sexta-feira, 10 de maio de 2013

Leituras da história - Denise Rothenburg

Há quem veja gênese semelhante à do mensalão no embate Anthony Garotinho versus Eduardo Cunha

No início da tarde de ontem, um grupo de petistas reunido num restaurante de Brasília analisava a sessão em que os líderes do PR, Anthony Garotinho, e do PMDB, Eduardo Cunha, ambos do Rio de Janeiro, protagonizaram um embate em que um acusou o outro de negociatas. Para os petistas, todos de São Paulo, a briga não passou de um jogo de cena para tentar derrubar a Medida Provisória 595, que pretende mudar a gestão dos portos brasileiros. “Os dois são cariocas e evangélicos. Está na cara que ali tem acordo”, comentava um deputado do PT ao deixar o restaurante.

O palpite petista poderia ter algum fundamento se os dois protagonistas da história estivessem um tom abaixo do que chegaram na noite de quarta-feira. Para refrescar a memória de alguns e situar quem não acompanhou o primeiro capítulo dessa novela, que promete ser longa, Garotinho chamou a medida provisória de “MP dos porcos”. Referia-se especialmente à emenda aglutinadora, que muda radicalmente o texto do governo, como um negócio que envolveu milhões. Prometeu entregar nomes quando for chamado ao Conselho de Ética. Ontem, reafirmou tudo e garantiu que essa briga está apenas começando.

Eduardo Cunha, por sua vez, sem citar nominalmente Garotinho, referiu-se ao líder do PR como detentor de “um histórico que parece mais punguista de praça: bate a carteira e grita pega ladrão”. O tempo esquentou. Por pouco, o frio Eduardo não chegou a trocar uns sopapos com o antigo aliado. O caso, agora, se não for para o Conselho de Ética — isso só ocorrerá se vários partidos decidirem brigar com Garotinho — vai parar na Corregedoria, a cargo do deputado Átila Lins (PSD-AM).

Enquanto isso, nos tempos de Corpus Christi…

Quem acompanha o dia a dia da Câmara e do Senado vê gênese semelhante entre esse episódio e outros embates históricos. No caso do mensalão, um vídeo em que um funcionário dos Correios aparecia recebendo R$ 3 mil virou um pedido de CPI protocolado na semana de Corpus Christi no ano que antecedeu a reeleição de Lula. A coisa foi num crescente porque o presidente do PTB, Roberto Jefferson, considerou que o chefe da Casa Civil, José Dirceu, armara a cena para enfraquecer os petebistas no processo de negociação com o governo. Todo mundo que acompanha um pouco de política sabe o desfecho da história. Não é demais lembrar que, naquela temporada, o então presidente Lula se viu obrigado a abrir as portas do governo ao PMDB para ampliar a base no Congresso e evitar problemas maiores.

O embate Garotinho versus Eduardo Cunha vem exatamente oito anos depois, perto de Corpus Christi, e com Dilma Rousseff escalada para concorrer à reeleição. A diferença é que, neste momento, até onde a vista alcança, o Planalto está fora dessa confusão. Afinal, a atual ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, embora seja a negociadora da MP 595, não tem nem de longe o poder que José Dirceu detinha dentro do PT. Mas não dá para deixar de mencionar que hoje é voz corrente no parlamento que a 595 não deixa claro o processo de concessão das áreas portuárias por licitação e ninguém descarta a hipótese de haver grupos beneficiados nessa remodelagem.

Também não dá para esquecer o jeitão dos personagens envolvidos na trama. Dirceu e Jefferson eram, à época, considerados polêmicos, cheios de vitalidade e coragem, como são hoje Eduardo Cunha e Anthony Garotinho. Talvez, assim como ocorreu no início do embate de 2005, tanto Cunha quanto Garotinho não queiram chegar às vias de fato. Mas podem acabar sendo levados a isso. Afinal, há momentos na política em que o sujeito sabe que vai parar no precipício, porém, um recuo pode representar uma derrota maior. Que o diga o ex-presidente do Senado Jader Barbalho em seu embate com Antonio Carlos Magalhães, em 2001, quando ambos terminaram no cadafalso, renunciando aos respectivos mandatos.

Quando a guerra envolve dois guerreiros, a briga promete ser longa, uma vez que ninguém recua. Os quatro personagens acima são prova disso. Até onde a vista alcança, nem Garotinho nem Eduardo Cunha se mostram dispostos a jogar as armas no chão e esquecer as palavras duras da sessão da noite de quarta-feira, reforçadas ontem. Os desdobramentos dirão se estamos diante de uma gênese do mensalão ou apenas uma crise sem importância, tão passageira quanto as nuvens de chuva que surgem por essa época em Brasília.

E nas residências oficiais…

Este fim de semana será crucial para tentar acertar os ponteiros entre PR e PMDB nos bastidores. Até agora, ninguém aposta um vintém nessa pacificação. Também é voz corrente no Congresso que a convocação para votar a MP 595 na segunda-feira é apenas pró-forma, uma maneira de o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, dar uma satisfação à presidente Dilma, irada pela não votação da MP. Se não for votada na segunda, e tudo indica que não será, a MP estará comprometida, uma vez que, na melhor das hipóteses, chegará ao Senado na véspera do prazo fatal. Se o embate entre Cunha e Garotinho se agravar, o vencimento da MP será um dos menores problemas do governo no Congresso. Pode apostar.

Fonte: Correio Braziliense

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