domingo, 26 de maio de 2013

Barbosa e as "taras antropológicas"- Elio Gaspari

O ministro do STF diz o que tudo mundo quer ouvir, mas faz coisas que muita gente não consegue fazer

No primeiro dia do julgamento do mensalão, vendo-se em minoria numa votação preliminar, o ministro Joaquim Barbosa disse lamentar que "nós brasileiros tenhamos que carregar certas taras antropológicas, como essa do bacharelismo". Seja lá o que for uma "tara antropológica", o bacharelismo nacional é certamente uma praga. Barbosa é hoje uma esperança nacional, pelo simples fato de dizer coisas que estão entaladas na garganta dos brasileiros.

Na semana passada ele expôs mais uma verdade: "Nós temos partidos de mentirinha". Bingo. Mas onde estava o ministro no dia 7 de dezembro de 2006, quando o Supremo Tribunal Federal derrubou a cláusula de barreira para partidos que não tem votos? De licença.

Estando de licença, por conhecidos motivos de saúde, Barbosa fez 19 viagens para o Rio, São Paulo, Salvador e Fortaleza, com passagens aéreas pagas pela Viúva. Os ministros do STF ganham R$ 28 mil mensais, mais carro, motorista e bolsa viagem. Seus similares da Corte Suprema americana ganham o equivalente a R$ 35,6 mil, sem mais nada. Passagens? Nem de ônibus. A Viúva paga até mesmo as viagens ao exterior (na primeira classe) das mulheres de ministros. Ricardo Lewandowski é homem de boa fortuna familiar. Gilmar Mendes é casado com uma advogada que trabalha num poderoso escritório de advocacia, onde ganha bem. Nada de ilegal. Tudo de acordo com as leis dos bacharéis que dão até R$ 15 mil mensais a sete garçons do Senado.

Quando a repórter Luciana Verdolin perguntou a Barbosa, como presidente da Casa, sobre o que ele achava da questão, ouviu: "Eu não quero falar sobre esse assunto. Eu não li a matéria. Essa matéria é do seu conhecimento. Não é do meu".

A reportagem podia não ser do seu conhecimento, mas a despesa era. O desempenho de Barbosa tratando dos temas que escolhe é um refrigério. Já sua atitude diante de perguntas estranhas à sua agenda é antropologicamente bacharelesca.
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O BACANA

A escolha do advogado Luís Roberto Barroso para uma vaga no Supremo Tribunal Federal foi amplamente saudada. Nas novas funções, o doutor podia tirar da seção musical do seu blog a canção "Um Só Coração", composta por um advogado amigo que "alegrou-me o coração".
Ela diz o seguinte:
"Carioca da gema
Habitué de Ipanema
Barroso é genial.
(...)
Na Uerj ele manda
No Supremo é o bacana
Dispensa credencial."

Costura

Enquanto os tucanos brigam, Fernando Henrique Cardoso costura pacientemente alianças em torno de Aécio Neves.

Sinal disso é a mudança de tom do governador Sérgio Cabral em relação à campanha da doutora Dilma. Ele jantou com FHC há duas semanas.

África, não

Para ir a Roma em março, a doutora Dilma levou três ministros, além do rotineiro titular do Itamaraty. Ocupou 52 quartos de hotel.

Para ir à Etiópia, além do embaixador Patriota, foi só o ministro Aloizio Mercadante.

Faz tempo, quando uma comissão da ONU se reunia anualmente em Nova York para discutir a independência da Namíbia, um de seus membros informava: "Reunindo-nos aqui, a Namíbia jamais será independente. Se nos chamarem para uma reunião em Windhoek, no verão, sua independência sairá no mesmo dia."

Dan Brown

Uma alma implicante sustenta que Dan Brown disse bobagem no seu "Inferno" quando chamou de "horrível" a estátua de um anão montado numa tartaruga que fica no Jardim de Boboli, em Florença.

Faltou-lhe senso de humor.

A porta giratória da ANS e das operadoras

Durante o tucanato o comissariado petista deitou e rolou denunciando a promiscuidade da banca com o Banco Central, tanto pela nomeação de banqueiros para sua diretoria como pela porta giratória. Eles iam da banca para o BC e do BC para a banca. Jogo jogado. Seria o caso de se começar a discutir a promiscuidade que o petismo patrocina na Agência Nacional de Saúde Suplementar, que fiscaliza e fixa normas para o funcionamento dos planos privados. Trata-se de um mercado que move R$ 93 bilhões, afeta a saúde física de 48 milhões de pessoas e está infestado por tamboretes e maus serviços. No ano passado, as operadoras reconquistaram o primeiro lugar no ranking de reclamações da clientela. Oito em dez fregueses queixavam-se delas. De cada dois processos abertos na ANS, um tramita há mais de cinco anos.

Mauricio Ceschin, que presidiu a ANS de 2009 a 2012, vinha do grupo Qualicorp, que doou R$ 1 milhão para a campanha da doutora Dilma. Leandro Tavares, cuja recondução para uma diretoria está sendo discutida no Senado, veio da operadora Amil.

Um diretor que veio dos quadros da Amil a ela retornou. Outra, saiu da Amil, passou pela agência e hoje está na Unimed. Um quadro da Hapvida que litigava contra a ANS se tornou seu diretor-adjunto.

Semelhante situação poderia refletir um clima de harmonia entre o poder público e a iniciativa privada. Contudo, até hoje a ANS e o Ministério da Saúde não conseguiram criar mecanismos eficazes para cobrar dos planos privados as multas impostas às operadoras nem pelos serviços prestados pelo SUS aos seus clientes.

Esse é um problema antigo, mas a repórter Cassia Almeida expôs novos números. Entre 2005 e 2010, aumentou em 60% o número de internações de clientes de operadoras privadas em hospitais do SUS. (Entre 2006 e 2012, as doações políticas das operadoras cresceram 37,2%, para R$ 8,6 milhões.) Em 2012, as internações foram 276.850, a um custo de R$ 537 milhões. Se essas pessoas não tivessem planos privados também seriam internadas, porque esse é seu direito. O problema é que elas pagaram aos planos e os planos nada pagaram à Viúva. O doutor Ceschin chegou a dizer que, "se o ressarcimento chegar a R$ 100 milhões, não tem relevância na solução dos problemas da saúde pública." Quando o governador Geraldo Alckmin queria sublocar leitos públicos para os planos de saúde, prometia arrecadar, só em São Paulo, R$ 468 milhões.

O comissariado não executa as cobranças nem discute a mudança das leis que inibem o ressarcimento. Patrocina a pior das privatarias. Fiscaliza mal planos financeiramente inviáveis que se estabelecem na esperança de mandar seus clientes para o SUS sempre que o tratamento for caro. Assim, quanto mais a Viúva investe para melhorar a saúde pública, mais os espertalhões que vendem planos a R$ 160 mensais fazem o melhor negócio do mundo: embolsam por um serviço que não prestam e jamais pensaram em prestar.

Fonte: O Globo

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