terça-feira, 2 de abril de 2013

Amar os bancos - Luiz Gonzaga Belluzzo

"Amar os bancos, odiar os banqueiros" é o título do artigo do economista Raghuram Rajan publicado ontem no Valor. Rajan inscreveu seu nome entre os poucos que soaram com antecedência os alarmes da crise. Em 2005, ele apresentou em uma conferência em Jackson Hole o texto "Has Financial Development Made the World Riskier?". Foi açoitado por invectivas e desqualificações, isto é, pelos métodos mais utilizados nos debates contemporâneos, cuide-se de temas econômicos, esportivos, sociais ou políticos. Entre os críticos mais ferozes de suas advertências figurava o expoente dos saberes econômicos Lawrence Summers.

No artigo de ontem, Rajan trata das posições radicalizadas que se digladiam em torno da regulamentação das atividades dos bancos: 1) os críticos recomendam uma forte redução da alavancagem, especialmente no tocante à sustentação de ativos com empréstimos de curto prazo; 2) os banqueiros argumentam que ampliações adicionais na capitalização elevariam as taxas de juro e assim afetariam negativamente a atividade econômica.

A estabilidade da economia monetária depende das complexas relações entre os fundos coletivos administrados pelos comitês privados de avaliação do crédito e da riqueza mobiliária e a capacidade do Estado, mediante as decisões do Banco Central, de orientar as expectativas dos agentes privados empenhados na liça da acumulação de riqueza abstrata. Esses trabalhos do Estado são executados pela política monetária do Banco Central em conjunto com a gestão da dívida pública pelo Tesouro.

Os grandes conglomerados financeiros buscaram escapar das regras prudenciais

No regime de moeda denominada pelo Estado e emitida pelo sistema bancário, a estabilidade da economia não pode ser garantida, como imaginam os partidários da desregulamentação máxima pelos critérios privados, como o demonstra à saciedade a experiência histórica dos sistemas bancários desregulamentados e, na prática, desprovidos de autoridade central pública. A crise de 2007 desvelou as relações carnais entre o dinheiro, as finanças públicas e os mercados financeiros privados no capitalismo contemporâneo.

O moderno sistema de crédito - aí incluído o Banco Central - opera como o espaço em que se explicita a natureza ambígua do dinheiro na economia capitalista: bem público, ou seja, forma social da riqueza e objeto do enriquecimento privado. Os bancos (e, hoje, os demais intermediários financeiros que se abastecem nos mercados monetários) são provedores da infraestrutura do mercado, na medida em que definem as normas de acesso à liquidez, ao crédito e administram o sistema de pagamentos. Tais normas impõem constrangimentos às condições de produção e de concorrência das empresas. Gestores público-privados da forma geral da riqueza, os bancos cuidam de administrar o estado da liquidez e do crédito de acordo com a maior ou menor confiança na possibilidade das empresas e dos governos de controlarem seus balanços.

A propriedade, agora socializada pelo controle do capital líquido (pelos bancos e pela massa de poupadores), reclama a presença de um ente público capaz de garantir, em última instância, as condições monetárias adequadas à reprodução do capital. O Banco Central assume a função de coordenador das expectativas privadas que governam as decisões sobre a posse da riqueza.

O sistema bancário deve assumir as funções e administrar simultaneamente os dois riscos inerentes à economia monetária, o de liquidez e o de pagamento. O sistema bancário, incluído o Banco Central, deve respeitar as regras "convencionadas" que o obrigam a funcionar como redutor de riscos e de incerteza e como gestor dos limites impostos aos produtores e detentores privados de riqueza, enquanto candidatos a acumular riqueza universal.

Por isso, num regime de moeda fiduciária, a prerrogativa de criação de moeda pelos bancos privados está subordinada às regras de capitalização impostas pelas autoridades reguladoras. As exigências de garantias para a "criação" das moedas bancárias de emissão "privada" (mas de aceitação geral) revela o duplo caráter dos bancos na economia capitalista: 1) empresas privadas que visam maximizar a rentabilidade de seu capital num ambiente de concorrência; e 2) instituições responsáveis pela gestão da moeda e do sistema de pagamentos.

Nos anos 2000, no rastro da desregulamentação, a dívida intrafinanceira como proporção do PIB americano cresceu mais rapidamente do que o endividamento das famílias e das empresas. A "endogeinização" da criação monetária mediante a expansão do crédito chegou à perfeição em suas relações com o crescimento do estoque de quase-moedas abrigado nos "money markets" funds. Esses fenômenos correspondem ao "controle privado da riqueza social", fenômeno que se realiza no movimento de expansão do sistema capitalista.

Eliminada a separação de funções entre os bancos comerciais, de investimento, seguradoras e associações encarregadas dos empréstimos hipotecários, os grandes conglomerados financeiros buscaram escapar das regras prudenciais, promovendo o processo de originar e distribuir, impulsionando a securitização dos créditos e a alavancagem das posições financiada nos mercados monetários.

Luiz Gonzaga Belluzzo - ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

Fonte: Valor Econômico

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