terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Erradicar a miséria - Almir Pazzianotto Pinto

Nada tão simples de prometer, e tão difícil de realizar, quanto a erradicação da miséria. Desde sempre ouço, da boca de notórios corruptos e inconsequentes demagogos, que em seu governo a pobreza será extirpada, a desigualdade de rendas desaparecerá, todos, indistintamente, terão direito à saúde, à educação, ao trabalho, à segurança, como falsamente promete a Constituição de 1988.

A revista Veja, na edição de 22 de janeiro de 2002, trouxe, como matéria de capa, a denúncia: "Miséria — O grande desafio do Brasil", tendo, como subtítulo a frase "A pobreza extrema de 23 milhões de brasileiros é uma tragédia que não pode ser mais ignorada". Assinada por Ricardo Mendonça, a reportagem veio ilustrada com fotografias em branco e preto de Pedro Martinelli.

É válido perguntar o que teria ocorrido, passados 10 anos, com as crianças fotografadas. Os governos que se sucederam tomaram conhecimento de que existiam, se sensibilizado, e adotado providências destinadas a lhes proporcionar vida minimamente digna e decente? Certamente não. De qualquer forma, seria interessante procurá-las e investigar o que aconteceu, mas não só com elas, também com milhões de outras em condições semelhantes.

O governo Lula, sob a inspiração do ministro Patrus Ananias, lançou o Programa Bolsa Família, como instrumento de combate à miséria. Os resultados permanecem questionados, sobretudo porque não se cuidou da colocação dos supostos favorecidos no mercado de trabalho, ao qual não têm acesso — nos estados mais pobres, por falta de desenvolvimento; nos desenvolvidos, pela ausência de qualificação.

Desde meu retorno de Brasília a São Paulo, também no início de 2002, transito diariamente pela antiga Avenida das Águas Espraiadas, hoje Jornalista Roberto Marinho. Até há pouco tempo, imensa favela se estendia da Avenida Washington Luiz, após o Aeroporto de Congonhas, até a Avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini. Aos poucos, muitos barracos cederam lugar a grandes edifícios, não obstante permaneçam ainda dezenas, habitados por famílias cujo nível de pobreza é desnecessário descrever. Trata-se de uma entre centenas de favelas da capital mais próspera do país, conhecidas como focos de violência, sob controle de traficantes, usuários de drogas e assaltantes, em convívio diário com famílias trabalhadoras.

Ao ver uma criança nos braços da mãe, brincando na calçada, ou a caminho da escola pública, fico a me perguntar o que teria acontecido com aquelas que há 10 anos eu observava nas mesmas condições de carência. Conseguiram, com o precário apoio dos pais, se alfabetizar e continuar estudando na busca de espaço dentro de sociedade competitiva, cujas melhores posições estão reservadas às famílias de elevado poder aquisitivo? Ao chegarem à adolescência, resistiram às pressões do narcotráfico, e não se tornaram usuários de drogas, prostitutas, quadrilheiros, delinquentes juvenis caçados pela polícia?

A presidente Dilma teria prometido que seu governo erradicaria a miséria. Já entrada na segunda metade do mandato, quais os resultados alcançados? Pelo visto, permanecemos como em 2002, quando o PT chegou ao poder.

A cracolândia paulistana é documento inquestionável do malogro federal, estadual e municipal no combate ao tráfico, à marginalidade e à indigência em que permanecem milhões de brasileiros. Se a inépcia das três instâncias de governo não consegue vencer o desafio de recuperar algumas centenas de seres humanos, abandonados à própria sorte no centro de São Paulo, como acreditar, então, nas promessas de extermínio da miséria ao longo do imenso território nacional?

Corrupção e miséria são faces da mesma moeda. Aos corruptos não convém que o povo seja politizado e criterioso na escolha dos homens públicos porque, se e quando isso acontecer, perderão o controle que detêm sobre o eleitorado.

O uso do voto como mercadoria de troca, por dinheiro, promessa de emprego, ou qualquer outro hipotético benefício, é comum entre os necessitados. Descrentes dos candidatos, ignorados pelos governantes, e sem perspectivas futuras, não vacilam em permutá-lo por algo que lhe sugira vantagem imediata ou imaginária.

Faço votos de que a presidente Dilma mantenha o propósito de liquidar a miséria. Restam-lhe, porém, brevíssimos dois anos para oferecer à nação os primeiros resultados. Poderá começar pelo entorno de Brasília.

Almir Pazzianotto Pinto Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Fonte: Correio Braziliense

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