segunda-feira, 1 de abril de 2013

Questões de conveniência - Wilson Figueiredo

Se dois corpos não conseguem ocupar o mesmo espaço, fica difícil entender como a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem ocupar a mesma candidatura à sucessão presidencial do ano que vem. Um vai sobrar. E não é preciso maior esforço mental pra saber qual dos dois. Falta explicação adequada e sobra espaço para hipóteses que façam mais do que perder tempo.

A candidatura de Lula veio antes de ser equacionado o problema e evolui fora dos prazos. A preferência é pelo velho fato consumado. Aliás, ele nem precisa ser candidato. Basta-lhe ficar por perto. É candidato em tempo integral. Deixa ocasionalmente de ser para atender a conveniências. A candidatura de Dilma Rousseff à reeleição foi empurrada pelo parceiro, como preliminar de um jogo de interpretação acessível ao cidadão que dispõe apenas de um voto. Lula tratou de se manter invisível nas pesquisas. Escafedeu-se, para dizer o mínimo. Preferiu fazer um bico, mundo afora, em companhia de empresários. Grandes empresários, para ninguém botar defeito.

Se uma eleição repetisse a anterior, também seria farsa. Sob a Constituição de 1946, todas as sucessões transcorreram sob raios e trovões. (Exceto a primeira, quando os dois candidatos eram procedentes dos quartéis, como garantia implícita). Em 1950, b a sucessão de Dutra, Getúlio Vargas enfrentou a frustração liberal e, sob raios e trovões, foi às últimas. Literalmente. Em seguida, foi a vez de JK, que comeu o famoso pão que o diabo amassou. Campanha tensa e indícios golpistas o tempo todo. Vitória apertada e, paga na mesma moeda, por um golpe que aparou outro em andamento. A democracia floresceu e deu a impressão de que viera para durar. Nas ainda faltava muito.

Jânio Quadros foi o último eleito da série, e não se sabia que era o começo do fim da República de 1946. A maldição constitucional da época foi confiar em vitória por maioria simples de votos. Não faltaram votos a Jânio Quadros, que se golpeou em causa própria. Por fatalidade. A renúncia, que era para não valer, valeu. Nas conseqüências, em 1964 o golpe definitivo se consumou. Graças à maioria absoluta, que dá as cartas desde 1988, ficou sendo o último. O Brasil deve uma escultura de mármore importado, de proporções imponentes, à maioria absoluta.

A maioria absoluta - opção da Constituinte em 1988 - mostrou seu efeito estabilizador nas seis sucessões presidenciais que já se consumaram. Desde então, nenhum derrotado se queixou. Lula, depois de três insucessos assimilados, mandou uma carta de boas intenções aos brasileiros, honrou a palavra escrita e se deu bem em dois mandatos. Estamos aí.

Até aqui, tudo bem, como observou na anedota macabra aquele suicida que se atirou do quadragésimo andar e, ao passar pelo vigésimo quinto, declarou: “até aqui, tudo bem.” Lula administra o espaço político vazio com a candidatura Dilma e, não sendo correspondido pelo que outrora se chamou oposição, empurrou a presidente no vazio e se resguardou como candidato alternativo. Colou sua candidatura à de Dilma, ela para a reeleição e ele para eventual salvação da lavoura. Enquanto ela dá conta do papel de candidata, ele se apaga com a poeira levantada pelas dificuldades da economia e a falta de cerimônia política.

Afinal, todas as candidatura de Dilma Rousseff se devem a ele, Lula, que se reserva a última palavra sobre quem terá a preferência...dele próprio. É assunto sujeito a conveniências. O poder acendeu na presidente simpatia pela classe média, que também usufrui momento histórico. Juntaram-se por fatalidade, no bom sentido, claro. O próprio Lula apreendeu em tempo o que estava subentendido no resultado político dessas voltas sem sair do lugar: opera socialmente um pouco abaixo, aprendeu a ver, do piso inferior, o mundo, e mantém desconfiança do que considera pequena burguesia de olho grande.

Está claro que Dilma Roussseff e a classe média, assim referida para fugir à conotação negativa de pequena burguesia, se deram bem. Até demais. O governo Dilma conseguiu convencer a classe média propriamente dita, com peso nacional culturalmente majoritário, a usufruir com ela a sensação de poder. O reflexo dessa situação, nas pesquisas em que Dilma leva vantagem sobre ele, deve ter feito Lula reexaminar a própria sucessão e seus personagens. Afinal, ele fez Dilma candidata para ter a ponte para voltar ao poder. E não exatamente a classe média.

Fonte: Jornal do Brasil

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