segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O emprego do 'ABS' na gestão da economia - Marco Antonio da Rocha

A largada oficial e definitiva na campanha de reeleição de Dilma Rousseff foi abrilhantada na semana passada por dois eventos: a comemoração do "fim da miséria no Brasil", por Dilma; e a festa dos 10 anos do PT. Nesta, Lula sacramentou: "Nós vamos dar, como resposta, a reeleição de Dilma" - referindo-se a críticas do PSDB e de Aécio Neves. Então, agora já dá para entender mais ou menos esse stop and go com que o governo petista está conduzindo a gestão da economia.

Aparentemente, até recentemente, a opção preferencial do governo era pelo "desenvolvimento", em detrimento da "estabilidade". Na última semana, declarações do ministro Mantega e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, deram sinais de uma prudente marcha à ré. O governo teria ficado preocupado com o ímpeto que a inflação vem tomando e estaria inclinado a cuidar com mais rigor da política monetária - das rédeas da carruagem -, juros e crédito.

Mas, no fundo, o que parece mesmo é que a dupla Mantega-Tombini vem empregando a tecnologia ABS para lidar com o binômio estabilidade/crescimento. ABS é o sistema de freios antiblocagem. É a maneira de parar um carro em alta velocidade que antigamente os bons motoristas já usavam: pisavam e soltavam o pedal do freio, em rápida sucessão, diante de um obstáculo inesperado ou em via molhada. Isso evita que o carro derrape ou que as rodas travem e o carro capote. A indústria criou um mecanismo que faz a mesma coisa: o freio é acionado e aliviado automaticamente em frações de segundos. A possibilidade de derrapagem ou capotagem diminui muito.

Supomos que os doutores da administração econômica governamental apostam no ABS como estratégia de controle de risco, soltando o freio quando a ameaça maior é de desaquecimento, freando quando é de inflação. Reconheçamos que, se for isso, não deu muito certo até agora. Ou a pisada e o alívio não foram acionados tempestivamente ou a economia toda não respondeu como deveria, uma vez que o mergulho do PIB foi mais fundo do que se esperava e a decolagem da inflação está sendo mais rápida do que se advertia.

Mas é uma estratégia que, se encontrar um ajuste fino, pode favorecer a reeleição desejada pelas hostes petistas. Se não se encontrar esse ajuste, o projeto de reeleição não se perderá, mas o grande projetão de "todo o poder ao PT" para todo o sempre - pois é disso que se trata, e não é pouco - será minado.

O problema é que, sem o ajuste competente da dinâmica desse processo, alguns vírus podem comprometê-lo. Por exemplo, se "o fim da miséria" é um fato mais real do que os oponentes de Dilma admitem, a demanda a ser atendida passa a ser muito mais difícil do que decretar que a miséria acabou: transferir renda é a parte mais fácil do combate à miséria. Os milhões de brasileiros que subiram na escala estatística, de R$ 70 per capita de renda para R$ 71, ou até R$ 500, que seria a fronteira da classe média, continuam miseráveis, mas seus projetos de vida mudaram. Essas pessoas não querem regredir, querem sair não só da miséria, mas também do Bolsa-Família, pois sabem que essa dependência é arriscada e, principalmente, não oferece horizonte para os filhos. Querem emprego firme com salário estável.

E quantos novos empregos firmes com salários estáveis a economia brasileira está oferecendo por ano aos egressos da faixa da miséria? Segundo o Caged, no ano passado, ela ofereceu 1,3 milhão de empregos com carteira assinada. É pouco? É muito? É suficiente?

De cara podemos dizer que os brasileiros que pegaram esses novos empregos no ano passado não eram miseráveis libertados pela poderosa presidente. Eram trabalhadores que já estavam numa faixa de renda superior ou eram jovens que entravam no seu primeiro emprego, de famílias acima do Bolsa-Família.

É possível dizer, em segundo lugar, que milhões de miseráveis que deixaram a faixa da miséria continuam sem emprego, sem perspectivas e com o risco de regressão. Por outro lado, é possível supor também que muitos dos que conseguiram se afirmar, deixar a miséria e entrar no mercado de trabalho tornaram-se consumidores ascendentes e, portanto, querem bens de cidadania: moradia, móveis, utensílios domésticos, aparelhos diversos, toda a parafernália que traça a fronteira entre o miserável - o candidato a morador de rua em grandes cidades - e o brasileiro formalizado, o cidadão. A estrada entre os dois status pode até não ser longa, mas é complexa e tortuosa. E não há como o governo pegar o ex-miserável pela mão e conduzi-lo pela estrada toda.

O governo, do PT, do PSDB, de qualquer partido, não tem e nunca terá um programa capaz de levar milhões de brasileiros a uma bem-sucedida e definitiva mudança de status social. Isso só pode acontecer com aquilo que Dilma e o PT não estão conseguindo: um "pibão"continuamente acelerado, que o Brasil já teve, desde Getúlio Vargas até o início dos anos 80.

Essa política de prende/solta, solta/prende não garante isso, pois não garante o principal para que os investimentos se multipliquem: segurança e fé na estabilidade da ação governamental de médio e de longo prazos.

* Marco Antonio da Rocha é jornalista.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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