quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Que fronteira atravessar - Míriam Leitão

Até o governo sabe que não se acaba com a miséria com alguns reais a mais e a travessia de uma barreira arbitrária como os R$ 70 de renda familiar per capita. Mas o passo que foi dado ontem é mais um dentro de uma trajetória que começou há algum tempo e que significa dar o mínimo aos mais pobres. Cada governo fez uma parte. A de Dilma foi focar nos extremamente pobres.

O debate em torno do Bolsa Família tem alguns mitos. Um deles é a ideia de que os pobres seriam incentivados a ter mais filhos para receber mais. Não há qualquer comprovação estatística disso. Outra, de que as pessoas param de trabalhar para viver do benefício. Ele é tão pequeno que não sustenta ninguém, e o Ministério de Desenvolvimento Social tem estudos e dados que comprovam o oposto.

O importante é pensar o que virá depois do programa e ter como meta construir esse futuro. Que o Brasil tinha que criar uma rede de proteção social mínima para os milhões de miseráveis e pobres do país, não há dúvida. Por isso, a ideia surgiu de forma embrionária logo após a estabilização, floresceu no governo passado, e agora passou a ter metas ousadas, como a erradicação da extrema pobreza.

O passo dado ontem garante apenas que todas as famílias que estão no programa atravessem essa fronteira dos R$ 70 per capita por família a cada mês. Isso correspondia quando foi estabelecido a US$ 1,22 por dia. O dólar se encareceu, mas aqui se trabalha com o dólar paridade do poder de compra, que não oscila da mesma forma que as flutuações da moeda. É uma medida arbitrária. Essas famílias continuarão vivendo com um valor muito pequeno. Além disso, continuarão sendo procurados brasileiros muito pobres que estão em áreas muito remotas ou nem sabem como entrar no programa. O governo acha esse remanescente é pequeno.

De tudo o que ouvi nesses dias que conversei sobre esse assunto com as autoridades o mais interessante foi que está sendo feito um cruzamento de dados entre o cadastro único e os dados do Ministério da Educação. O objetivo é localizar as escolas onde a maioria das crianças está no programa Bolsa Família e essas escolas terão prioridade na implantação do programa de escola em tempo integral. Faz sentido e abre-se a chance de que através da educação de qualidade essas crianças não estarão, quando se tornarem adultas, dependentes de programas similares.

Outro ponto que incomoda muita gente é o custo do programa, que estaria subindo muito. De fato: em 2010, o programa custava um pouco mais de R$ 15 bilhões; em 2013, está em R$ 23 bi, sem esse acréscimo. São 13 milhões de famílias e 50 milhões de pessoas beneficiárias com esse valor. Com o acréscimo de ontem - que melhora a vida de 2,5 milhões de pessoas dentro desses 50 milhões - o governo vai gastar R$ 750 milhões. É muito? Apenas um dos empréstimos desastrados do BNDES para ajudar empresas familiares custou isso: o do LBR.

Não é que o erro do banco justifique aumentar o gasto indefinidamente. Mas o custo total do Bolsa Família é 2% do Orçamento do governo. A questão não é apenas o custo por ano, é a existência de uma efetiva porta de saída. O governo diz que tem porta de saída, que cada família fica no programa por dois anos, e que entre as várias exigências está a de manter a criança ou adolescente na escola.

O que o governo tem que construir agora é a estratégia de tirar as pessoas do programa por melhoria estrutural em suas vidas. Isso vai definir se o programa é mais um assistencialismo ou um projeto para mudar o país. O que o Brasil tem que se perguntar é que fronteira quer atravessar.

Fonte: O Globo

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