segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A política tem seu calendário - Renato Janine Ribeiro

O Brasil segue, no calendário de suas eleições, um caminho diferente do adotado pela França, Alemanha, Estados Unidos, Espanha, Grã-Bretanha, Argentina e Venezuela, para ficarmos nos países mais presentes em nosso noticiário. Aqui, fomos promovendo cada vez mais a coincidência das eleições. Na França, chega a haver várias consultas populares num ano, somando eleições nacionais, municipais, cantonais e eventuais referendos; nos países que mencionei e que são federações - hoje, quase todos eles - as eleições subnacionais, para o governo de Estados ou províncias, podem acontecer em datas desencontradas. No Brasil, porém, temos duas datas fixas, sempre em anos pares, nas quais se vai às urnas.

Nem todos gostam disso. Mas, curiosamente, a crítica mais frequente não é para que adotemos o modelo mais liberal dos países acima. Em quase todos eles, há maior liberdade para fixar as datas das eleições subnacionais e por vezes até a duração de seus mandatos. No parlamentarismo, como é da essência do sistema que possa haver a dissolução do Parlamento para que o povo resolva eventuais crises de governabilidade, não há datas estritas para os pleitos. No Brasil, porém, quando se critica o calendário eleitoral, não é para dizer que temos eleições de menos e que o povo deveria votar com maior frequência. Ao contrário: é para sustentar que temos eleições de mais e deveríamos concentrar todas numa única data, elegendo simultaneamente executivos e legisladores da União, dos Estados, Distrito Federal e municípios.

Insisto: nossa exceção não é termos eleições demais. É irmos pouco às urnas. Ou seja, quem quiser promover a coincidência de todos os mandatos deve sugerir argumentos melhores. Será bom que explique por que o Brasil deveria ir numa direção que não é a de sua história, nem a do resto do mundo.

Ações de governo precisam ter continuidade

Mas, falando de calendário, é bom aproveitar o início, que ora ocorre, dos mandatos municipais para comentar uma espécie de lei que rege nossos governos de todas as instâncias. O primeiro ano de um governo eleito é dedicado a tomar pé. Tem-se um orçamento que foi votado na gestão finda (o que poderia ser modificado se o mandato começasse quarenta e cinco dias antes, o bastante para que os novos, não os velhos, governantes aprovassem o orçamento do primeiro ano). Vão sendo preenchidos os cargos aos poucos, o que não raro demora até dois anos (solução: reduzir os cargos de confiança e aumentar os de carreira). O novo governante também contém despesas, faz caixa e, assim, descumpre as promessas que fez a seus eleitores. Diz a eles que, com o tempo, elas serão atendidas. Às vezes, isso acontece.

O segundo ano de governo é de preparo para outras eleições. Em 2014, os prefeitos mostrarão serviço, para ajudar seus candidatos nos Estados e na União. O terceiro ano é o melhor ano de governo. A administração já completou seus quadros de confiança, os projetos andam. No quarto ano termina o mandato, e ocorrem novas eleições: com sorte, investe-se; com azar (para o povo e o futuro), gasta-se. Lembro uma cidade da Grande São Paulo, com grandes problemas sociais, em que no ano da eleição o prefeito inaugurou uma frota de micro-ônibus com ar condicionado e até frigobar. Depois do pleito, eles sumiram.

Há soluções para isso? Sugeri acima a antecipação da posse, para que o novo Executivo e Legislativo decidam o orçamento do ano entrante. Mais ambicioso e difícil, porém crucial, será dar maior estabilidade à administração. É preciso termos programas de governo que não dependam de uma canetada do poder executivo, como hoje é o caso. Qualquer dirigente, atualmente, pode criar ou eliminar programas. Aliás, como diretor que fui do setor principal (mas o mais barato) da Capes, que é a avaliação dos cursos de doutorado e mestrado do Brasil, vi como os políticos dão mais importância ao que é novidade, ao que impressiona a mídia, do que às ações de base, permanentes, que não fornecem notícias. Uma avaliação, por exemplo, geralmente aponta 3 ou 4% de cursos excelentes; esse porcentual deve ser mais ou menos fixo, senão se inflaciona a avaliação e ela perde o sentido; mas o sonho de qualquer político é dizer que os melhores cursos passaram, digamos, de quatro a dez por cento. A seu modo, isso vale para as escolas, os hospitais, as estradas: o que é sólido é lento, depende de muito esforço e não gera notícias. Daí, justamente, a necessidade de que os programas de governo sejam mais estáveis. E, com isso, é preciso capacitar servidores de carreira que possam conduzi-los no governo de um partido ou outro, até para não termos mais as perdas de tempo que assinalei: pelo meu raciocínio, o melhor ano de governo é o terceiro; todos os outros são anos de governo prejudicados pelo calendário. Sem essa reforma da função pública, não haverá "choque de gestão" ou o que seja. Mas nada disso se resolve fazendo coincidir todas as eleições, o que apenas aumentaria a distância entre o povo teoricamente soberano e seus supostos mandatários, reduzindo o controle do eleitor sobre o eleito.

O que atenua esses males é, paradoxalmente, a reeleição. O governante reeleito tem um mandato quase inteiro, limpo, para dar continuidade ao que iniciou. Com o aval dos eleitores, que aprovaram sua gestão, ele já não precisa conviver com um orçamento desconhecido (primeiro ano) nem compor uma administração nova (primeiro e segundo ano). Por isso mesmo, se formos contestar a reeleição, como propôs Marina Silva em sua por sinal importante entrevista ao Valor nesta sexta-feira, será preciso não perder esses benefícios que ela trouxe.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

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