segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Mantega poderá ser convocado

Parlamentares da oposição vão chamar o ministro Mantega para esclarecer, no Congresso, manobras fiscais do governo para cumprir, em 2012, a meta de superávit. A maquiagem na contabilidade chegou a R$ 200 bi

Manobra fiscal: oposição quer ouvir Mantega

PSDB e PPS criticam maquiagem de R$ 200 bi do governo para alcançar meta fiscal e cobram explicações

Cristiane Bonfanti, Vivian Oswald e Bruno Villas Bôas

BRASÍLIA e RIO - Parlamentares da oposição vão chamar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para prestar esclarecimentos em audiências públicas tanto na Câmara quanto no Senado sobre a série de manobras fiscais realizadas pelo governo no afã de cumprir a meta de superávit primário de 2012, a economia feita pelo setor público para o pagamento de juros da dívida. O GLOBO mostrou ontem que a maquiagem na contabilidade do governo chegou a R$ 200 bilhões no ano passado, sobretudo devido ao reforço no caixa dos bancos públicos.

Nas contas do economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), se a injeção de recursos nos bancos tivesse sido feita de forma convencional, as despesas do governo chegariam a R$ 1 trilhão, e não apenas aos R$ 800 bilhões estimados para 2012. Somente no BNDES, os aportes representaram um subsídio implícito (a diferença dos juros de captação do banco e das taxas a que empresta) de R$ 15 bilhões, valor equivalente ao orçamento de um ano do Bolsa Família.

Para o líder do PSDB, senador Álvaro Dias, a estratégia da equipe econômica de "escamotear a realidade fiscal" terá como consequência uma "herança terrível" para o país, com aumento da dívida pública e impacto na inflação.

Segundo ele, a maquiagem fiscal será uma das preocupações centrais do partido no retorno do recesso parlamentar, em fevereiro, quando deverão ser apresentados para votação os requerimentos de convocação de audiência pública. A proposta é questionar não apenas a "mágica contábil", mas também os critérios de medição do desempenho da economia.

- O governo vem flexibilizando a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) aos poucos e fazendo retornar a irresponsabilidade fiscal na administração pública. São governos que têm como horizonte temporal a duração da própria gestão - criticou o senador tucano.

O presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), considerou as manobras "um arrumadinho" de péssima qualidade, em referência ao prato nordestino. Para o líder do PSDB na Câmara, Bruno Araújo, as metas foram abandonadas pela equipe econômica.

- Seria honesto por parte do governo ter reduzido a meta (de superávit). Se a presidente Dilma autorizou o ministro Mantega a iniciar um novo ciclo (de política fiscal), ela tem de avisar ao mercado e à sociedade - disse.

Especialistas alertam para risco de inflação

José Guimarães, líder do PT na Câmara, avaliou que o governo agiu corretamente e dentro da "normalidade" ao buscar recursos extras. Se tivesse anunciado que não cumpriria a meta, disse o governista, o Ministério da Fazenda seria acusado pela oposição de ser irresponsável.

- O governo está dizendo aos investidores que cumpre a meta fiscal sem comprometer as nossas reservas internacionais e investimentos públicos, além de manter, fundamentalmente, todos os programas sociais, sobretudo os que estão acabando com a miséria - afirmou.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO, a "contabilidade criativa" protagonizada pela equipe econômica minou a credibilidade da política fiscal e terá como consequências negativas o aumento da inflação e a elevação dos custos para o próprio governo contrair novos empréstimos. Se, por um lado, ao fazer de tudo para cumprir a meta de superávit, o governo tenta manter a confiança do mercado no país, por outro, essas manobras reduzem a segurança dos investidores internacionais.

- Seguramente, já houve impacto significativo no investimento estrangeiro direto. Mas, como o planejamento das companhias é feito para o longo prazo, isso demora a aparecer - afirmou Frederico Araújo Turolla, professor da Escola Superior de Propaganda e Markegint (ESPM) e sócio da Pezco Microanalysis.

Ele lembrou que, nos anos 1970 e 1980, a área fiscal foi o calcanhar de Aquiles que elevou a inflação. Para José Matias-Pereira, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), o grande efeito negativo é a desconfiança com relação à divulgação dos números da economia.

- É importante que o governo esclareça, examine esses dados e traga uma posição, digamos assim, definitiva para evitar que os desgastes não só para ele, mas também para aqueles que trabalham com os dados - avaliou.

No reforço do caixa dos bancos públicos e estatais, em vez de aumentar o seu capital de forma tradicional, o governo prefere emitir títulos públicos, que não têm impacto na receita primária. Em outro momento, essas mesmas instituições repassam dividendos aos cofres públicos, com impacto na receita primárias, o que ajuda a fechar as contas do Tesouro Nacional.

E não bastassem esses artifícios, o governo lançou mão do abatimento de R$ 25,6 bilhões a que tem direito com gastos em investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para cumprir a meta de superávit de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país ), ou R$ 139,8 bilhões prevista para o ano passado.

Fonte do governo vê "miopia" do mercado

Segundo Alex Agostini, economista da Austin Ratings, o mercado pode até aceitar que o governo gaste mais para enfrentar a crise financeira e que, por conta disso, não cumpra temporariamente a meta de superávit primário. Para ele, no entanto, os malabarismos fiscais são desnecessários e nem um pouco tolerados pelo mercado financeiro e investidores.

- O argumento da necessidade de gastar mais para enfrentar a crise seria suficiente. Ficar fazendo engenharia fiscal apenas tira credibilidade do governo. Fica a impressão de que existe algum problema maior para se tomar esse tipo de medida - diz Agostini, acrescentando que a ação abriria brechas para o mercado questionar a capacidade de membros do governo.

O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC), discorda que o descumprimento da meta seria aceitável e lembra que os gastos do governo crescem sistematicamente mesmo nos anos em que não existe crise. Segundo ele, os gastos públicos representavam de 14% a 15% do PIB do país em 1997, início da série histórica do Tesouro Nacional. Esses gastos atualmente representariam de 18% a 19% do PIB.

- Os gastos não crescem em um ano e caem no outro. Só crescem, mesmo em anos bons na economia. E crescem sem qualidade. São mais gastos com funcionalismo, gastos correntes, e não com os investimentos em infraestrutura que tanto precisamos. Os investimentos públicos, na verdade, registraram queda no ano passado. Isso pode, inclusive, ser um fator de pressão para a inflação - diz Schwartsman.

Uma fonte da equipe econômica considerou a visão dos especialistas "bastante míope". Explicou, por exemplo, que o saque de R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano, criado em 2008 como uma poupança pública do país, foi motivado pela incapacidade de estados e municípios de cumprir a meta fiscal, e não do governo central. Ele afirmou ainda que, embora a previsão fosse de ingresso de R$ 29 bilhões de dividendos dos bancos públicos e estatais, até novembro, esse valor tinha chegado a R$ 20,4 bilhões, o que permitiu a antecipação de novos repasses da Caixa Econômica Federal e do BNDES, que totalizaram mais R$ 7 bilhões no último dia do ano.

Essa fonte acrescentou que o crescimento dos investimentos foi de 15,5% acima do PIB no acumulado até novembro, enquanto o dos gastos de custeio (para manutenção da máquina pública) subiram 10,3%, sem citar, no entanto, que estes últimos vinham se mantendo elevados nos anos anteriores.

Fonte: O Globo

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