domingo, 17 de março de 2013

Entrevista - Eduardo Campos: “Governo tem que governar”

Kelly Matos e Klécio Santos 

BRASÍLIA - Eduardo Campos é cauteloso quando o assunto é candidatura à Presidência da República. O figurino, porém, lhe cai bem. Tanto no discurso como fisicamente. Aos 47 anos, o socialista de olhos verdes está menos calvo e mais magro – porte que mantém percorrendo trilhas com os quatro filhos. Já a retórica de postulante ao Planalto é pontuada por cutucadas no governo.

Campos critica das questões mais simples, como a falta de diálogo, às mais complexas, como a paralisia da equipe econômica. Enquanto seduz eventuais apoiadores pelo país, Campos age sobretudo nos bastidores. A parte mais visível de seu projeto é encampada por lideranças do PSB como o gaúcho Beto Albuquerque.

– O Beto é meu precipício – brinca o governador, se referindo à candidatura que vem entusiasmando o PSB.

Neto e herdeiro político de Miguel Arraes, uma grife da esquerda no país, Campos não se constrange em dialogar com aliados do governo Dilma e setores conservadores como o DEM. Quer ser uma alternativa à polarização entre PT-PSDB, mas sabe que sua candidatura depende muito mais dos rumos da economia em 2013. É por isso que bate na tecla de que não adianta antecipar o debate eleitoral. Se os indicadores econômicos melhorarem, avalia que será difícil vencer o favoritismo de Dilma.

Até lá, vai angariando simpatias. Sua administração é tão bem avaliada que foi responsável por uma das mais duras derrotas do PT na última eleição, quando alçou à prefeitura de Recife um anônimo contra a vontade do ex-presidente Lula. Desde então, a relação com Lula não foi mais a mesma.

Aos poucos, o pernambucano vai dando sinais de inconformismo com decisões do governo – mais recentemente com a edição da medida provisória dos Portos –, e faz críticas à aliança com o PMDB.

É com a fama de gestor eficiente e empreendedor que Campos desembarca em Porto Alegre em abril, quando palestra em dois dos tradicionais eventos capitaneados pela iniciativa privada no Estado, o Tá na Mesa e o Fórum da Liberdade. A vitrine empresarial vem sendo interpretada como a arrancada de sua candidatura ao Planalto, algo que Campos insiste em negar. Nesta semana, ele esteve em Brasília e conversou com ZH. A entrevista:

ZH – Qual é seu timing do processo eleitoral? 2014 é a hora para se candidatar a presidente?

Campos – Vai depender muito do que ocorrer em 2013, um ano estratégico para o futuro do Brasil. Desde o final do ano passado há um consenso no PSB, na nossa forma de ver essa conjuntura, de que era necessário dedicar 2013 para as convergências, e não para as disputas. O Brasil está concluindo só agora tarefas de 2012.

ZH – Como assim?

Campos – Apenas nesta semana votou-se o orçamento, não se votou sequer o FPE (Fundo de Participação do Estados), tem uma série de marcos regulatórios sobre setores estratégicos, entre os quais o petróleo, que a qualquer momento pode judicializar essa questão, impactando num setor que dialoga com o maior conjunto de investimentos que a gente pode ter nos anos futuros do Brasil, que é todo o setor de petróleo, gás, offshore, naval. Entendemos que é preciso um grande cuidado para a gente não jogar fora muitas das conquistas que construímos nos últimos 20 anos.

ZH – Significa que se a economia estiver bem, o voo será junto com o governo? Se não estiver, será solo?

Campos – Não, porque já houve tempos muitos difíceis em que o PSB não fez o voo solo e esteve solidário.

ZH – O senhor é conhecido apenas no Nordeste. Como vai fazer para ser conhecido nos grandes centros?

Campos – Essa não é uma questão que está posta para este ano. O PSB está crescendo, se consolidando como um partido que tem sabido governar ouvindo a sociedade. É claro que o PSB tem o desejo de seguir crescendo, de ter responsabilidades maiores com o país. Mas ainda não reunimos o partido para tomar essa decisão.

ZH – O crescimento do PSB nas últimas eleições entusiasma?

Campos – Claro que o crescimento anima muito os nossos companheiros para que o PSB esteja (com candidatura própria) em 2014. É natural. O PT teve candidato próprio à Presidência da República quando era muito menor do que o PSB é hoje. Mas não é essa discussão que queremos fazer. Queremos fazer a discussão de conteúdo.

ZH – De que forma?

Campos – A sociedade não quer disputa, não quer a briga entre partidos. É o emprego das pessoas que está em risco. É hora de espelhar na política brasileira um novo pacto social. As pessoas só estão vendo que milhões de pessoas ascenderam à classe C e estão tendo acesso ao crédito. Mas as pessoas não querem ter só acesso ao crédito.

ZH – O senhor não tem receio de ficar com o mesmo discurso da oposição?

Campos – De forma nenhuma. Estivemos ajudando na construção desse projeto, quando foi fácil e quando foi difícil. A nossa bancada do Congresso é uma das mais solidárias nas votações importantes da presidente Dilma. E a nossa forma de contribuir com o governo não é dizer só o que agrada ao governo.

ZH – O debate eleitoral está antecipado mesmo contra a vontade?

Campos – De uma hora pra outra, o debate sucessório entrou na pauta. Eu nunca vi governo antecipar debate eleitoral. A vida inteira eu vi governo retardar, porque governo tem que se preocupar em governar. Quem antecipa debate eleitoral é oposição. É natural que eu, na condição de presidente de um partido, que foi o partido que mais cresceu, seja procurado por muita gente. Mas só é notícia quando eu sou procurado por aqueles que estão distantes do governo. Quando eu sou procurado por Marcelo Deda, por Jaques Wagner, pelo PT, não é notícia. É notícia quando é alguém insatisfeito com o governo. Quando o Aécio tira uma foto comigo é notícia.

ZH – O senhor tem feito críticas aos rumos da economia, mas o governo tem tomado algumas medidas, como desonerações, concessões. Na sua avaliação, onde está o erro?

Campos – Tivemos um freio, a meu ver, em 2011 que foi maior que a conta. Entrou 2012 com esse freio segurando o crescimento. Em determinado momento, todo o receituário utilizado pelo governo Lula, pelo governo FH, em momentos de crise – desoneração para setores expressivo da nossa indústria, estímulo ao crédito, uma série de coisas –, não surtiram efeitos que em outros momentos nós vimos surtir. Desta vez, houve a perda da receita e não houve o ganho do crescimento econômico. Então, se criou dois ambientes de crise. Ou seja, não tem o crescimento da economia e tem restrição das finanças públicas.

ZH – O senhor avalia que falta diálogo por parte do governo?

Campos – Sim. Falta diálogo com os setores econômicos, com o próprio pacto federativo. Se você vai mudar o marco dos portos, por exemplo. Somos a favor de melhorar e modernizar os portos. E nós vimos mudar essa norma numa medida provisória, em que nenhum governador que tem porto, e que tem ajudado a melhorar os portos, foi ouvido.

ZH – Mas o ministro dos Portos, Leônidas Cristino, é do seu partido, o PSB.

Campos – Exatamente. Mas ele disse a mim que não foi permitido a ele que se discutisse a medida provisória. Falei com ele. Não fomos nem comunicados. Não fomos chamados para fazer esse debate. Ninguém nos chamou.

ZH – O que o senhor acha da candidatura de Aécio Neves?

Campos – É legítimo que o PSDB, um partido que já governou o país, que governa Estados importantes, que tem uma grande bancada, discuta a candidatura de um político que tem experiência e tradição como o Aécio Neves.

ZH – O senhor tem conversado com o presidente Lula?

Campos – A última vez foi por telefone, no final do ano passado.

ZH – Como o senhor vê a aliança PT-PMDB?

Campos – Eu acho, sinceramente, que essa aliança é mais do que estratégica. Mas não guarda sinergia com o pacto social. Outras forças políticas ficaram na periferia do governo. Hoje, o centro do governo é ocupado pelo PT e pelo PMDB. Todos os outros partidos, que estiveram historicamente nessa aliança (com o PT), não estão no centro do governo. Essa é uma observação que os partidos têm feito. Eu já disse isso à presidente. Mas não é de hoje. Isso já vinha desde o governo Lula. O PT faz as escolhas que acha certas. E vai ser julgado por isso. E o PSB, sinceramente, observa tudo isso.

ZH – Muita gente está atribuindo à sua participação no Fórum da Liberdade a largada para candidatura.

Campos – Eu vou participar do debate sobre conjuntura econômica, desafios da economia brasileira. Não vou ter preocupação de limitar a minha participação no debate político, com o dever que eu tenho como militante, como presidente do partido.

ZH – O PSB terá candidato próprio no RS?

Campos – O PSB gosta de ter candidato e gosta quando o partido cresce, através das nossas lideranças. Mas nós também sabemos apoiar. Temos alegria em apoiar também candidaturas que não sejam do PSB. Nós não somos daqueles que achamos que só é bom se for do PSB.

ZH – Com essa alfinetada, o senhor está dizendo que o PT não sabe apoiar?

Campos – Eu não disse isso. Se eu achasse isso, eu diria.

ZH – E esse périplo que a presidente Dilma está fazendo pelo Nordeste? Ela vem aparecendo sempre ao lado de governadores do PSB.

Campos – É completamente natural que a presidente visite uma região onde ela teve 10 milhões de votos a mais. Onde ela teve uma vitória. Eu acho que talvez chame mais a atenção quando ela faz uma atividade com um governador do PSB pela conjuntura.

ZH – É essa sua visibilidade que está fazendo a presidente se mexer?

Campos – Ah, aí você tem que perguntar isso para ela.

ZH – O senhor se sente preparado para ser candidato ao Planalto?

Campos – Me sinto completamente tranquilo de fazer esse debate. Tenho uma vida pública, tenho experiência, já vivi momentos semelhantes a esse, e em outros, cumprindo um determinado papel, distinto do que ocupo hoje. Já fui secretário de Estado várias vezes, deputado estadual, dirigente estadual do PSB, deputado federal, ministro, líder de bancada na oposição, líder de bancada na situação, governador duas vezes, já vi muitas eleições. E sei quando é o tempo de decidir. Já sei exatamente que a criança só nasce bem, na maioria das vezes, quando nasce no tempo certo, maduro, tem aqueles nove meses. E acho que nós não estamos no tempo.

ZH – O que o senhor acha que está mal? E o que está bem no governo?

Campos – Acho que uma coisa importante tem sido a opção de encarar o desafio social, de consolidar políticas públicas que resgatem a pobreza no país. O que preocupa é a economia. Temos que fazer um grande esforço de manter o que construímos: a inflação sob controle e o Brasil crescendo, distribuindo renda. É esse o desafio.

ZH – Se o senhor for candidato, a economia vai pautar seu discurso?

Campos – Todo partido precisa ter debate profundo sobre a questão econômica. Mas não é só o debate sobre a economia que deve presidir o debate sobre o futuro do país. Temos um debate estratégico. Como nós vamos aumentar o número de anos de estudo do brasileiro? Como é que a gente vai melhorar a educação? Como é que a gente vai melhorar e consolidar o SUS, que vive uma grande crise de financiamento? Como é que nos vamos encarar a questão da segurança pública, que ainda não foi encarada, a meu ver, como deve ser pelo governo. E que é um desafio porque hoje todos os mapas indicam violência crescente. Semana passada, por exemplo, saiu levantamento mostrando que há interiorização do homicídio, uma ida da violência para cidades de porte médio. Há uma epidemia do crack. No Nordeste todos os Estados cresceram os homicídios, exceto Pernambuco, onde houve redução. Esse debate não vai ser feito?

ZH – O senhor acha que tem espaço para uma candidatura fora da polarização PT-PSDB?

Campos – Nas últimas três eleições, tivemos a eleição indo para o segundo turno. E por que ela foi para o segundo turno? Porque alguém fora dos dois primeiros lugares teve uma expressão de votos que levou a eleição para o segundo turno. Ou seja, quem vai dizer isso são as circunstâncias políticas de 2014. E elas não estão dadas ainda.

ZH – O senhor vem conversando com DEM, alguns ruralistas? O senhor não teme ficar com a pecha de uma candidatura conservadora e não de terceira via?

Campos – Vocês sabem muito bem qual é a visão do PSB. Os compromissos que o nosso partido tem com mudança, com transformação. E a tradição que me trouxe até aqui, do ponto de vista político. Uma tradição de quem tem compromisso com o povo, com mudança, com organização dos trabalhadores. Agora, nós aprendemos sempre a dialogar. Essa é uma marca do meu partido e da minha formação política. Eu no parlamento sempre fiz o exercício do bom debate.

Fonte: Zero Hora (RS)

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