agência não descarta a hipótese de um rebaixamento num prazo de até dois anos.
"Nós poderíamos rebaixar o rating de crédito do país nos próximos dois anos se continuar o crescimento econômico lento, os fundamentos fiscais e externos mais fracos e a perda de credibilidade na política econômica", informou. Ainda assim, a agência ponderou que também pode revisar a perspectiva para "estável" caso perceba iniciativas do governo capazes de gerar maior confiança no setor privado e, portanto, maior crescimento.

A decisão provocou um efeito cascata sobre as notas de risco das empresas brasileiras. Ontem, a S&P também colocou em perspectiva negativa o rating das estatais Petrobras e a Eletrobras. Em maio, a petro6leira levantou US$ 11 bilhões no mercado internacional de dívida, na maior operações de uma empresa de país emergente da história.

O Brasil conquistou o grau de investimento cinco anos atrás. E foi a própria S&P quem concedeu o status ao país. Desta vez, ela também colocou o rating em moeda local (classificado como "A-") em perspectiva negativa. Além da S&P, o Brasil tem nota de grau de investimento por Fitch e Moody"s.

Governo defende política fiscal

Em resposta ao relatório da S&P, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, afirmou ontem que a economia brasileira tem indicadores positivos que são reconhecidos pelo mercado. Ele afirmou que o crescimento médio do país foi de 3,7% desde a crise mundial, enquanto o restante do mundo cresceu a uma taxa média de 3,3%. Segundo ele, uma prova de que os investidores não perderam a confiança no país está nas últimas operações de empresas brasileiras, que conseguiram captar recentemente recursos no mercado interno (caso do Banco do Brasil, com R$ 11,4 bilhões) e externo (como a Petrobras, com US$ 11 bilhões).

O secretário também defendeu a política fiscal dizendo que ela não mudou e tem um caráter anticíclico. Segundo ele, o esforço fiscal tem sido suficiente para reduzir a relação entre dívida e PIB.

Para o ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni, o país está deixando de cumprir duas metas importantes: a de inflação - a última vez que o país alcançou o centro da meta de 4,5% foi em 2009 - e a do superávit primário (receita menos despesa antes do pagamento de juros).

Para analistas, a decisão da S&P deve ter impacto no dólar. Para o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas isso obrigará o governo a tirar todas as amarras que ainda dificultam a entrada da moeda americana no país.

Os últimos países que foram colocados em perspectiva negativa pela agência foram Venezuela e Argentina, com rating, respectivamente, de "B-" e "B+", mas Briozzo, diretor da S&P, avalia que a situação do Brasil não é comparável.
 
Fonte: O Globo

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