domingo, 14 de outubro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Ayres de Britto: ‘o mensalão maculou a República’ (LXI)

Com a velha, matreira e renitente inspiração patrimonialista, um projeto de poder foi arquitetado. Não se governa, porque projeto de governo é licito, mas um projeto de poder que vai muito além de um quadriênio quadruplicado, muito mais de continuidade administrativa. É continuísmo governamental. Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia, que é republicanismo, que postula renovação dos quadros de dirigente.
 
Ayres de Britto, presidente do STF, sobre o mensalão

Manchetes dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Paes alega defasagem e admite reajustar IPTU
Mensalão: reta final no 2º turno
Na mira dos arapongas
Em SP, corrida com fé
Pobre país rico: Imigrante ilegal se aposenta no Brasil

FOLHA DE S. PAULO
Dilma prepara cotas raciais para servidor
Governo e PIB fraco inibem capital externo, diz investidor
Uruguai se destaca com leis liberais de direitos civis
Serra diz que vitória eleitoral no 2º turno não absolverá o PT

O ESTADO DE S. PAULO
PT e PMDB usam 2º turno como prévia para aliança em 2014
Eduardo Campos mira disputa do Planalto
"O objetivo do kit gay era doutrinar", diz Serra
Estrangeiros compram o dobro de empresas locais

CORREIO BRAZILIENSE
Brasileiros investem mais em casa própria
Torcida por pena branda

ESTADO DE MINAS
Mulheres: Presença feminina diminui nas Câmaras municipais.
Há vagas: Sem José Dirceu, PT tenta encontrar novos líderes
Valorização: Oferta de crédito mantém venda de imóveis em alta

ZERO HORA (RS)
Fortalecidos pelas urnas
Gosto pela lida
As lições jurídicas do mensalão

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Bancos ignoram leis de segurança
Oposição não deve incomodar Geraldo Julio
Família desmente boato sobre a morte de Fidel

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Mensalão: reta final no 2º turno

A reta final do julgamento do mensalão, quando o Supremo decidirá se os acusados agiam como uma quadrilha, vai coincidir com a última semana do segundo turno das eleições. Especialistas divergem sobre o impacto do julgamento no resultado das urnas, mas destacam que a punição do STF a corruptos leva o eleitor a pensar melhor na hora de votar.
 
Mensalão vai até 2º turno
 
STF deve decidir na semana anterior ao dia 28 se houve formação de quadrilha
 
Carolina Brígido
 
UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA
 
BRASÍLIA - O processo do mensalão vai entrar na reta final com o julgamento da última parte da acusação previsto para as vésperas do segundo turno das eleições municipais. Brasileiros de 50 cidades voltarão às urnas no dia 28 deste mês. Na semana que antecede o pleito municipal, o Supremo Tribunal Federal vai decidir se o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e os principais pagadores de propina formavam uma quadrilha. Até agora, a Corte referendou a maior parte da denúncia do Ministério Público Federal e, com isso, derrubou mitos criados ao longo dos últimos anos - o principal deles, o de que não haveria provas para condenar integrantes da cúpula do governo Lula e do PT.
 
O primeiro turno ocorreu no auge do julgamento, quando o tribunal já havia sinalizado a condenação de Dirceu, do ex-presidente do PT José Genoino e do ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares por corrupção. Na semana seguinte ao primeiro turno, as condenações se consumaram. Para o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UnB), o julgamento tem poderes para influenciar o comportamento do eleitor em prejuízo do PT:
 
- Tem um impacto. Que este impacto existe, é inegável. A TV está mostrando o julgamento. Mas ainda não podemos saber exatamente qual é o impacto: ou seja, quantos eleitores votariam no PT e desistiram diante das notícias do julgamento. Não temos pesquisa com esse dado.
 
Caldas diz que o julgamento, com resultado inédito de punição em massa para políticos corruptos, pode inibir crimes de gestores públicos no futuro e levar o eleitor a pensar melhor:
 
- O julgamento impacta no sentido de desestimular políticos a sair da linha. E tem caráter pedagógico, forma um eleitor mais consciente.
 
O cientista político Luiz Werneck Vianna, da PUC-Rio, também crê que o julgamento interfere nas urnas. Mas de forma restrita:
 
- Esse tema não chega a grande número de eleitores. Chega aos mais bem informados; não creio que a informação seja massificada. O resultado interfere no voto de setores de camadas médias para cima.
 
Até agora, dos 37 réus, 25 foram condenados - entre eles, o chamado núcleo político, Marcos Valério e seu grupo, a cúpula do Rural e deputados que teriam recebido dinheiro do valerioduto. Por enquanto, foram absolvidos o ex-ministro Luiz Gushiken; o ex-assessor parlamentar Antonio Lamas; Ayanna Tenório, ex-funcionária do Rural; Geiza Dias, que trabalhava para Valério; o ex-deputado Professor Luizinho (PT); e os assessores Anita Leocádia e José Luiz Alves. Esta semana, o STF termina de julgar os acusados de lavagem e analisa as acusações contra os publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes. A expectativa é que o julgamento termine entre fim de outubro e início de novembro.
 
Entre as lendas derrubadas pelo STF está a de que ministros indicados pela presidente Dilma Rousseff ou por seu antecessor Lula absolveriam ao menos os petistas. Dos 11 ministros no julgamento, oito foram nomeados pela dupla petista. Dos oito, só dois tenderam a absolver mais: Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
 
Outra tese que foi por água abaixo é a de que Dirceu dificilmente seria condenado por falta de prova cabal de que ele havia comprado apoio. Segundo o advogado Nabor Bulhões, o STF inovou ao considerar provas indiretas para condenar um réu pela natureza do crime praticado - corrupção por agente público. Bulhões conhece bem o processo, pois foi designado como advogado de réus eventualmente sem defensor. Mas sua participação não foi necessária.
 
- Alguns paradigmas foram revistos. O Supremo não afirmou que é possível condenar sem prova do crime, como disseram algumas pessoas. O que o Supremo afirmou é que, considerada a prática de infração penal por quem exerce cargo de poder econômico e político, a Corte há de flexibilizar certos posicionamentos quanto à exigência de prova absoluta que se possa exigir quanto a crimes comuns. O Supremo disse que, nesses casos, o exame da prova pode merecer flexibilização, sem abandono dos paradigmas democráticos - explica Bulhões.
 
Bulhões observa que o STF conjugou elementos da CPI dos Correios, que começou a investigar o caso, e da fase processual. Sozinhos, os elementos não poderiam ser considerados prova condenatória. Conjugados, ajudaram os ministros a montar o quebra-cabeça dos fatos:
 
- O STF talvez tenha sido mais rigoroso neste processo, porque eram pessoas que exerciam poder político e econômico. Não vejo perigo na orientação que o STF adotou neste julgamento.
 
Outra expectativa que se frustrou foi a de que, com a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, havia o risco de empatar a votação relativa a Dirceu, condenado por corrupção ativa com folga, por oito votos a dois. Resta saber se o placar vai se repetir na última parte do julgamento, quando os ministros analisarão a denúncia de formação de quadrilha contra o núcleo político.
 
Uma polêmica foi a de que o STF estaria abandonando a própria jurisprudência para condenar os réus. Isso porque, no julgamento do ex-presidente Fernando Collor, o tribunal declarou que era preciso vincular recebimento da vantagem indevida a um ato de ofício - uma providência que a autoridade poderia ter tomado em favor do corruptor - para a configuração do crime de corrupção. Na época, Collor foi absolvido, pois os ministros não acharam esse vínculo. Já os réus do mensalão foram condenados.
 
Bulhões, que atuou no caso Collor, explica que a orientação do tribunal não mudou. Isso porque, agora, os ministros viram prova de que houve ato de ofício: os votos dos parlamentares em prol do governo.
 
- Não há divergência na doutrina. Você pode encontrar em um ou outro voto (de ministros do STF) alguma flexibilização, mas não foi o que a maioria decidiu. Os ministros identificaram o ato de ofício. O tribunal viu relação entre a vantagem indevida e o ato de ofício, que foram as votações no Congresso - diz o advogado.
 
Fonte: O Globo

O julgamento do mensalão e o PT


Mário Machado

A cúpula do PT durante o primeiro governo Lula foi condenada por corrupção pelo STF. Que conclusões políticas podemos tirar disso?

Primeiro: se a condenação tivesse sido decidida por apertada maioria de votos, seria inevitável que afirmassem tratar-se de julgamento de exceção, como se isso pudesse ocorrer impunemente em um estado democrático de direito e, ainda por cima, de maneira tão transparente. Mas a condenação resultou de ampla maioria e até unanimidade.

Segundo: o STF deixou claro que a corrupção pública encontrou um sério adversário no tribunal. Não mais poderão os partidos políticos usar e abusar do caixa dois. Doadores e receptores deverão agora pensar antes de se envolver nesse tipo de negociata, porque os riscos de punição aumentaram muito. E se outros casos similares existem, como o mensalão mineiro, que sejam igualmente julgados e punidos. Agora e sempre.

Terceiro: o ex-presidente Lula não mais poderá alegar que o mensalão nunca existiu, que tudo não passou de uma tentativa de golpe das elites contra seu governo. O STF reconheceu que partidos foram comprados e inchados com recursos financeiros do valerioduto, tudo decidido pela direção do PT, para construir a base parlamentar do governo. Pode o ex-presidente continuar a dizer que só admite que sua biografia seja julgada pelo povo, como se pairasse acima das leis? Perigosa, mas inútil arrogância.

Quarto: o PT passou a ter uma ficha suja em seu patrimônio político, e vários de seus dirigentes já começaram a se afastar, mas só agora, dos companheiros condenados. Pois, se o julgamento do Supremo é complexo, a ideia de ficha suja é fácil de entender. Todo munda sabe o que é. Assim, embora esse julgamento não tenha tido maior impacto no primeiro turno da eleição municipal, diferente será daqui para a frente, à medida que um número crescente de cidadãos tome consciência do que se passou. Bem distintas poderão ser as eleições presidenciais de 2014.

Fonte: O Globo

Na mira dos arapongas


Nos anos 80, um discurso do então promotor Celso de Mello chamou a atenção dos órgãos de segurança da ditadura. Como ele, outros futuros ministros do STF foram espionados.

De vigiados a ministros do STF

Documentos mostram que regime militar monitorou magistrados

Thiago Herdy

PASSOS REGISTRADOS

SÃO PAULO - Pelo menos cinco dos atuais dez ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram monitorados pelos órgãos de inteligência do regime militar. Documentos inéditos dos arquivos do Serviço Nacional de Informação (SNI) e do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops) obtidos pelo GLOBO mostram que pouco importava o engajamento deles com a oposição ao governo militar. Mais importante era registrar seus passos. Até a última sexta-feira, nem mesmo os ministros sabiam que tinham sido monitorados.

Os militares registraram o comportamento do promotor Celso de Mello quando foi chamado no início dos anos 1980 a opinar sobre a legalização da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE/SP). Em seu despacho, ele escreveu que a entidade estava revestida de "inegável legitimidade, a que não pode se opor o resíduo autoritário, hoje agonizante". Anos antes, na inauguração do Fórum de Osasco (SP), as autoridades haviam se recusado a aplaudir seu discurso em defesa do direito do homem à vida e à liberdade, o que também foi digno de registro.

Documento do SNI mostra que em Bonn, na Alemanha, o funcionário do Itamaraty Gilmar Mendes assistiu à palestra do bispo Adriano Hipólito sobre as contradições sociais e econômicas do Brasil, mais um capítulo "da campanha difamatória do país no exterior", segundo o registro. Atos capazes de "perturbar a ordem e o bom andamento do serviço público" que contassem com a colaboração de diretores da companhia de Processamento de Dados de São Bernardo do Campo, entre eles Ricardo Lewandowski, foram informados imediatamente aos órgãos de segurança, no fim dos anos 70.

Pouco mais de uma década depois, o advogado Carlos Ayres Britto teve "participação destacada" em protesto feito em Aracaju (SE) contra a presença americana no Golfo Pérsico, registrou telex redigido por um agente de informação. A procuradora do Estado Cármen Lúcia Rocha participou de evento em defesa da sindicalização do servidor público, em 1987, e contou com militares infiltrados na plateia.

- Por causa do discurso em Osasco, tive minha carreira congelada no MP. Hoje, é fácil fazer críticas ao regime de então. Difícil era enfrentar os riscos quando estava vigente o AI-5. Estou em paz com minha consciência. Cumpria meu dever - disse o ministro Celso de Mello.

No texto de 1977, Mello afirma que de "nada adianta juízes inteligentes, íntegros e capazes" se "ao Ministério Público não for atribuída a força necessária para arrastar os poderosos perante os tribunais". Em relatórios enviados ao Dops, delegados reclamam do promotor que aparece de surpresa nas delegacias para verificar as condições dos presos. O secretário de segurança chegou a chamá-lo de "promotor subversivo que indispõe a polícia com a população".

- Nunca tive atuação política. Esses registros mostram o mal que os regimes autoritários fazem - disse Gilmar Mendes, que morou na Alemanha como funcionário do governo, mestrando e doutorando da Universidade de Münster.

Em 1988, o serviço de informação registrou a ida de sua mulher à República Democrática Alemã (RDA), porção oriental do país que vivia sob o regime comunista. Um erro já que Mendes estudou na porção ocidental e capitalista do país, a República Federal da Alemanha (RFA).

- É uma sensação orwelliana - classificou o ministro Ricardo Lewandowski, em referência ao livro "1984", de George Orwell, e à "sensação de estar permanentemente monitorado e vigiado".

Ele trabalhava em empresa pública e sabia de infiltrados:

- Hoje vivemos um regime de abertura política. Todo mundo pode dizer o que pensa. A imprensa age com desenvoltura.

Os ministros Ayres Britto e Cármen Lúcia não quiseram falar. Perguntado sobre os que acusam o STF de realizar um juízo político e de exceção em relação ao mensalão, Lewandowski deu a entender que caberá à História julgar eventuais erros:

- Para fazer um julgamento do julgamento, é preciso haver uma perspectiva histórica mais ampla.

Celso de Mello e Gilmar Mendes rebateram com veemência a interpretação dos réus condenados:
- Estamos analisando todas as circunstâncias e os elementos de defesa. As pessoas indicadas pelas presidências do PT (Lula e Dilma) têm votado pela condenação. São pessoas importantes do mundo político, que precisam ter uma bandeira - disse Gilmar, referindo-se aos réus que denunciam o Estado de exceção.

- Está garantido um julgamento justo, isento, imparcial e realizado de modo plenamente independente. E sob amplo escrutínio público - completou Celso de Mello.

Fonte: O Globo

STF já discute quando réus serão mandados à prisão


Prisão imediata deve ser negada para não fortalecer tese de julgamento político

Tendência é agilizar o acórdão, que não tem prazo para ser publicado, e julgar com rapidez os embargos

Felipe Seligman, Márcio Falcão

BRASÍLIA - Na reta final do julgamento do mensalão, os ministros do Supremo Tribunal Federal começam a discutir o momento em que réus condenados serão mandados à prisão.

A tendência, segundo a Folha apurou, é que não prevaleça o pedido do Ministério Público de prisão imediata.

Até agora, já foram condenados 25 dos 37 réus pelos crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, gestão fraudulenta, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Entre os que foram considerados culpados estão o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil), o ex-presidente do PT José Genoino, o empresário Marcos Valério e a dona do Banco Rural, Kátia Rabello.

O STF entendeu que todos, de alguma forma, participaram do esquema de desvio de recursos públicos para comprar o apoio político de parlamentares nos primeiros anos do governo Lula.

Ao final do julgamento, que ainda tem pela frente três capítulos, os ministros estabelecerão a dosimetria (o tamanho) das penas. Ainda não é possível saber que réus irão efetivamente para a prisão. Pelo Código Penal, o regime é inicialmente fechado para penas a partir de oito anos.

Com o fim dos capítulos, os ministros terão de definir quando essas punições começarão a serem executadas.

Há três opções: imediatamente após a sentença, independentemente da publicação da decisão (acórdão) e respectivos recursos (embargos de declaração); quando o acórdão for publicado; ou somente após a análise de todos os recursos propostos.

Procuradoria

Quando apresentou a acusação, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a prisão imediata dos condenados, alegando que os eventuais recursos não teriam poder para mudar o mérito decidido pelo tribunal.

Ministros ouvidos pela Folha, no entanto, descartam a possibilidade de apressar a efetivação das condenações. Segundo seus argumentos, isso seria incoerente com o posicionamento recente do próprio tribunal, que desde 2010 já condenou cinco parlamentares que até hoje não começaram a cumprir a pena.

Entre eles estão o deputado Natan Donadon (PMDB-RO) e os ex-deputados José Tatico (PTB-GO) e Zé Gerardo (PMDB-CE), que entraram com recursos ainda não julgados contra as condenações.

A avaliação é que não seria conveniente aplicar um rito diferenciado ao processo do mensalão para não alimentar a tese, defendida por petistas, de que o Supremo realizou um julgamento político e de exceção.

A ideia é agilizar o acórdão, que não tem prazo para ser publicado, e julgar rapidamente os embargos (que só podem questionar omissões, contradições e obscuridades da decisão) propostos contra as condenações.

Sessão extra

Para evitar outras críticas, os ministros do STF marcaram para a manhã da próxima quarta uma sessão para tratar de outros assuntos. Na pauta estão exatamente os recursos de Donadon e Tatico.

Com o julgamento, eles poderão cumprir as penas já a partir da semana que vem.

Tatico foi condenado a sete anos de prisão, em regime semiaberto, pelos crimes de sonegação e apropriação indébita de contribuição previdenciária. Donadon foi condenado a 13 anos de prisão por desviar verbas públicas.

Fonte: Folha de S. Paulo

Torcida por pena branda

Com o término do julgamento dos envolvidos no mensalão , resta aos condenados torcer por uma pena reduzida . Quem cometeu mais delitos não deverá escapar da prisão em regime fechado

A agonia dos condenados

Ao término do julgamento, a única esperança para quem participou do esquema será torcer pela determinação de penas mínimas, o que poderia livrar muitos da prisão em regime fechado

Helena Mader, Diego Abreu

Diante das condenações em série proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), só resta aos réus considerados culpados torcer pela definição das penas mínimas previstas para cada crime. Para os condenados por dois ou mais delitos e que dificilmente escaparão da prisão em regime fechado, a legislação penal prevê dezenas de benefícios que vão desde a progressão de pena até o indulto presidencial. Essas benesses legais só poderão ser solicitadas, entretanto, após o início do cumprimento da pena. Somente depois de efetivamente presos é que os condenados pelo mensalão poderão recorrer à lei penal para tentar uma punição mais branda.

Apesar de já ter condenado 25 réus, o Supremo ainda não discutiu as penas. Essa definição só será feita depois da conclusão do julgamento, prevista para o início de novembro. Nessa fase, os ministros levarão em conta a vida pregressa dos acusados, verificarão se eles são réus primários e se há agravantes e atenuantes para o delito cometido.

O empresário Marcos Valério e dois de seus ex-sócios já foram condenados por corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro. Ainda serão julgados por evasão de divisas e formação de quadrilha nas próximas semanas. Para esses réus, a possibilidade de escapar da prisão em regime fechado é mínima. Eles dependem agora de uma importante definição que será discutida após a conclusão do julgamento. Os ministros vão decidir se acatam a proposta do Ministério Público Federal de fixar a punição com base no concurso material — quando a pena é multiplicada pelo número de vezes que o crime foi cometido — ou se adotam o princípio do delito continuado, quando é aplicada uma única vez, e a repetição da conduta funciona apenas como agravante, aumentando o tempo de punição de um sexto a dois terços.

Marcos Valério, por exemplo, responde por 65 operações de lavagem de dinheiro e 53 vezes por evasão de divisas. O ex-ministro José Dirceu foi condenado por nove crimes de corrupção ativa. No caso do antigo chefe da Casa Civil, a pena máxima poderia chegar a 108 anos de cadeia, caso os magistrados acatem a tese de concurso material.

Na hipótese de o Supremo usar o princípio do concurso material para calcular as penas, alguns réus podem ficar sem o direito à progressão para o semiaberto. Esse benefício é assegurado depois do cumprimento de um sexto da pena. Mas um acusado que receber punição superior a 180 anos, por exemplo, só poderia ir para o semiaberto depois de 30 anos — tempo máximo que um preso pode ficar atrás das grades segundo a legislação penal brasileira.

Polêmica

A professora de direito penal da Universidade Católica de Brasília Soraia Mendes acredita que a definição acerca do uso da tese de delito continuado ou de concurso material vai avocar muita polêmica no Supremo. “Se o réu José Dirceu for condenado nove vezes por corrupção ativa, poderá pegar pena de até 108 anos de cadeia. Nesse caso, só teria direito a progressão de pena depois de 18 anos”, exemplifica a doutora em direito penal.

O deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), condenado por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato, deve pegar punição em torno de nove anos de cadeia, caso os ministros estipulem penas próximas das mínimas. Nesse caso, depois de um ano e meio atrás das grades, ele já poderia ser beneficiado com a progressão para o regime semiaberto.

Um dos benefícios da legislação penal que poderá ajudar os condenados do mensalão é a remissão de pena. Ela permite a redução do tempo atrás das grades caso os presos trabalhem ou estudem na prisão. “Como a maioria dos réus do mensalão tem nível superior, não consigo visualizar como eles poderiam seguir algum dos cursos oferecidos no sistema penitenciário. Mas eles poderiam, sim, trabalhar na cadeia. Nesse caso, seria reduzido um dia de pena para cada três trabalhados”, explica Soraia Mendes.

O professor de direito penal da Universidade de Brasília (UnB) e juiz federal aposentado Pedro Paulo Castelo Branco explica que os réus com pena inferior a quatro anos não devem ir para a cadeia. “Eles poderão cumpri-la em regime aberto ou outra pena alternativa, de trabalhos em prol da sociedade, de cunho solidário, ou até mesmo prisão domiciliar”, explica o especialista. Encaixam-se nessa situação os réus condenados por lavagem de dinheiro que pegarem pena de até quatro anos, desde que consigam ficar com a pena mínima de corrupção passiva, de dois anos, que já estaria prescrita. Condenados como os ex-deputados Romeu Queiroz e Roberto Jefferson estão nessa situação.

Fonte: Correio Braziliense

A raiz do mensalão - Merval Pereira


Pode até ser que o mensalão não impeça o PT de vencer a eleição para a prefeitura de São Paulo, como indicam as primeiras pesquisas, mas me parece inegável que o partido sofrerá a médio prazo os efeitos de seu desprezo pelas regras éticas na política. O PT nasceu defendendo justamente um novo modo de fazer política e foi assim que chegou ao poder, mesmo que no período anterior à eleição de 2002 já estivesse envolvido em diversas situações nebulosas nas prefeituras que vinha governando.

Os assassinatos de Celso Daniel, prefeito de Santo André, e Toninho do PT, prefeito Campinas, são dois exemplos da gravidade dos problemas que envolviam o PT já antes de chegar ao poder central do país, com irregularidades em serviços como coleta de lixo e distribuição de propinas para financiamento de eleições. Quando o escândalo do mensalão eclodiu, em 2005, dois dos fundadores do PT, o cientista político César Benjamin e o economista Paulo de Tarso Venceslau, revelaram os bastidores da luta de poder dentro do partido nos anos 90 do século passado, ocasião que eles identificam como o "ovo da serpente" no qual teria sido gestado esse projeto de poder que acabou desaguando nas práticas de corrupção.

Coordenador da campanha de Lula a presidente em 1989, Benjamin garantiu que "o que está aparecendo agora é uma prática sistêmica que tem pelo menos 15 anos no âmbito do PT, da CUT e da esquerda em geral. Nesse ponto, a responsabilidade do presidente Lula e do ex-ministro José Dirceu é enorme". O episódio do mensalão seria o desdobramento de uma série de práticas que começaram na gestão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) no fim dos anos 90, quando Delúbio Soares foi nomeado representante da CUT na gestão do fundo. Esse tipo de prática, segundo César Benjamin, deu "ao grupo do Lula" uma arma nova na luta interna da esquerda. O esquema de Marcos Valério foi apenas um upgrade na prática de desvio de verbas públicas para financiar campanhas eleitorais.

"Esse esquema pessoal do Lula começou a gerenciar quantidades crescentes de recursos, e isso foi um fator decisivo para que o grupo político do Lula pudesse obter a hegemonia dentro do PT e da CUT", disse Benjamin.

Paulo de Tarso Venceslau, companheiro de exílio do ex-ministro José Dirceu, foi expulso no começo de 1998 depois de denunciar um esquema de arrecadação de dinheiro junto a prefeituras do PT organizado pelo advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula, na casa de quem morou durante anos.

Um relatório de investigação interna do PT, assinado por Hélio Bicudo, José Eduardo Cardozo, hoje ministro da Justiça do governo Dilma, e Paul Singer, concluiu pela culpa de Teixeira, mas quem acabou expulso do partido foi Venceslau. Ele identifica esse episódio como o momento em que "Lula se consolida como caudilho, e o partido se ajoelha diante dele". Para ele, "um caudilho com esse poder, um partido de joelhos e um executor como o Zé Dirceu só podiam levar a isso que estamos vendo hoje", garantiu Venceslau.

Segundo ele, na entrevista daquela ocasião, "evidentemente que Lula não operava, assim como não está operando hoje, mas como ele sabia naquela época, ele sabe hoje, sempre soube".

A reação do PT ao julgamento do mensalão tem obedecido a uma oscilação que depende dos interesses políticos do partido. Da reação inicial de depressão e pedido de desculpas à afirmação de que o mensalão não passava de caixa dois eleitoral, o então presidente recuperou forças para se reeleger.

A partir daí, o mensalão passou a ser "uma farsa". Agora, que o esquema foi todo revelado à opinião pública, o PT diz que o julgamento é golpe dos setores reacionários contra um governo popular. O que importa é vencer a eleição em São Paulo, comandada por José Dirceu, como sempre comandou. O mensalão não terá a menor influência no eleitorado, diz o imediatista Lula, que pensa na próxima eleição sem pensar na próxima geração.

Os ensinamentos que o episódio poderia proporcionar ao partido, permitindo que recuperasse o rumo que, pelo menos em teoria, era o seu ao ser fundado, vai sendo engolido pelo pragmatismo que levou o PT aonde está hoje: no poder, mas em marcha batida para se transformar em mais uma legenda vulgarizada pela banalização da política.

Fonte: O Globo

O desconforto da nação petista - Elio Gaspari


Se STF foi tribunal de exceção, com que roupa os comissários tratarão os mensaleiros de outros partidos?

Os argumentos do desconforto de comissários, intelectuais e políticos da nação petista diante das sentenças do Supremo Tribunal Federal colocam-nos na situação do sujeito que usa livre-arbítrio para acreditar que a rua Barata Ribeiro é uma transversal da avenida Atlântica. Pode acreditar nisso, mas nunca mais será capaz de achar um endereço em Copacabana.

Oito dos 11 ministros da corte foram nomeados por Lula e Dilma Rousseff. Ao sustentar que esses juízes formaram um tribunal de exceção, os companheiros deslustram o mérito das indicações dos governantes petistas.

Salvo os doutores Toffoli e Lewandowski, a corte teria cedido a uma pressão dos meios de comunicação. Se essa influência fosse infalível, como explicar que a mesma corte, por unanimidade, reconheceu a constitucionalidade das cotas para as vagas nas universidades públicas? Contra elas estava a unanimidade dos grandes meios de comunicação, ressalvada a autonomia assegurada a alguns articulistas.

Dois condenados (José Dirceu e José Genoino), ergueram em suas defesas passados de militância durante a ditadura. Tanto um como outro defenderam projetos políticos que transformariam o Brasil num Cubão (Dirceu) ou numa Albaniona (Genoino).

Felizmente, a luta de políticos como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Paulo Brossard trouxe esses militantes perseguidos para a convivência democrática, e não o contrário. Se tivessem prevalecido as plataformas do PC do B ou do Molipo, Ulysses, Tancredo e Brossard teriam vida difícil.

A teoria da conspiração contra guerrilheiros heroicos estimula construções antidemocráticas de denúncia da justiça e da imprensa a serviço de uma elite. Nos anos 60, muita gente achou que a luta contra a "democracia burguesa" passava pela radicalização e até pelos trabucos. Deu no que deu.

Ficaria tudo mais fácil se os companheiros entendessem que fizeram o que não deviam e foram condenados. Endossaram a teoria da impunidade do caixa dois eleitoral porque acharam que ela os protegeria. O melhor a fazer seria reerguer a bandeira abandonada da moralidade. Assim poderão batalhar pela condenação de mensaleiros de outros partidos e apresentar-se aos eleitores com um projeto livre de capilés.

Fonte: Folha de S. Paulo

A grande lição - Míriam Leitão


Dois erros opostos estão sendo cometidos na reação ao julgamento do mensalão. Aproveitar-se politicamente do momento doloroso para um grupo político, dizendo que ele é a condenação de um único partido; acusar o Supremo Tribunal Federal de ser um tribunal de exceção. Setores da oposição cometem o primeiro; o PT é responsável pelo segundo, e pior, dos erros.

O segundo é mais perigoso porque enfraquece a confiança na democracia. Alguns dos que fazem a acusação ao STF já enfrentaram tribunais de exceção e sabem exatamente a diferença de ser julgado pela Justiça Militar, sem direito de defesa e com leis criadas pela ditadura. Agora, todos têm amplo direito de defesa, as leis que recaem sobre eles são legítimas, o devido processo legal tem sido seguido, todo o debate é aberto e transparente, a sentença é colegiada.

O primeiro é um equívoco de quem não entende, ou não quer entender, o sentido da travessia que o país está fazendo. A lei da ficha limpa e o julgamento do mensalão são etapas do processo de aperfeiçoamento da democracia representativa. O país quer representantes nos quais confiar, quer critérios de exercício de poder que separem o público do privado, quer transparência e prestação de contas no uso do dinheiro coletivo.

Há vários sinais de que a nova etapa da busca de maior qualidade da democracia é uma exigência do país como um todo. Os condenados têm feito acusações de que há uma suposta conspiração da "mídia conservadora" e que o Supremo se comporta como uma corte das ditaduras. O mais correto é que vissem o que cometeram de errado, para aprender com os erros. A acusação é lesiva, perigosa, injusta e falsa.

Provavelmente a imprensa cometeu erros na cobertura e tem que humildemente ver onde estão os equívocos e eventuais excessos para corrigi-los. Mas a acusação de conspiração é um delírio. A imprensa está acostumada com as críticas, algumas fundamentadas, outras resultado da natural tendência de culpar-se o mensageiro. Imprensa não é um conceito monolítico, há vários meios, opiniões diferentes e escolhas editoriais divergentes.

O mais perigoso para a democracia é que os réus e seus apoiadores acusem o órgão máximo do Poder Judiciário. As acusações são mentirosas e minam a confiança num pilar da democracia. A cúpula do PT quando faz isso reproduz a mesma atitude torta do início de sua vida como partido, quando costumava não reconhecer as derrotas e levantar aleivosias de fraude.

Até a imprensa internacional já entendeu a impossibilidade de ser tudo um golpe contra o governo. Primeiro, porque ele já concluiu seu mandato. Segundo, porque o Supremo tem a maioria de integrantes nomeados nos mandatos de Lula e Dilma e os procuradores-gerais foram escolhidos pelo ex-presidente e a atual mandatária. A tese não tem a mínima plausibilidade e é um atentado à confiança no Estado de Direito.

É um momento doloroso para o Partido dos Trabalhadores. Dois dos seus ex-presidentes e dirigentes estão sob a ameaça concreta de irem para a prisão. Alguns já estiveram presos por motivos que engrandecem suas biografias. Mas, como bem explicou a ministra Cármen Lúcia, não se está julgando biografias. E alguns dos réus têm muito do que se orgulhar em suas trajetórias de vida. Os acertos antigos não lhes deram imunidade. Os erros atuais não tiram o mérito dos velhos atos de bravura.

O que está sendo condenado é o uso do aparato de Estado como propriedade partidária para um projeto de perpetuação no poder. Isso é inaceitável em qualquer partido. Essa é a grande lição.

Fonte: O Globo

Rendição pragmática – Roberto Romano


Pela "governabilidade", PT e PSDB sacrificaram seus programas de esquerda ou centro-esquerda

O segundo turno das eleições paulistanas retoma o dramalhão dos Montecchios contra os Capuletos, sem casal inocente para ser lamentado. PT e PSDB têm origens próximas e fontes comuns de pensamento. Ambos surgem como alternativas de esquerda ao "socialismo real", seus programas pretendem mudar as formas capitalistas no âmbito e limites do Estado democrático. Os dois partidos foram e são próximos da social-democracia europeia, com variantes próprias à cultura política brasileira.

O PT retoma três paradigmas de sociedade e de Estado. O primeiro é a doutrina clássica do poder político que deve ser colhido eleitoralmente. Mas para a representação marxista radical o Estado é ilegítimo, mesmo com eleições e demais ritos burgueses. Representantes dessas tendências estão no PT. Existem também os trotskistas, que postulam a luta revolucionária no plano internacional. Daí sua suspeita contra o PT e o sindicalismo nacionalista que o inspira. Alguns remanescentes da Quarta Internacional desconfiam de Lula: ele seria um líder pré-fabricado (José Nêumanne Pinto esclarece o tema em O que Sei de Lula). Os herdeiros de Trotski representam setores críticos contra os dirigentes partidários. PSTU e PSOL formalizam expulsões ou rupturas com o partido. Mas não poucos trotskistas, a exemplo de Palocci, se acomodam à burocracia partidária. Tal fusão heteróclita é relevante na construção do poder interno do petismo.

Também na origem do PT estão as formas da cultura católica de esquerda. Boa parte desse setor se forma nos anos 1960, quando a Igreja modifica seus elos com a sociedade capitalista nas encíclicas sociais e no Vaticano 2, sobretudo a declaração conciliar Gaudium et Spes. Nos inícios daquela década surge a Ação Popular (AP), inspirada nas ideias de Teilhard de Chardin e de Hegel, lidos pelo jesuíta Henrique Vaz. Ela opera com as ações juvenis católicas especializadas (JEC, JUC, JOC). A máxima expansão do movimento dá-se antes de 1964, quando a presidência da UNE é conquistada por José Serra. Após o golpe a Ação Católica sofre uma "intervenção branca" da CNBB e a AP perde seu elemento de mobilização política. Após o Congresso da UNE em Ibiúna, e com as guerrilhas, a AP deixa de ser estratégica para os religiosos. Com seu desaparecimento os católicos não estabelecem partido próprio, anseio que vem desde o Império. Os militantes e intelectuais cristãos encontraram no PT a oportunidade de agir num coletivo político não comunista e livre da Igreja, que na época sofre o Termidor dirigido por João Paulo II.

O PT é uma bricolagem de segmentos diferentes, um campo de lutas interno e externo. O equilíbrio de vários modelos, desejos, paixões, idiossincrasias, é nele muito difícil. A luta entre tendências conduz a direção ao uso do segredo contra as bases, aos atos impostos verticalmente, às alianças alheias ao espectro ideológico indicado no programa. O PT foi produzido como alternativa política para setores da esquerda, dos antigos comunistas aos católicos. Conduzir um programa unitário com tantas divergências doutrinárias e imaginários distintos é um desafio.

O PSDB teve sua origem no PMDB e foi liderado por setores políticos da esquerda marxista, mas também acolhendo intelectuais católicos de origem (caso de José Serra) e acadêmicos cuja produção teórica se desenvolveu fora dos parâmetros filosóficos do chamado "materialismo histórico e dialético". Já na ditadura civil-militar foi instaurado o Cebrap, think tank que até hoje possui relativa força na orientação programática tucana. Espécie de laboratório social e universitário, ele gera ideias, táticas e estratégias do partido. Sua figura maior é Fernando Henrique Cardoso, político hábil e pesquisador com ideias próprias. Sua colaboração para a "teoria da dependência"o tornou conhecido nacional e internacionalmente, dando-lhe credenciais para a carreira de governante.

Os dois partidos, na Presidência da República, se renderam à lógica do conservadorismo que rege os tratos entre o poder central e as regiões brasileiras, dominadas por oligarquias truculentas e corrompidas. Ambos precisaram rasgar os alvos éticos em proveito da "arte do possível" (o termo é de Bismark). Nas alianças pela "governabilidade", as duas agremiações sacrificaram no altar do realismo político seus programas anteriores, de esquerda ou centro-esquerda. Oligarcas notórios (ACM, Sarney, Jader Barbalho, Quércia, Maluf, para citar apenas alguns) serviram aos dois partidos e deles se serviram ao longo dos 16 anos de administração tucano-petista. Ficam os eleitores paulistanos com a tarefa de fornecer alento suplementar para as duas siglas. Essas, em nome do poder, desfiguraram suas propostas originais para a sociedade. Esperemos que, depois do aperto sofrido por ambas, elas repensem táticas e estratégias, tornando-se menos dependentes das raposas que ainda dominam a política nacional e paulista.

Professor de Ética e Filosofia na Unicamp, autor de O Caldeirão de Medeia (Perspectiva)

Fonte: Aliás / O Estado de S. Paulo

Na cabeceira da pista - Dora Kramer


Candidato a presidente o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, ainda não é, mas está no páreo e deixa isso muito claro: avisa aos navegantes que não tem "temperamento para vice" enquanto pavimenta o terreno com base na arte de fazer amigos e influenciar pessoas.

Não cria conflitos, trabalha para dirimir os existentes e só coleciona os contenciosos absolutamente necessários. Um exemplo é a tênue, porém picante, tensão com o PT de cuja órbita procura distanciar o PSB.

No plano local, já entrou na eleição reconciliado com o senador Jarbas Vasconcelos, adversário durante 20 anos. Quando saiu dela vitorioso no primeiro turno em Recife, tratou logo de pedir desculpas aos que "eventualmente tenha ofendido" no calor da disputa.

Na cena nacional, desfila de braço dado com o ex-presidente Lula, reafirma os laços com a presidente Dilma Rousseff, confere substância ao PSD de Gilberto Kassab, já é visto como objeto de desejo no PMDB e cultiva as melhores relações com o PSDB.

Dividiu vitória com Aécio Neves em Belo Horizonte e recebe mensagens constantes de interlocutores de Fernando Henrique Cardoso a quem confere toda deferência.

O que isso tudo quer dizer?

Por ora significa que é tempo de semeadura.

Não se consegue obter de Eduardo Campos uma resposta precisa sobre prováveis alianças nem sobre nada que diga respeito ao seu futuro político.

Em parte porque ele mesmo não tem respostas precisas, em parte porque não lhe é conveniente revelar o conteúdo de certas tratativas.

O governador capta as mensagens e decodifica.

Para ele, no momento o PSDB joga – "com acerto, do ponto de vista da oposição" – na cizânia da base governista e atua para abrir espaço na tropa que em tese estaria unida para sustentar a reeleição de Dilma, em 2014.

Nesse caso, o PSB seria um ótimo parceiro por dois motivos: representaria a "renovação" com mais eficácia que o PSDB – desgastado depois de oito anos de Presidência e outros tantos de embate com o PT – e tem em Pernambuco um porto seguro no Nordeste.

Kassab, se José Serra perder em São Paulo, aposta que "vai trabalhar com Dilma". Em ministério, para ele ou correligionário próximo. Terminado o mandato na prefeitura, vai precisar de uma referência de poder "para cuidar daquelas 50 crianças". Vale dizer, a bancada de deputados federais que filiou ao PSD.

Sobre sua permanência ao lado de Lula, Dilma e do PT, a posição de Eduardo Campos é mais complexa.

Não fecha nem deixa a porta completamente aberta. Simplesmente não põe (ainda) essa aliança em jogo. Fala dela como quem procura manter o distanciamento do analista.

Na visão do governador, primeiro de tudo há uma questão a ser resolvida – a agenda do governo – e o equívoco a ser corrigido – a maneira de tratar os aliados.

A pauta do Planalto, na opinião dele, não por ser eleitoral. "A governo algum interessa a antecipação de disputas, pois dissemina a desagregação e resulta em perda antecipada de poder".

O melhor a fazer é se dedicar a uma "agenda de vida real": situação dos estados e municípios, crescimento da economia, seca no Nordeste, royalties do petróleo, investimento em infraestrutura, fornecimento de energia e por aí vai uma gama enorme de problemas.

A arrogância no trato com os parceiros não tem sido boa conselheira para o PT que por ela levou uma surra memorável no Recife e deixou Aécio Neves levar adiante seu plano de reafirmar a liderança em Belo Horizonte. "Falta vocação e humildade para engolir sapos", aponta.

Se quiser chegar forte em 2014, Eduardo Campos acha que o governo precisa se apressar, sem perder de vista a data limite. Em outubro de 2013 vence o prazo de filiação partidária para os candidatos à eleição do ano seguinte quando, então, estará oficialmente aberta a temporada da sucessão.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Sacralidade do STF - Teresa Cruvinel


O processo ainda será muito mais discutido quando terminar e o mundo jurídico romper o silêncio do que agora, no fragor do aplauso

Em seus 190 anos de existência, o Supremo Tribunal Federal nunca deve ter recebido tantos aplausos como agora, pelas condenações dos réus do chamado mensalão. Elas respondem ao descrédito da população nos políticos em geral e resgatam o Judiciário de sua velha conivência com os delitos da elite política. Mas essa sintonia não quer dizer que a Corte seja imune ao erro e que os condenados não tenham direito ao protesto. Nelson Hungria, ex-ministro da Casa, notável penalista citado muitas vezes pelos atuais ministros, dizia que “o Supremo tem apenas o privilégio de errar por último”. Hoje, tem-se como certo que o STF errou quando negou habeas corpus para evitar a extradição de Olga Benário, então mulher de Luís Carlos Prestes, que veio a ser executada num campo de concentração nazista na Alemanha. Uma nódoa em sua história. Na época, o STF alinhou-se ao espírito do tempo, que era de anticomunismo. Na ditadura, negou habeas corpus para evitar a expulsão, pela ditadura, do padre Vitor Miracapillo. Outro padre progressista, Reginaldo Veloso, protestou e foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Ao defendê-lo, Heleno Fragoso, um de nossos juristas mais sólidos, internacionalmente respeitado, citando a frase de Hungria, afirmou: “O Poder Judiciário pode e deve ser criticado. Estamos mal habituados a uma autêntica sacralização da Justiça, pela qual os advogados são, talvez, os maiores responsáveis. (…) É legítimo, adequado e necessário criticar a Justiça, apontando as suas mazelas, os seus erros e até os seus crimes. O sentimento de revolta e inconformismo dos que são atingidos pelas decisões é humano e compreensível”.

O julgamento alinha-se novamente com as eleições, devendo o STF decidir, na véspera do segundo turno, sobre a acusação do Ministério Publico a José Dirceu, de ser chefe de quadrilha. O processo ainda será muito mais discutido quando terminar e o mundo jurídico romper o silêncio do que agora, no fragor do aplauso. Não cabe aos jornalistas avaliar as sentenças, salvo os que tenham sólida formação jurídica. Mas duas questões dispensam o saber jurídico para serem avaliadas pelos que conhecem o funcionamento das instituições. Uma diz respeito à pretensão do STF de enquadrar a atividade política. Outra tem relação com os desdobramentos da jurisprudência inovadora que está sendo criada. Vejamos uma e outra.

Freio de arrumação 

Após ser eleito presidente da Corte, o ministro-relator Joaquim Barbosa afirmou que vê o julgamento funcionar como um “freio de arrumação” na política brasileira. Disse ainda que “ter um tribunal com essa visibilidade, com todo esse apelo de mídia, como vem acontecendo, é muito importante. Esse sempre foi meu ideal. Estou muito contente que isso esteja acontecendo, ainda mais num momento em que estarei à frente do tribunal”.

Seu júbilo pessoal é compreensível, mas a pretensão de impor “um freio de arrumação” à atividade política é equivocado e colide com a cláusula pétrea da independência entre os poderes. Quem pode e deve fazer uma freada de arrumação é o Legislativo, aprovando reformas do sistema político, a começar pela questão do financiamento eleitoral. Se o Congresso não o fizer e o STF mantiver seu ímpeto, teremos julgamentos em série. Quase todos os ministros demonstram desconhecer o funcionamento do sistema político, desenhado pela Constituição, e sua cultura, enraizada na História. Estranharam que, depois das coligações eleitorais, os partidos formem coalizões parlamentares na “entressafra eleitoral”, para usar a expressão que Ayres Britto enunciou como um achado original. Ignoram que os custos da atividade política antecedem e sucedem as campanhas eleitorais. Que existe solidariedade, inclusive financeira, entre partidos aliados. Os temores da ministra Cármen Lúcia são fundados. O julgamento criminaliza a política. Amanhã, outros partidos estarão no banco dos réus. Se tivermos que “arrumar” a atividade política à custa de julgamentos e condenações em série, estamos feitos.

Perigos da mudança

Não é preciso ser jurista para deduzir que o novo modo de fazer justiça terá consequências. Como disse o jornalista Janio de Freitas em sua coluna na Folha de S.Paulo, “as deduções em excesso para fundamentar votos, por falta de elementos objetivos, deixaram em várias argumentações um ar de meias verdades”. Dirceu e Genoino foram condenados com base num conjunto de indícios que justificaram a aplicação da teoria do “domínio do fato”, por conta dos cargos que ocupavam. Para ser condenado por corrupção passiva, agora basta o sujeito receber vantagem indevida, mesmo que não se prove a contrapartida, o ato de ofício. Brindes podem ser vantagem indevida. Essas premissas agora serão seguidas pelos juízes das instâncias inferiores, como disse a O Globo o juiz Murilo Kieling: “O Supremo deu grande relevância à prova indiciária, até então considerada a mais perigosa de todas”. Tal prova é perigosa porque, afora qualquer juízo sobre as condenações dos petistas, pode permitir a manipulação dos indícios por juízes inescruplosos ou a serviço de interesses políticos ou econômicos. Foi a ex-procuradora nacional de Justiça Eliana Calmon que afirmou existirem “bandidos togados”. Imagine-se, na política dos burgos podres do interior, o que não pode derivar do conluio entre juízes e caciques políticos locais. Será muito simples eliminar inimigos. 

Mas agora, a nave seguirá.

Fonte: Correio Braziliense

Desencanto e incoerência - Alvaro Dias


As platitudes habituais que permeiam os comentários pós-eleitorais devem ser substituídas pela exata leitura do que o eleitor transmitiu aos políticos nas recentes eleições. O desencanto do eleitor foi estampado no pleito municipal pela quantidade exorbitante de votos brancos e nulos, especialmente em duas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro. Não presenciei uma festa cívica exuberante. A exteriorização desse desencanto vem na esteira dos escândalos de corrupção que se sucedem, como consequência de um modelo promíscuo que está sendo condenado pelo STF e que precisa ser banido do país.

A eleição foi a fotografia da falência partidária. Os partidos não mais existem, desapareceram programaticamente e traduzem um simulacro. O que vimos são siglas existentes apenas para registros de candidaturas, muitas vezes comandadas de cima para baixo, com imposições descabidas que ofendem a militância partidária. Um festival de incoerência, de contradição, de alianças estapafúrdias que se apresentaram diante do eleitor como mecanismo de força para impor candidaturas, sobretudo com o objetivo de ampliar o tempo no rádio e na televisão para a propaganda eleitoral.

Não há proposta, não há programa, não há projeto. O que há é o interesse imediato de se organizar uma estrutura capaz de vencer eleições, e o eleitor fica aturdido diante desse cenário de contradições e incoerências, sustentando, sobretudo, um modelo perverso de promiscuidade que se instalou em Brasília e que foi transportado para estados e municípios.

A cooptação de partidos e políticos é deflagrada na busca de um governo de ‘maioria’ e cuja oposição é reduzida numericamente. O modelo é adotado a pretexto de se garantir governabilidade. É preciso ruir a máxima de rimar governabilidade com promiscuidade.

Senador, líder do PSDB

Fonte: O Dia /RJ

Voto-desalento - José de Souza Martins


Parcela ponderável dos brasileiros se recusa a votar num sistema partidário distante do que a representação política deveria ser

A indicação de que cresceu a proporção de votos nulos nessas eleições propõe, mais uma vez, a questão da compreensão do significado do antivoto ou do abandono do título eleitoral para expressar omissão e desinteresse político por uma eleição. Essas variantes do desalento político do eleitorado constituem, provavelmente, a mais interessante revelação da manifestação eleitoral recente, até mais que o rearranjo de posições partidárias que a votação válida indicou. O cansaço do eleitor está indicando, em suas diferentes formas de manifestação, o declínio do homem político e da própria política.

Abstenção, voto em branco e voto nulo parecem indicar uma gradação do desalento dos eleitores, começando daqueles que recusam desde a eleição propriamente dita, passando pelos que recusam os candidatos e partidos disponíveis e chegando àqueles que não só não se identificam com as alternativas oferecidas como se punem, anulando-se como eleitores ao anularem seu voto. Aqui, não é a recusa da cidadania nem a recusa de partidos e candidatos: é a recusa da política propriamente dita através de um gesto que será interpretado corretamente se interpretado como gesto político dos que não encontram abrigo nos canais partidários de expressão política.

É evidente que no interior da categoria dos aproximadamente 15% que se abstiveram nos colégios eleitorais mais importantes do País há desde os que, por idade, estão liberados de comparecer às urnas, como se diz, até os que, tendo mudado de município de residência, não providenciaram a mudança do domicílio eleitoral. Nos dois casos o eleitor preserva seus direitos eleitorais, embora não os exerça. Pode mudar de ideia e votar, como pode, se quiser, providenciar a transferência do título em tempo hábil, processo simples e fácil. Portanto, quem anula o voto não está distante dos que votam em branco nem propriamente discrepa dos que se abstêm.

O voto em branco é um voto cidadão e é por isso voto válido. O eleitor cumpre seu dever, mas nega seu voto aos candidatos disponíveis. O voto nulo já é mais complicado e nem por isso deixa de ser legítima manifestação do eleitor, ainda que deplorável porque expressa uma vontade política que não se materializa em nenhuma mensagem compreensível. O caso recente de sucedâneo do voto nulo foi o da acachapante votação do palhaço Tiririca, que se ofereceu explicitamente como candidato do deboche a deputado federal e foi eleito: "Vote em Tiririca que pior não fica". O eleitorado enviou à Câmara dos Deputados um representante que relembraria a seus pares, diariamente, o que deles pensa o eleitor.

Mesmo submetido à assepsia limitante da urna eletrônica, que impede os insultos e palavrões, o voto nulo é uma luz que fica muito mais vermelha numa eleição como essa se o somarmos aos votos em branco e às abstenções. Na cidade de São Paulo, os eleitores desalentados, 2.490.513, superaram em muito os dois primeiros colocados da votação válida: José Serra (PSDB) teve 1.884.849 votos e Fernando Haddad (PT) teve 1.776.317 votos. No Rio de Janeiro, a vitória em primeiro turno de Eduardo Paes (PMDB/PT), com 64,6% dos votos válidos, fica muito menos significativa se levarmos em conta que o segundo colocado foi o eleitor desalentado, que não votou em ninguém: 1.472.537 eleitores, uma vez e meia votação do colocado seguinte, Marcelo Freixo, do PSOL. Em Belo Horizonte, o fenômeno se repetiu. Márcio Lacerda (PSB/PSDB) teve 676.215 votos e foi eleito com 52,6% da votação válida. Patrus Ananias, do PT, teve 523.645 votos, enquanto os eleitores desalentados foram 576.673, segundo colocados. Em Recife houve um fenômeno parecido. Geraldo Julio, do PSB, foi eleito em primeiro turno com 51,1% dos votos. Mas o segundo colocado, Daniel Coelho, do PSDB (245.120 votos) e Humberto Costa, do PT (154.460 votos), tiveram individualmente menos votos do que o número de eleitores desalentados, 283.279, que nesse caso ficaram em segundo lugar. Em Salvador, os desalentados foram 589.437 eleitores, mais numerosos que os votos do primeiro colocado, ACM Neto, do DEM, que teve 518.976 votos, e Pelegrino, do PSB/PCdoB, com 513.350 votos. O mesmo fenômeno ocorreu em Fortaleza, onde Elmano, do PT, teve 318.262 votos, Roberto Cláudio, do PTB, teve 291.740 votos e Moroni, do DEM, teve 172.002 votos. Ali os eleitores desalentados foram 361.211, bem mais do que o primeiro colocado. Em Porto Alegre, em que Fortunati, do PDT, foi eleito em primeiro turno com 517.969 votos, a segunda colocada, Manuela d"Avila, do PCdoB, teve os votos equivalentes à metade dos eleitores desalentados, que somaram 282.048.

O fenômeno se repetiu, ou quase, em diversas outras capitais e em outros municípios emblemáticos. O que sugere uma crise da representação política e mesmo o declínio dos partidos. Uma parcela ponderável dos brasileiros está tendo seus direitos políticos cassados por falta de um sistema partidário que dê efetivamente conta do que a representação política deveria ser.

É sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP, autor, entre outros, de A Política do Brasil Lúmpen e Místico (Contexto)

Fonte: Aliás / O Estado de S. Paulo

Uma eleição difícil de analisar - Leôncio Martins Rodrigues


Comentando as eleições municipais, o editorial principal do Estadão de 9 de outubro (A força dos grandes partidos, A3) observou que "as urnas de domingo, em âmbito nacional, trouxeram resultados para quase todos os gostos". E com razão. É difícil saber quem ganhou e quem perdeu. As disputas envolvem um número muito grande de colégios eleitorais, alguns insignificantes, outros de muita importância. Se o critério para avaliação de vencedores e vencidos for o número de votos por legenda, os resultados encaminham para uma dada conclusão; se o critério for o número de prefeitos eleitos (ou de vereadores) o resultado pode ser outro.

Mesmo assim, sobram dúvidas. Um partido pode ter tido bons resultados em muitos colégios eleitorais pequenos, em cidades ou unidades da Federação de pouca expressão política. Pode ter ido bem na periferia e mal nos grandes centros estratégicos. Seria possível ainda separar a votação nas capitais das obtidas no interior. As capitais, independentemente da dimensão de seu colégio eleitoral, são importantes porque têm forte influência nas disputas para os governos estaduais.

Há, ainda, a questão do segundo turno. Considerar, para uma avaliação final, apenas a votação do primeiro turno? Ou contar somente a do segundo turno? A comparação dos votos partidários em ambos os turnos, porém, é pouco indicativa das tendências do eleitorado. Legendas que estiveram no primeiro turno estão ausentes do segundo. Além disso, como sabemos, no segundo turno grande parte dos eleitores tende a votar contra o candidato que menos aprecia. Prefere "o menos ruim".

As dificuldades da análise não terminam aí. Como medir a importância dos resultados em grandes cidades do interior paulista (como Campinas, Guarulhos ou Ribeirão Preto, por exemplo) com os de pequenas capitais de outros Estados? Para complicar, um partido pode ter tido importante votação em termos do número de votos para vereador, mas não ter tido bons resultados nas eleições majoritárias. Pode ter deixado escapar o controle da prefeitura de uma cidade importante por diferença muito pequena. Não adianta ter tido uma boa votação e se proclamar "vencedor moral". O número elevado de votos obtidos não servirá para nada.

Ainda não existe uma fórmula para calcular vencedores e vencidos em eleições como essas. Fórmulas matemáticas - como as utilizadas para calcular o número relevante de partidos - não medem consequências políticas (e psicológicas) dos resultados e de seus efeitos no jogo político futuro. Êxitos em pequenas ou médias cidades, até mesmo em pequenas capitais, podem não compensar derrotas em capitais de muita importância, como é o caso de São Paulo. Ganhar a Prefeitura paulistana tem efeitos nacionais. Pode dar fôlego político ao vencedor. Mas cabe a pergunta de difícil resposta: a cidade de São Paulo vale quantas Rio de Janeiro? Belo Horizonte vale quantas Porto Alegre?

Contudo, apesar das dificuldades de interpretação, de modo geral os resultados desse primeiro turno permitem apontar pelos menos dois aspectos principais. O primeiro é o aumento da fragmentação partidária, sugerida pela presença de pequenos e minipartidos entre o primeiro e o segundo colocados nas disputas de capitais estaduais: PMDB e PRB em Boa Vista, PV em Porto Velho e Palmas, PCdoB em Manaus e Porto Alegre, PSOL no Rio de Janeiro, em Belém e Macapá, PSC em Curitiba, PTC em São Luís. O segundo é o declínio do DEM, que vem perdendo espaço também na Câmara dos Deputados. Nas capitais, o antigo PFL venceu apenas em Aracaju. Ser for derrotado em Salvador, terá dificuldade para sobreviver. Deverá pensar numa reciclagem, que começará com a mudança de nome.

Vejamos rapidamente o desempenho das principais legendas. O PSDB, que também vem perdendo cadeiras na Câmara dos Deputados, conseguiu eleger Rui Palmeira em Maceió. Foi para o segundo turno em outras seis capitais. Se vencer em São Paulo e conseguir bons resultados nas outras cinco, será um dos grandes vencedores.

O PT sofreu algumas perdas em cidades onde parecia bem consolidado. Venceu no primeiro turno em Goiânia, mas perdeu no Recife. Terá de disputar o segundo turno em Salvador e Fortaleza, que controlava. Ficou fora do segundo turno em outras grandes capitais. Já está fora da disputa no Rio de Janeiro, em Vitória, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Se perder em São Paulo, estará fora de todo o Sul e Sudeste. Desse modo, tal como para o PSDB, conquistar a capital paulista será fundamental para seu futuro. Se perder em São Paulo e no Recife, pode entrar na fase de desgaste de material provocado pelo declínio do apelo ideológico e pela burocratização dos dirigentes que vieram dos anos do "sindicalismo autêntico".

O PDT manteve suas modestas posições: venceu em Porto Alegre, foi para o segundo turno em Curitiba, Natal e Macapá. Já o PMDB, a segunda bancada na Câmara dos Deputados, registrou a grande vitória do Rio de Janeiro. Ainda disputa o segundo turno em Florianópolis, Natal e Campo Grande. São ganhos médios, mas dão bom cacife para a briga por cargos na administração pública.

Por fim, na contabilidade das capitais, o PSB pode ser visto como o principal vitorioso: ganhou no Recife e em Belo Horizonte. Pode ainda conquistar Fortaleza e Cuiabá.

Nesse quadro, é temerário arriscar prognósticos, especialmente porque há um segundo turno que pode mudar tudo. Existem, todavia, algumas indicações de que essas eleições parecem mais relevantes do que as anteriores: poderão dar mais fôlego a legendas em declínio (como o DEM) ou em crescimento (como o PSB).

Cientista político, professor titular de Ciência Política da USP e da Unicamp. Seus últimos livros sobre o assunto foram: Partidos, ideologia e composição social (2002) e Mudanças na classe política brasileira (2006)

Fonte: O Estado de S. Paulo

PSDB e PT disputam espólio religioso


Cobiça tem como alvo eleitor de Chalita e Russomanno; Serra reúne mais líderes, mas Haddad ganha em votos

Gustavo Uribe, Silvia Amorim

SÃO PAULO - Numa disputa municipal que ganhou contornos de "guerra santa", PT e PSDB deflagaram no segundo turno em São Paulo uma corrida pelo espólio religioso deixado pelas candidaturas de Celso Russomanno (PRB) e Gabriel Chalita (PMDB). O segmento evangélico é o mais cobiçado, alvo das principais investidas das duas legendas. Por um lado, o candidato tucano José Serra tem arregimentado um maior número de líderes evangélicos. Mas, por outro, o petista Fernando Haddad hoje concentra a maior parte do voto religioso.

A última pesquisa Datafolha, divulgada na semana passada, indicou que os votos dos candidatos do PMDB e do PRB migraram em maior parte para a campanha do PT. Haddad lidera entre os eleitores evangélicos pentecostais (52% contra 33%), não pentecostais (47% contra 31%) e católicos (46% contra 41%). O tucano somente vence entre os espiritualistas, que representam apenas 2% dos eleitores.

O segundo turno começou com o discurso religioso sendo um dos temas de acirramento da disputa. Na semana passada, o petista acusou o adversário de "instrumentalizar" igrejas para desgastar a candidatura petista. O tucano revidou dizendo que o PT tem um líder evangélico: o senador Marcelo Crivella (PRB), ministro da Pesca de Dilma.

Desde o primeiro dia do segundo turno, integrantes das duas campanhas garimpam o apoio de lideranças evangélicas. Na última década, esse segmento saltou de 15,9% para 22,1% da população e, em 2012, representa quase um quarto dos habitantes da cidade.

Os dois candidatos disputam, até mesmo, espaço nas mesmas igrejas. Iniciaram conversas com líderes da Assembleia de Deus Santo Amaro, que afiançou apoio a Celso Russomanno no primeiro turno, e da Assembleia de Deus Brás, que ficou com Gabriel Chalita. Na semana passada, o tucano e o petista mediram forças junto a lideranças da Renascer em Cristo, comandada pelo apóstolo Estevam Hernandes e pela bispa Sônia. José Serra obteve uma declaração de apoio do casal, enquanto Haddad conquistou núcleos da Igreja.

A corte ao setor evangélico garantiu a Serra o apoio do líder da Assembleia de Deus da Vitória em Cristo - liderada pelo pastor Silas Malafaia, que tem comandado uma cruzada contra o candidato do PT. Serra também esteve em missas, como a capitaneada pelo padre Marcelo Rossi, da Renovação Carismática da Igreja Católica. Já Haddad foi a duas missas. Em maio, esteve no Santuário do padre Marcelo e ontem celebrou o Dia de Nossa Senhora Aparecida numa igreja na periferia da cidade.

Multa de R$ 5 mil por campanha em templo

A ofensiva de Serra a templos rendeu ao candidato uma multa da Justiça Eleitoral de R$ 5 mil por ter avançado o sinal na Igreja Apostólica Maravilha de Cristo no primeiro turno. No segundo turno, estão previstas visitas dele a templos religiosos, mas em ritmo inferior ao do início da campanha. A campanha também discute se distribuirá material de divulgação específico para o eleitorado evangélico.

O coordenador do núcleo inter-religioso do PT em São Paulo, Marcos Cordeiro, tem promovido reuniões com alas das igrejas evangélicas e católicas. Nos últimos dias, a campanha petista iniciou ofensiva pelo apoio de igrejas pentecostais de pequeno porte.

O apoio do PT junto à Igreja Católica se dá, sobretudo, entre as pastorais sociais e comunidades eclesiais de base, com as quais a sigla tem uma ligação histórica. Nas paróquias, o apoio é arregimentado por deputados e vereadores.

- Os vereadores costumam ter relação com os religiosos de suas respectivas regiões. Mas não existe orientação por parte da coordenação da campanha eleitoral - explica o vereador Paulo Fiorilo (PT-SP).

O PT esperava obter o apoio do PRB, de Celso Russomanno e, com isso, angariar votos na Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). Com a neutralidade do partido, PT e PSDB buscam aliados na corrente evangélica. O principal interlocutor dos tucanos é o vereador Sousa Santos (PSD), que é integrante da igreja. Os petistas conseguiram fechar aliança com outros dois partidos ligados a evangélicos: PSC e PTC, apoiadores de Chalita no primeiro turno.

Fonte: O Globo