domingo, 11 de março de 2012

OPINIÃO DO DIA: Gramsci: a vontade concreta

O homem, neste sentido, é vontade concreta, isto é, aplicação efetiva do querer abstrato ou do impulso vital aos meios concretos que realizam essa vontade. Cria-se a própria personalidade: 1) dando uma direção determinada e concreta (“racional”) ao próprio impulso vital ou vontade; 2) identificando os meios que tornam essa vontade concreta e determinada e não arbitrária; 3) contribuindo para modificar o conjunto das condições concretas que realizam esta vontade, na medida de suas próprias forças e da maneira mais frutífera. O homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos puramente objetivos e individuais e de elementos de massa e objetivos ou materiais, com os quais o indivíduo está em relação ativa. Transformar o mundo exterior, as relações gerais, significa fortalecer a si mesmo, desenvolver a si mesmo. É uma ilusão e um erro supor que o “melhoramento” ético seja puramente individual: a síntese dos elementos constitutivos da individualidade é “individual”, mas ela não se realiza e desenvolve sem uma atividade para fora, transformadora das relações externas, desde aquelas com a natureza e com os outros homens em vários níveis, nos diversos círculos em que vive, até a relação máxima, que abarca todo gênero humano. Por isso, é possível dizer que o homem é essencialmente “político”, já que a atividade para transformar e dirigir conscientemente os outros homens realiza a sua “humanidade”, a sua “natureza”.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, v. 1, p. 406-7. Civilização Brasileira, 4ª edição, Rio de Janeiro, 2006.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Senadores têm fantasmas e denunciados nos gabinetes
Estaleiros e ensino emperram o pré-sal
Cármen Lúcia

FOLHA DE S. PAULO
Acesso à pílula do dia seguinte ainda é precário no SUS

O ESTADO DE S. PAULO
Base cobra novo modelo de relação com Dilma
Serviços encarecem o dobro da inflação

CORREIO BRAZILIENSE
Cada distrital quer um carro de luxo. E quem paga é você
O Fisco vai para cima do Senado
515 mil vagas. Quem se habilita?

ESTADO DE MINAS
A profecia da devastação
Nova classe média veio para ficar
Emprego

ZERO HORA (RS)
O que está por trás do choro da presidente

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
As nove profissões que vão dominar o futuro

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Armênio Guedes: Título de Cidadão Paulistano'. Março, 90 anos do PCB. Só para não esquecer - 3

Personagem importante da luta democrática brasileira, Armênio participou de todos os movimentos políticos que marcaram a história do Brasil nos últimos 70 anos

SÃO PAULO - O vereador Eliseu Gabriel vai homenagear o jornalista Armênio Guedes, com a entrega do Título de Cidadão Paulistano, na Câmara Municipal de São Paulo, por meio do Projeto de Decreto Legislativo nº 85/2011, aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa.


Guedes é um dos personagens mais importantes da luta democrática brasileira. Nascido em Mucugê, na Bahia, em 1918, ele participou de todos os movimentos políticos que marcaram a história do Brasil nos últimos 70 anos. Chegou a São Paulo em 1941, quando saiu da Bahia para rearticular o PCB na cidade. Instalou-se na Rua Mourato Coelho, em Pinheiros, próximo à editora Cultura, onde trabalhou.

No PCB foi secretário particular de Luis Carlos Prestes, assessor parlamentar dos deputados ligados ao PCB em 1956 e dirigiu revistas e jornais de orientação comunista. Conviveu com grandes personagens do Brasil e do mundo no século 20, como, Salvador Allende e Enrico Belinguer.

Como jornalista, trabalhou também na revista Isto É, Gazeta Mercantil, além de veículos oficiais do PCB. Hoje é assíduo funcionário da Imprensa Oficial, apesar de seus 93 anos.

'Essa é a trajetória de vida de um verdadeiro representante da política nacional, motivo pelo qual, desejo conferir-lhe o Título de Cidadão Paulistano', explica o vereador Eliseu Gabriel. A honraria será entregue em 30 de março 2012.

Em crise com o Planalto, base cobra novo modelo de relação com Dilma

Dirigentes dos partidos de sustentação da presidente consideram que petistas ‘levam muita vantagem’; autonomia dos ministros e liberação de emendas são as principais reivindicações

João Domingos

BRASÍLIA - Rebelados com o governo, os principais dirigentes dos partidos integrantes da coalizão da presidente Dilma Rousseff querem um novo modelo de relacionamento com o Palácio do Planalto, com menos poder para o PT, mais diálogo entre os parlamentares e o cumprimento das promessas de liberação das emendas parlamentares. Insatisfeita com a articulação política e com atitudes do PT, a base aliada impôs uma derrota política a Dilma na semana passada ao rejeitar a indicação de Bernardo Figueiredo com diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Os aliados acham que o PT leva muita vantagem sobre os demais 16 partidos da coalizão na ocupação dos espaços e nos dividendos políticos de realizações do governo.

O PMDB - porta-voz do descontentamento geral - reclama que não recebe crédito por programas bem-sucedidos do governo, embora contribua para aprová-los. Gaba-se de ser mais fiel que o PT. Cita a aprovação do Fundo de Previdência dos Servidores (Funpresp) na Câmara, quando registrou só três votos contrários ao governo. O PT teve oito dissidentes.

O PMDB reivindica também maior autonomia sobre os ministérios que comanda: Agricultura, Assuntos Estratégicos, Minas e Energia, Previdência e Turismo. "Ao contrário dos ministérios do PT, como Saúde e Educação, e do PSB, como Integração Nacional, nossos ministérios não dispõem de verbas para que possamos anunciar obras nos municípios. Ficamos na dependência do PT", afirma o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).

O problema, de acordo com os peemedebistas, é que mesmo nessa situação, sem poder anunciar obras nem convênios, os ministérios ainda são tutelados. O titular da Agricultura, Mendes Ribeiro, não pode fazer nada sem consultar as ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais). O mesmo ocorre com o Ministério do Turismo. O ministro Gastão Vieira vive sob vigilância.

"São essas coisas que têm de mudar. O PT não pode fazer festa só para os petistas. Tem de compartilhar o anúncio dos convênios e obras com todos os partidos", critica Henrique Alves. Ele lembra ainda que no final do ano passado houve um acordo do qual participou a ministra Ideli Salvatti, segundo o qual as emendas dos parlamentares seriam liberadas. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou o corte de todas essas emendas.

Lacuna. Na opinião dos dirigentes de partidos aliados, falta ao governo encontrar um substituto para o ex-ministro Antonio Palocci (Casa Civil), obrigado a sair do governo em junho passado depois da revelação de que teria multiplicado seu patrimônio por 20 vezes em quatro anos.

Na época de Palocci, comenta um peemedebista, ele recebia a lista de reivindicações e dizia: "Vamos com calma. Não consigo tirar algo da presidente no primeiro encontro. Temos de negociar por umas três ou quatro vezes. Mas fiquem tranquilos que tudo será atendido." Com Palocci, as nomeações saíram. Depois que foi embora, suspeita-se até de que as listas de pedidos entregues a ele desapareceram.

Lá e cá. Com 37 deputados e sete senadores, o PR vive uma situação dúbia. Não sabe se é governo ou se é independente. Aguarda o pagamento da promessa de um ministério. Embora a pasta dos Transportes tenha sido entregue a Paulo Sérgio Passos, filiado ao PR, os parlamentares da legenda não se sentem obrigados a votar com o governo, porque não se consideram representados pelo ministro.

Para o líder do PR, Lincoln Portela (MG), o problema do governo é a "hermenêutica". "Ninguém do governo se entende com o Congresso. É preciso encontrar uma forma de falar que seja comum aos dois lados." Entre os exemplos da falha na "hermenêutica", Portela cita a liberação de emendas. "O governo não cumpre a lei e não libera o dinheiro das emendas para as obras."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Presidente tenta pôr panos quentes em inferno astral

Em meio à crise com a base aliada, presidente fará agradecimento especial ao Congresso durante evento oficial

Vera Rosa

Depois de enfrentar um tsunami político, com motins variados na base de sustentação do governo, a presidente Dilma Rousseff fará o primeiro gesto público para contornar a crise na próxima terça-feira. Ao participar de sessão solene em homenagem ao Dia da Mulher, no plenário do Senado, Dilma adotará não só discurso de exaltação à força feminina como colocará panos quentes na brigalhada, com agradecimento especial ao Congresso.

Sem passar recibo do inferno astral que se abateu sobre o Palácio do Planalto, com rasteiras na política, derrapada no crescimento econômico e focos de incêndio na caserna, a presidente está disposta a mesclar a fama de durona com a imagem de mulher sensível. É, na prática, mais uma tentativa de soldar a fraturada base aliada e virar a página da rebelião, liderada pelo PMDB, com um afago aos deputados e senadores.

Na quarta-feira, após saber que o Senado rejeitara a recondução de Bernardo Figueiredo ao comando da ANTT, Dilma não conteve a irritação. Cientes de que Figueiredo é muito próximo da presidente, os insatisfeitos com a falta de "atenção" do governo - palavra que resume o inconformismo com a ausência de cargos - decidiram dar o troco.

Dilma estava no Palácio da Alvorada quando foi informada da derrota. Auxiliares tentaram contemporizar, sob o argumento de que se tratava de TPE (Tensão Pré-Eleitoral), mas, na mesma hora, ela pediu à ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, que segurasse a liberação do dinheiro destinado às emendas parlamentares.

No dia seguinte, porém, em conversa com o vice-presidente Michel Temer (PMDB), Dilma se rendeu às evidências: viu que, para acalmar a base, será necessário abrir o cofre. As emendas estão congeladas por causa do corte de R$ 55 bilhões no Orçamento.

"Quando o governo passa por dificuldades e não tem dinheiro para emendas, o negócio é cafezinho, tapinha nas costas e muita conversa", ensina o líder do PR no Senado, Blairo Maggi (MT). "Lá na Câmara o PMDB fez um manifesto contra o PT e aqui fez o serviço todo", ironizou ele.

É a receita de Maggi que a presidente Dilma pretende seguir, agendando reuniões com bancadas de partidos aliados. "O PMDB foi desleal conosco e nossas relações estão estremecidas", admite o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). "É como se nós fôssemos soldados numa guerra, sem saber se a tropa que o general comanda está ajudando ou vai atirar contra a gente."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Depois da demissão, Dilma elogia ex-ministro

Dilma elogia Florence

Gabriel Mascarenhas

A presidente Dilma Rousseff divulgou ontem nota oficial em que faz um afago público no agora ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Afonso Florence. O gesto tenta desconstruir a tese de que ele foi demitido por incompetência. No documento, publicado no blog do Planalto, Dilma diz que lamenta "interpretações" de que Florence tenha perdido o cargo por não atender às expectativas da presidência e agradece "por sua importante colaboração à frente da pasta".O texto afirma que, como ministro, Florence "participou de ações que fortaleceram a agricultura familiar e ajudaram a melhorar a vida de milhares de brasileiros." A presidente encerra afirmando estar certa de que poderá continuar contando com o apoio e a colaboração dele. A atitude tem como objetivo prestigiar o PT — já devidamente contemplado com a manutenção do feudo partidário após a indicação do gaúcho Pepe Vargas para o cargo —, e distensionar a relação com os correligionários e com o governador da Bahia, Jaques Wagner, padrinho da indicação. Florence foi exonerado na sexta.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

'STF não pode permitir a insegurança jurídica'

Para especialistas, recuo dos ministros do Supremo em relação ao rito das MPs foi necessário para garantir a governabilidade

Tatiana Farah, Thiago Herdy

SÃO PAULO. Mesmo na condição de guardiões da Constituição, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não podem permitir que erros cometidos no passado atinjam a segurança jurídica do país e a governabilidade. A avaliação é consenso entre juristas e cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO, que concentram mais suas críticas no Legislativo - , por ter permitido que medidas provisórias fossem aprovadas sem os trâmites constitucionais - do que no Judiciário.

O entendimento que baliza as opiniões serve não apenas para o caso das MPs, mas também para episódios semelhantes que venham a ocorrer. Ele parte, principalmente, do artigo 27 da Lei 9.868/99, que trata das ações diretas de inconstitucionalidade e prevê que os efeitos de uma decisão sobre a constitucionalidade de determinado objeto tenha eficácia a partir de determinado "momento que venha a ser fixado".

- É papel não só do Supremo, como dos tribunais superiores, a preocupação com a governabilidade. O que não pode ocorrer é o STF declarar constitucional o que é inconstitucional. Não foi o que ocorreu neste caso - diz o jurista e professor-titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Elival da Silva Ramos.

O especialista explica que este dispositivo é conhecido no meio jurídico como "modulação da temporalidade" e já foi usado em outras situações na história recente do país.

- Os ministros caíram na real, viram que tinham tomado uma decisão que colocaria o país em total caos jurídico. O mesmo ocorreu com o Plano Collor, em 91. O plano era inconstitucional, mas os ministros decidiram pela constitucionalidade, na época, pelo bem da nação. Só que, no caso do Plano Collor, eles levaram mais de um ano para voltar atrás. Com as MPs, foi no "day after"- lembra outro especialista, o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UNB).

Fleicher classifica a ação do STF como uma trapalhada, mas necessária para evitar que o país virasse de cabeça para baixo.

- O STF se desmoralizou porque não teve cabeça para (na primeira decisão) pensar mais a frente, considerando o que ocorreria caso centenas de MPs fossem declaradas inconstitucionais, até mesmo a que criou o Bolsa Família - observa Fleischer.

- O tribunal tem que se preocupar sempre com os efeitos de sua decisão. Deve haver essa preocupação fática. Do contrário, ele corre o risco de cometer uma injustiça constitucional - completa Ramos, que classifica esse tipo de postura do Supremo como "plausível" e "legítima".

FONTE: O GLOBO

Responsabilidade maior é do Legislativo

"Quem se desmoraliza é o Congresso", diz cientista político

O jurista Luis Roberto Barroso, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, também defende a decisão do STF a partir de uma "reflexão prudente", que vale para casos semelhantes ou que vierem a ocorrer nos próximos anos.

- No caso das medidas provisórias, o marco já ocorreu. Esta decisão afeta o trâmite daqui para a frente. Não se trata apenas de governabilidade, mas de segurança jurídica. E o direito gravita em torno de dois valores: justiça e segurança jurídica - diz Barroso, lembrando que a medida evita uma enxurrada de novas ações a respeito do tema.

Já o cientista político Bolivar Lamounier vê este desgaste como um preço a ser pago, em nome de um olhar para o futuro.

- Para trás não é possível legislar. O importante é garantir que os ritos corretos sejam feitos olhando pra frente. Agora, recuar poucas horas depois de discutir o tema não deixa de ser esquisito e sinal de que os ministros do Supremo não estão trabalhando os temas com a devida antecedência. Ocorreram mais de 500 medidas, eles tiveram mais do que o tempo necessário para analisar situações semelhantes - critica Lamounier.

Para o cientista político Carlos Alberto Furtado de Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), não há desrespeito à Carta Magna quando os ministros do Supremo agem em nome da governabilidade:

- O Supremo exerceu uma prerrogativa que lhe cabe, de determinar a temporalidade da decisão. Com isso, só serão inconstitucionais as MPs criadas a partir de agora e que não tenham passado pela devida comissão mista do Congresso. Essa decisão não cessa o efeito da inconstitucionalidade, mas é uma decisão política, que leva em conta a governabilidade.

Melo responsabiliza o Legislativo pela situação delicada em que se colocou o STF:

- Quem se desmoraliza com essa questão é, antes de tudo, o Congresso Nacional, porque passou por cima dos ritos constitucionais para atender a pedidos do governo. O STF teve de tomar uma decisão política, de governabilidade, porque o Legislativo não cumpriu a sua parte. O correto seria anular todas as MPs aprovadas sem comissão mista, mas os efeitos seriam muito mais graves do que os erros cometidos na elaboração dessas medidas - avalia.

Segundo Melo, há casos em que não resta outra opção aos ministros do STF:

- O Supremo, na verdade, deveria responsabilizar os presidentes da Câmara e do Senado, que encaminharam essas MPs sem a devida decisão das comissões mistas. O que vemos é que o Supremo teve de ceder à realidade. (Tatiana Farah e Thiago Herdy)

FONTE: O GLOBO

Congresso e governo distorcem objetivo de MPs

Decisão do STF dá importância inédita à indicação dos membros para comissões mistas que irão analisar as medidas

Cristiane Jungblut, Isabel Braga

BRASÍLIA. A atual dinâmica de edição e discussão das medidas provisórias (MPs) criou ao longo dos últimos anos distorções usadas em benefício próprio tanto pelo Poder Executivo quanto pelo Congresso. De um lado, o Executivo abusa do poder de editar as medidas sobre os mais variados temas, nem sempre urgentes e relevantes. De outro, os parlamentares se aproveitam da discussão dos textos para incluir propostas de seus interesses que não conseguiriam incluir na pauta de votações. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo regimentalistas da Câmara e do Senado, deverá mudar a correlação de poder dentro das duas Casas.

O poder estará na indicação dos membros da comissão mista que deverá analisar cada medida provisória. Até agora, as MPs eram analisadas diretamente nos Plenários da Câmara e do Senado, com o poder maior dado aos líderes para indicar os relatores das propostas.

Abuso de "jabutis" e contrabandos

A mudança do texto original de uma medida provisória tornou-se algo rotineiro no Congresso, e o ato de incluir novos temas ganhou apelidos como "jabutis" ou "contrabandos". Nos últimos dias, esse tipo de ação ocorreu durante a votação da Medida Provisória 545, que tratava do Fundo de Marinha Mercante. Na Câmara, o PMDB ressuscitou e aprovou um dispositivo que permite o uso de recursos do chamado FIF-FGTS para obras relacionadas à Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016, nas cidades-sede dos eventos. O Senado manteve o dispositivo à revelia do Palácio do Planalto, mesmo com o aviso de que ele será vetado.

Os parlamentares insistiram na manobra mesmo depois de a presidente Dilma Rousseff ter vetado, em dezembro do ano passado, texto semelhante, que fora aprovado em outra MP, a 540. Dilma vetou a proposta, com a justificativa de que os recursos do FGTS são utilizados para moradia e porque os investimentos na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos do Rio já têm regras específicas.

Na última quarta-feira, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, comentou, resignada, a manobra e sinalizou com o novo veto.

- Uma vez vetado, sempre... - disse Ideli sorrindo.

Dias depois, a Câmara votou a Medida Provisória 547, que chegou com seis artigos e recebeu um relatório com 32. O governo reclamou, e até os parlamentares se queixaram do exagero.

FONTE: O GLOBO

Instância antes desprezada tem novo prestígio

Para parlamentares, briga agora será para integrar comissões

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Cristiano Paixão diz que o Congresso Nacional não pode fazer o que quer no processo legislativo.

- O Congresso Nacional não é dono do processo legislativo, não pode fazer o que quer com normas constitucionais. E, mesmo nas normas regimentais, há limites. Quando o constituinte estabeleceu a comissão mista, a ideia era a de que o Congresso decidisse em um prazo exíguo, porque se trata de uma norma com força de lei, ao contrário de um projeto de lei - disse o professor.

Cristiano Paixão diz que a prática de aproveitar uma medida provisória e incluir outros temas é lamentável e viola o processo constitucional.

O deputado Augusto Carvalho (PPS-DF) lembra os inúmeros questionamentos, em plenário e na Justiça, contra o excesso de MPs e a inclusão dos "contrabando" pelos parlamentares.

- As regras foram sendo atropeladas, transformadas em questão menor. Os deputados encontraram uma maneira de pegar carona e conseguir aprovar pedaços de lei de sua autoria nas MPs - avalia Carvalho.

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) alfineta :

- A lei proíbe a mistura de assuntos numa mesma lei, mas aqui virou uma maneira de organizar interesses e formar maiorias para aprovar o que se quer.

Com a decisão do Supremo Tribunal Federal de obrigar o Congresso a cumprir todos os passos previstos na Constituição, Câmara e o Senado terão que mudar radicalmente a forma de análise das MPs. A dinâmica atual pula a etapa da comissão mista (composta por senadores e deputados), e, na prática, as MPs só são analisadas quando já trancam a pauta da Câmara e do Senado, depois de 45 dias de sua edição. O relatório é apresentado em Plenário e, ali mesmo, são negociadas alterações de última hora. Para viabilizar a aprovação de uma MP, às vezes o líder do governo autoriza um acordo, mesmo avisando que há risco de o Palácio do Planalto vetar. Os senadores reclamam que a MP só chega ao Senado às vésperas de perder a validade e, por isso, é votada rapidamente.

Segundo parlamentares, a mudança será de poder. Isso porque caberá ao presidente do Congresso instalar as comissões mistas e indicar os membros, depois de acerto com os partidos. A briga, agora, será para fazer parte das comissões, já que a discussão nos plenários da Câmara e do Senado deverá perder força. Para os técnicos, os relatores de plenário - antes todo-poderosos - irão apenas ser revisores do parecer da comissão. Além disso, perdem poder os líderes do governo na Câmara e no Senado, e ganha mais importância o líder do governo no Congresso.

FONTE: O GLOBO

PT mineiro defende Lacerda

Petistas destacam "sucesso da dobradinha" com o PSB na prefeitura de Belo Horizonte

Maria Clara Prates

O grupo do PT que defende a aliança com o prefeito Marcio Lacerda (PSB) nas próximas eleições, em detrimento de uma candidatura própria, deu ontem uma demonstração de força ao reunir, em Belo Horizonte, caciques petistas que reafirmaram o apoio ao socialista. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), e o líder do PT na Câmara, deputado Jilmar Tatto (PT-SP), afinaram o discurso e classificaram a dobradinha como um sucesso na gestão de Belo Horizonte. Lacerda também participou do encontro petista, que deveria ser apenas o balanço do mandato do deputado federal, Reginaldo Lopes, presidente do PT estadual e um dos principais defensores da aliança com o PSB. O prefeito, sem modéstia, disse ter certeza de que receberia o apoio petista, apesar da resistências de parte de seus integrantes.

Marco Maia lembrou que a manutenção de alianças é estratégia do governo Dilma Rousseff para a ampliação de sua base aliada. No entanto, fez questão de ressaltar que o PT não pretende fazer parcerias com o PSDB, principal partido de oposição do governo, admitindo, em seguida, que pode "haver excepcionalidades" neste processo. Lacerda se elegeu com o apoio petista e também do senador Aécio Neves (PSDB), que emprestou seu prestígio ao candidato. "É uma vontade do partido fazer alianças no maior número de municípios do Brasil, mas o PT vai respeitar a decisão caso não prevaleça isso na capital mineira", afirmou. Marco Maia disse ainda que não vê desgate na queda de braço travada pelos integrantes do partido: "O PT respeita e estimula as discussões e ainda acata a decisão da base partidária."

Mais pragmático, o ministro Fernando Pimentel foi curto ao comentar o apoio a Lacerda: "É um trabalho que está dando certo. A cidade colhe frutos da continuidade de boas políticas, de práticas administrativas que tiveram início com o prefeito Patrus Ananias (PT), Célio de Castro, comigo e agora com Lacerda". Na mesma linha de Maia, o ministro reafirmou a importância de alianças, que ele mesmo costurou em Belo Horizonte, e mostrou não ter preconceito. "Vale se unir ao PSDB, porque aliança, quanto mais ampla, melhor".

Pimentel mediu as palavras apenas para falar de uma possível candidatura sua para o governo de Minas em 2014. "Meu nome é sempre colocado nas lista de possíveis candidatos. Isso significa que pelo menos parte da população mineira quer que isso aconteça. No momento sou ministro, trabalho pelo Governo Federal e Minas Gerais e ajudo meus companheiros nas eleições municipais. Está cedo para falar em sucessão para o governo do estado."

Para o prefeito Marcio Lacerda, as desavenças entre o PT e PSDB para a renovação da aliança já foram superadas. "Os problemas foram vencidos em nome de um projeto de cidade, não um projeto pessoal. É continuidade de algo que está dando certo", afirmou. Lacerda confirmou que o PT vai indicar o candidato a vice-prefeito em sua chapa e traçou o melhor perfil: "Um vice que seja agregador, que respeite o outro partido, será o melhor dos mundos". O vice-prefeito Roberto Carvalho (PT), rompido com Lacerda, é um dos principais articuladores da candidatura própria petista. Ele considerou ainda natural o convite para participação em um encontro petista: "Sempre estaria presente, quando convidado."

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Kassab adia 'projeto petista' para 2014

No horizonte político do prefeito de SP, aliança em torno da candidatura do tucano José Serra não exclui aproximação com gestão Dilma

Julia Duailibi

A aliança do prefeito paulistano Gilberto Kassab (PSD) com o ex-governador José Serra (PSDB) na corrida pela Prefeitura postergou, mas não enterrou a dobradinha PT-PSD no principal reduto da oposição. Enquanto a união tucano-kassabista ganhou uma sobrevida, o prefeito mantém no radar a aproximação com o governo federal, tendo a reeleição da presidente Dilma Rousseff e a eventual candidatura ao Palácio dos Bandeirantes em 2014 como pano de fundo.

O ritmo da aproximação de Kassab com o PT tem relação direta com o resultado das urnas na eleição de 2012 em São Paulo. Se Serra sair vitorioso, a manutenção da aliança com os tucanos em 2014 dependerá "da forma como o PSD for tratado por Alckmin", diz um fundador do partido em referência ao governador tucano Geraldo Alckmin.

Mas, se houver a derrota do PSDB na eleição, o alinhamento ao PT no Estado "se dará no dia seguinte". Com um discurso de que o PSD é um partido de "centro", o que justificaria o movimento em direção a petistas e tucanos, Kassab descarta hoje a aliança compulsória com o PSDB: "Nós não somos o DEM."

O projeto político de Kassab, dizem seus aliados, passa pela reeleição de Dilma, quando o prefeito também pretende se candidatar a governador. Há dez dias, veio a público declaração dele ao presidente do PT, Rui Falcão, segundo a qual Serra preferiria a reeleição de Dilma à vitória do senador Aécio Neves (MG), pré-candidato do PSDB à Presidência e adversário do ex-governador. O mineiro tem o DEM, partido desafeto de Kassab, como aliado em seu projeto eleitoral.

O cenário alternativo, menos provável hoje, seria jogar o projeto de candidatura a governador para 2018, em nome da manutenção da aliança com o PSDB. Kassab seria indicado a vice-governador na reeleição de Alckmin em 2014. Essa hipótese, no entanto, encontra a resistência do governador, que não o quer na vice.

A disputa de 2014 será uma prévia do "projeto nacional" do PSD, afirma um cacique do partido sobre 2018, quando um dos principais aliados de Kassab, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), pode se candidatar a presidente. Com 47 deputados, o PSD se coloca como uma força de estabilidade do governo federal no Congresso, em parceria com o PSB. Concorre com o espaço que hoje é ocupado pelo PMDB. O governo registrou o "esforço" do PSD, que neste ano votou matérias de interesse do Palácio do Planalto, como a aprovação do Funpresp há 15 dias, num momento de rebelião na base aliada. Kassab é cotado para ter um ministério em 2013.

Se na capital PT e PSD estão em campos opostos, a dobradinha se mantém viva em cidades estratégicas da Região Metropolitana de São Paulo.

Sobrevida. A aliança do PSD com o PSDB na eleição pela maior cidade do País estava por um fio, mas ganhou sobrevida com a entrada de Serra na disputa. Alckmin não aceitou acordo proposto pelo prefeito, segundo o qual o candidato à Prefeitura seria do PSD, com o apoio dos tucanos. Em troca, em 2014 seria a vez de o PSD apoiar a reeleição de Alckmin, tendo Kassab como vice. Mas o governador vê Kassab como potencial adversário na liderança política no Estado, graças ao projeto político do prefeito, aliado a uma desconfiança que vem de 2008, quando os dois foram adversários na eleição municipal, e Kassab recebeu o apoio do grupo de Serra no PSDB.

Quando o acordo foi proposto no final do ano passado, Alckmin disse a Kassab que o PSDB teria candidato próprio em São Paulo e que o nome seria escolhido por meio de prévias.

Mas o prefeito buscou uma saída. Foi atrás do PT, num movimento que tinha o ex-presidente Lula como principal avalista. "Tentaram nos emparedar, mas aí a gente pulou o muro", conta o fundador do PSD. Alckmin correu, então, para pressionar Serra a entrar na eleição e evitar o fortalecimento do polo petista.

Kassab culpou o grupo da senadora Marta Suplicy como principal motivo para naufrágio do acordo com o PT em São Paulo. Mas também disse a petistas que seus eleitores não teriam aceitado uma traição a Serra. Mais uma vez deixou a porta aberta. Avisou que voltará a procurar o PT. Assim que a eleição terminar.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Base do prefeito vira trunfo para Serra alinhavar alianças

Arco de partidos que sustenta a gestão Kassab em São Paulo é a meta da pré-candidatura tucana em termos de coligações

Felipe Frazão, Bruno Boghossian

A boa relação do prefeito Gilberto Kassab (PSD) com sua base aliada em São Paulo será um atalho para a construção de alianças em torno da candidatura de José Serra (PSDB) no município. Kassab disse aos tucanos que vai trabalhar para levar o maior número de siglas que apoiam seu governo na Câmara Municipal para a chapa do ex-governador, o que pode facilitar as negociações com o PV, o PPS e o PSB.

O prefeito tem como trunfo o apoio tanto de partidos historicamente alinhados aos tucanos - o DEM e o PPS - quanto de siglas que integram o governo da presidente Dilma Rousseff - como o PSB e o PP. Na Câmara, Kassab só enfrenta resistência do PT, do PR e de parte do PTB.

O esforço de Kassab soma-se ao poder do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que tem oferecido espaço a legendas amigas em seu secretariado.

A influência do prefeito sobre sua base rendeu sinais públicos de apoio a Serra por parte dos líderes municipais desses partidos. Vereadores do PV, do PPS, do PSB e do PP estiveram em um ato de apoio ao ex-governador na Câmara. Com os trabalhistas, Kassab tem como arma seu bom trânsito com o presidente do partido, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, que frequenta o gabinete do prefeito.

Secretariado. Kassab também amarrou o PV a seus movimentos graças à relação com seu secretário de Meio Ambiente, Eduardo Jorge, filiado à sigla. Ele é um quadros mais elogiados pelo prefeito e o único nome fora do PSD que Kassab cogita oferecer como vice para Serra.

Até o PC do B entrou na órbita de Kassab, que ofereceu à sigla uma secretaria especial da Copa de 2014, no ano passado.

Nas negociações por apoio dos partidos amigos, os tucanos esperam que Kassab distribua os cargos que devem ser abertos até o fim do mês com a saída de cinco secretários que serão indicados para o posto de vice: além de Eduardo Jorge, a vice-prefeita Alda Marco Antônio (Assistência Social), Alexandre Schneider (Educação), Miguel Bucalem (Desenvolvimento Urbano) e Marcelo Branco (Transportes).

Somados, os partidos da base de Kassab representam um tempo de propaganda eleitoral de 7min39s. Sozinho, o PSDB teria cerca de 3min. Em 2008, quando Alckmin se candidatou à Prefeitura, sua coligação teve 4min27s a cada programa de TV, contra 6min40 de Marta Suplicy (PT) e 8min44s de Kassab.

Parte das legendas aliadas de Kassab, no entanto, estudam lançar candidaturas próprias, como o PPS e o PDT. Outras, como PSB e PCdoB, ainda negociam com PT e o PMDB.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Peemedebistas de SP rejeitam abandonar Kassab por Chalita

Felipe Frazão

Os dois peemedebistas secretários municipais da Prefeitura de São Paulo recusam-se a deixar a gestão para apoiar o deputado federal e presidente municipal do PMDB, Gabriel Chalita, pré-candidato à sucessão de Gilberto Kassab (PSD). Uebe Rezeck (Participação e Parceria) e Bebetto Haddad (Esportes) querem seguir no cargo até o fim do ano.

Rezeck disse a interlocutores que, se depender dele, ficará no comando da pasta e entregará o cargo somente em 31 de dezembro. Bebetto Haddad planeja continuar à frente da secretaria "por compromisso com Kassab".

Ambos assumiram há menos de um ano. Rezeck, ex-prefeito de Barretos, era suplente na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Bebetto Haddad era presidente municipal do PMDB, mas teve de abrir espaço para que Chalita assumisse o posto e, assim, sua pré-candidatura ganhasse corpo.

À época da posse na Prefeitura, em maio do ano passado, eles estavam acompanhados do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), que agora pediu aos secretários que "reflitam" sobre seu futuro político - "em jogo" de acordo com o sucesso ou o fracasso eleitoral de Gabriel Chalita.

Temer quer ainda que Bebetto saia candidato a vereador para fortalecer a campanha de Chalita e a sigla no Legislativo. Com a criação do PSD de Kassab, o PMDB ficou sem nenhuma vaga na Câmara Municipal.

O vice-presidente veio pessoalmente ao encontro Rezeck e Bebetto na semana passada para pedir-lhes que avaliem abandonar os cargos em prol da campanha que Chalita começou a fazer - com ataques diretos a José Serra e críticas à falta de projetos da administração Kassab. Assim, não haveria desconforto nem desgaste do PMDB por questionar publicamente uma gestão que peemedebistas ajudam a fazer na capital paulista.

Lealdade. O PMDB apoiou a reeleição de Kassab em 2008 e, em contrapartida, pôde indicar Alda Marco Antonio ao cargo de vice-prefeito. Mas, mesmo com a pressão da direção nacional, Rezeck e Bebetto querem manter lealdade ao prefeito.

Procurados pela reportagem do Estado, os secretários disseram que só vão comentar a decisão final depois de oficializarem a vontade de ficar ao prefeito. Kassab deve recebê-los ainda esta semana, depois de retornar de viagem a Espanha e Portugal.

O prefeito disse que deixará Rezeck e Bebetto livres para decidir se ficam ou não, sem forçar escolhas. E nega que pretende usar os cargos de ambos em negociações com outros partidos, como o PSB, em troca de apoio ao pré-candidato tucano José Serra. Os secretários, por sua vez, aguardam um posicionamento de Kassab.

"Ainda não falei com eles (Rezeck e Bebetto), mas vai depender só deles, da vontade de cada um", afirmou o prefeito.

Alvo. As secretarias comandadas pelos peemedebistas não devem ser alvo de ataques de Chalita, que prefere criticar transporte, saúde e educação. As pastas sob o comando dos peemedebistas são responsáveis por eventos populares na cidade, culturais e esportivos, que viraram marcos do calendário oficial paulistano, com chamariz para atrair milhares de pessoas.

À frente da Secretaria de Participação e Parceria, Uebe Rezeck organiza a Parada do Orgulho LGBT, com apoio da Associação da Parada. Já Bebetto, na de Esportes, promove a edição anual da Virada Esportiva e distribui atividades físicas espalhadas por toda a cidade durante um fim de semana inteiro.

Precedente. Uebe Rezeck e Bebetto Haddad não são os primeiros peemedebistas da administração municipal se recusarem a aderir ao projeto Chalita, incentivado e capitaneado pelo vice-presidente, Michel Temer. A vice-prefeita de São Paulo, Alda Marco Antonio, se desligou do PMDB no fim do ano passado depois de Chalita revelar, durante um discurso na Assembleia Legislativa do Estado, que atacaria publicamente a gestão Kassab durante a campanha. Chalita fez comentários críticos ao trabalho da realizado pela equipe kassabista na área de Assistência e Desenvolvimento Social, pasta comandada pela então correligionária Alda Marco Antonio.

Para evitar ser alvo do pré-candidato, a quercista decidiu deixar o PMDB em que estava há mais de 40 anos e se filiar ao recém-fundado Partido Social Democrático (PSD) de Kassab.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Crise de Dilma e aliados não afeta campanha, diz Serra

Pré-candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo diz que sua campanha não deve ser favorecida pelas disputas em Brasília

Wladimir D'Andrade

O pré-candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo José Serra minimizou hoje o impacto da crise entre o governo Dilma Rousseff e os partidos da base aliada na disputa eleitoral paulistana. Serra disse que sua campanha não deve ser favorecida pelas disputas em Brasília - que aparentemente prejudicariam o pré-candidato petista Fernando Haddad. "Não creio que haja uma relação tão direta assim", afirmou, após evento partido na zona leste de São Paulo.

A mesma opinião tem o senador Aloysio Nunes (SP). Presente no mesmo encontro, ele afirmou que as esferas municipais e federal têm dinâmicas muito diferentes. Ressaltou, no entanto, que a rebelião na base aliada do governo federal escancara que é problemático o modo de o PT fazer alianças, que classificou de fisiologismo. "Esse fisiologismo pode funcionar bem por apenas um certo tempo. O apetite dos partidos é sempre maior que o alimento disponível. Aí é que começa a briga", disse.

Contudo, o deputado estadual Orlando Morando, um dos coordenadores da pré-campanha de José Serra, acredita que o "desentrosamento" entre o governo Dilma e a base aliada deve favorecer os partidos que fazem oposição ao PT. "Não pautamos nossa campanha imaginando problemas do outro, mas com certeza essa situação pode gerar um dividendo para quem é oposição ao PT", disse.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A militantes, Serra defende parceria entre prefeitura e Estado

Em discurso campanha pelas prévias tucanas, no próximo dia 25, ex-governador conversou com integrantes do partido e evitou falar sobre formação da chapa

Wladimir D'Andrade

O pré-candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo José Serra afirmou neste sábado, 10, que sua campanha, caso vença as prévias do partido no dia 25 de março, deve transmitir aos eleitores a importância de uma parceria entre a administração municipal e o governo do Estado. Atualmente, ambos são comandados por aliados do ex-governador José Serra - no governo do Estado está Geraldo Alckmin, também do PSDB, e na prefeitura Gilberto Kassab, do PSD, que assumiu a cargo a primeira vez após saída de Serra.

Em discurso à militância do PSDB na zona leste da cidade, Serra afirmou que sua campanha vai defender a ampliação de parcerias entre o governo do Estado e a prefeitura. "O grande aliado para obras da prefeitura é o governo do Estado", discursou. "Temos que saber na campanha transmitir isso."

Após o evento realizado no auditório da Universidade Cruzeiro do Sul, na zona leste, Serra citou em entrevista três temas que devem ser suas principais bandeiras da campanha à prefeitura: Educação, Saúde e Transporte. "Existem três áreas essenciais para a cidade de São Paulo. Do ponto de vista social, é a Saúde e a Educação. Do ponto de vista material, é o Transporte", afirmou.

O pré-candidato, no entanto, disse ainda ser muito cedo para detalhes do programa de governo. Também é prematuro na opinião de Serra falar em um nome para compor sua chapa na eleição de outubro. Segundo ele, a escolha do candidato a vice-prefeito será feita em maio ou junho. "A questão do vice será vista mais adiante. Temos bons nomes de vários partidos, mas só vamos ver isso em maio ou junho."

O encontro com a militância do PSDB contou ainda com a presença de vereadores, deputados estaduais, federais e dirigentes regionais do partido. Dois membros do partido que desistiram da disputa e deram apoio a Serra também estavam no local: o secretário estadual de Meio Ambiente, Bruno Covas, e o secretário estadual de Cultura, Andrea Matarazzo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Eleição em SP contraria tese da influência do cenário nacional

Vera Magalhães

A estratégia de "nacionalizar" a campanha pela Prefeitura de São Paulo, acalentada tanto pelo PT quanto pelo PSDB, é nada mais que uma tese à procura de comprovação, se analisados os dados das eleições municipais na capital nos últimos 27 anos.

Nenhum candidato apoiado pelo presidente da vez, ainda que bem avaliado, foi eleito na cidade desde 1985.

A série começa quando José Sarney apoiou Fernando Henrique Cardoso, ainda no PMDB. Deu Jânio Quadros.

E termina com revezes de Lula nos dois mandatos, quando o PT sofreu derrotas com Marta Suplicy, uma delas em disputa de reeleição.

Mesmo o atual domínio tucano-kassabista em São Paulo só se deu, ironicamente, depois que o PSDB foi apeado do governo federal.

Nas duas eleições municipais realizadas sob seus mandatos, Fernando Henrique Cardoso não conseguiu colocar um aliado na cadeira de prefeito em que ele próprio chegou a se sentar, antes de ser derrotado em 1985.

José Serra, hoje favorito segundo a pesquisa Datafolha divulgada na semana passada, não passou de um terceiro lugar em 1996, quando o malufismo se confirmou como força dominante na cidade e levou o desconhecido Celso Pitta ao poder.

Diante do desastre da administração Pitta, foi o PT, e não os tucanos -que governavam não só o país, mas o Estado- que levaram a melhor: Marta foi eleita e o então vice-governador Geraldo Alckmin ficou em terceiro lugar, fora do segundo turno.

Apesar da evidência do pouco peso atribuído pelo eleitor paulistano aos "padrinhos" nacionais na hora de eleger seu alcaide, petistas e tucanos voltam a sonhar com um embate que reproduza sua contenda nacional.

O ex-presidente Lula, antes de se afastar da política por razão de saúde, elegeu a vitória em São Paulo como essencial para derrotar o PSDB no Estado em 2014. Para isso, desmobilizou as prévias e viu seu escolhido, Fernando Haddad, ser ungido pelo PT.

Da mesma forma, ao anunciar sua disposição em voltar a concorrer à prefeitura, Serra justificou sua decisão pela necessidade de combater o projeto nacional de poder petista, missão para a qual seria o nome mais indicado.

O atual cenário mostrado pelo Datafolha confirma o paradoxo paulistano: apesar de a grande maioria dos eleitores se dizer propensa a votar em um candidato apoiado por Lula ou pela presidente Dilma Rousseff, é o oposicionista Serra que lidera, com folga, as intenções de voto.

Fazer com que o prestígio dos padrinhos petistas quebre a "marra" do paulistano em votar de forma descasada para prefeito e para presidente será missão do marqueteiro João Santana até outubro.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A reação tucana

Com Serra e Lula em campo, a eleição municipal em São Paulo caminha para definir muito mais do que o prefeito da maior cidade do país

Otávio Cabral

Vencer a eleição para a prefeitura de São Paulo é vital para o projeto do PT, mais precisamente do seu presidente de honra, Luiz Inácio Lula da Silva. Há duas décadas, a política brasileira é marcada por uma briga acirrada entre o PT e o PSDB, com os demais partidos orbitando como satélites em torno do governo de ocasião. Os tucanos ficaram oito anos na Presidência. Os petistas que lhes sucederam já estão em seu terceiro mandato. Nesse período, o PT aparelhou o estado, cooptou partidos aliados, sindicatos, movimentos sociais e desequilibrou o jogo. Agora, para alcançar a hegemonia e reduzir a oposição a pó, almeja conquistar o estado de São Paulo, a principal praça de resistência dos tucanos, e, para isso, a prefeitura de São Paulo é uma escala fundamental. O anúncio da entrada do ex-governador José Serra na briga municipal, porém, jogou areia no projeto petista.

Serra, que pretendia disputar pela terceira vez a Presidência da República em 2014, comunicou na semana passada que o plano está agora "adormecido" e se pôs à disposição do partido para concorrer às eleições municipais. Além de ser o único nome capaz de unir o PSDB na disputa paulistana, ele é também o único a ter chances reais de ganhar uma batalha na qual o PT vem descarregando todos os seus tanques. Lula patrocinou a candidatura do ex-ministro da Educação Fernando Haddad e empenhou-se em fortalecê-la formando um tal balaio de gatos – ou leque de alianças, como se diz em política – que incluiria até um aliado histórico do PSDB, o prefeito Gilberto Kassab, fundador do PSD. No momento em que se aproximou do PT e ameaçou distanciar-se do PSDB, no entanto, Kassab forçou Serra a abandonar a indefinição e assumir sua candidatura à prefeitura.

Agora, com o cenário definido (Serra ainda terá de se submeter às prévias do partido, mas, a esta altura, elas não passam de formalidade), a eleição para a prefeitura de São Paulo ganha contornos de disputa nacional. Isso não significa que Serra e Haddad poderão deixar de lado os sérios problemas nas áreas de saúde, educação e transporte que atormentam a vida dos 11 milhões de paulistanos. Mas serão cobrados também a debater o modelo que seus partidos querem para o país. "A presença de Serra colocou a eleição paulistana na vitrine habitacional. Será o duelo entre o projeto monopolista de Lula e a sobrevivência da oposição como alternativa de poder", analisa o cientista político Rubens Figueiredo. No discurso em que anunciou sua candidatura, Serra declarou que entrou na disputa para deter o avanço do PT como força hegemônica da política nacional. “Estão em jogo duas visões distintas de administração dos bens coletivos, duas visões distintas na de democracia, duas visões distintas de respeito aos valores republicanos”, afirmou. Se Lula nacionalizou a disputa ao utilizar seu prestígio e a força do governo federal para montar o palanque de Haddad, o PSDB promete devolver na mesma moeda. "É uma eleição emblemática por tratar da maior cidade do país e por envolver líderes políticos nacionais. Será uma espécie de ensaio, mas com outros atores, para a eleição presidencial de 2014", afirma o presidente do PSDB, Sergio Guerra.

Se foi a ameaça de Kassab de se aproximar do PT que forçou Serra a abandonar a indefinição, partiu de Alckmin a catada final que o levou a assumir a candidatura. Na véspera do Carnaval, o governador se reuniu com o senador mineiro Aécio Neves e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para afinar um discurso de convencimento. Uma semana depois, convidou Serra para um jantar no Palácio dos Bandeirantes, no qual deixou claro que ele era a única opção para derrotar o PT. Para finalizar, prometeu empenhar-se em sua campanha - o que, mais do que uma obviedade, era um compromisso que Serra precisava obter dele, dado que na sua tropa rondava a desconfiança de que Alckmin pudesse fazer "corpo mole" para favorecer o candidato do PMDB, Gabriel Chalita, seu ex-secretário de Educação.

Em contrapartida, a cúpula do PSDB exigiu de Serra o compromisso de que, caso eleito, não deixará o mandato para tentar disputar a Presidência em 2014, como fez em 2006, quando renunciou ao cargo para concorrer a governador. As pesquisas mostram que Serra é bem avaliado como gestor e deixou marcas positivas em suas passagens pelo Ministério da Saúde, prefeitura e governo. Mas a desconfiança de que ele usa o cargo que ocupa como um degrau para subir a um posto mais alto é tida como um dos principais componentes de sua taxa de rejeição, que atinge 33% do eleitorado. Não por acaso, as primeiras entrevistas do tucano foram dedicadas a prometer que ele ficará, sim, os quatro anos na prefeitura. Para ser 100% convincente, faltou apenas fazer aquilo que lhe cobra a cúpula do PSDB: declarar que seu candidato a presidente em 2014 é o ex-governador de Minas Aécio Neves, seu desafeto e o preferido do partido.

Em São Paulo, Serra enfrentará um candidato hoje com 5% de intenção de voto e alto potencial de crescimento. Com seu perfil de jovem professor universitário, Fenando Haddad foi escolhido por Lula para conquistar a classe média refratária ao PT. Além do padrinho bom de voto, o ex-ministro conta com a boa vontade da presidente Dilma Rousseff - que prometia não usar o governo na campanha, mas já usou. Na semana passada, ela nomeou o senador Marcelo Crivella, do PRB, para o Ministério da Pesca, agradando a bancada evangélica, ultimamente descontente com Haddad. Lula e Dilma também vêm tentando conquistar o PSB para o palanque de Haddad e, na semana passada, reunidos em São Paulo, encomendaram uma pesquisa para avaliar se a candidatura de Chalita é boa ou ruim para o petista. Caso concluam pela segunda alternativa, o governo negociará com o PMDB a retirada de Chalita da disputa.

Se para o PT a vitória nas eleições municipais de São Paulo é condição para a conquista da hegemonia do partido, para o PSDB ela representa o primeiro passo para retomar a Presidência em 2014. Nos próximos meses, a capital será a arena de uma guerra entre os dois principais partidos do país. E os melhores exércitos de cada lado já estão em campo.

Pescador de votos

Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff trocou o comando do Ministério da Pesca, aquela excrescência administrativa criada pelo ex-presidente Lula para acomodar aliados no primeiro escalão. Demitido do cargo de ministro pela segunda vez só neste governo, o petista Luiz Sérgio foi substituído pelo senador Marcelo Crivella, do PRB. A troca não era tema das conversas, entabuladas desde o ano passado, sobre mudanças na equipe ministerial. Também não teve o objetivo de aumentar a eficiência da máquina pública, como as mexidas até agora realizadas. O próprio Crivella admitiu que não conhece nada do setor pesqueiro e, fazendo piada das próprias credenciais, disse que jamais colocou uma minhoca num anzol. Não faz diferença. O senador foi alçado à Esplanada por uma contingência política. Mais do que isso, por uma necessidade eleitoral, numa demonstração de que - apesar de prometer o contrário - a presidente da República mergulhará de cabeça para ajudar o PT a conquistar espaços na campanha municipal deste ano.


Dilma nomeou Crivella de olho no apoio dos evangélicos. Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e sobrinho de Edir Macedo, o senador será o principal interlocutor do Palácio do Planalto com esse segmento. No curto prazo, ele pode ser decisivo para que Lula e o PT consigam conquistar a prefeitura de São Paulo. O governo quer que Crivella convença o PRB a desistir da candidatura de Celso Russomano, fechando aliança com o petista Fernando Haddad. Se isso não for possível, o governo quer que o ministro costure, pelo menos, uma política de boa vizinhança entre evangélicos e Haddad. O clima entre as partes azedou depois que o Ministério da Educação, ainda na gestão Haddad, planejou entregar aos alunos das escolas públicas um "kit gay", a fim de combater o preconceito. Em resposta à iniciativa, a Igreja Universal veiculou uma série de reportagens com críticas a Haddad. Dilma chegou a escalar o ministro Gilberto Carvalho para tentar selar um armistício. Como a ofensiva não deu certo, apelou para o Ministério da Pesca, que, enfim, tem uma utilidade reconhecida.

FONTE: REVISTA VEJA

Diogo Nogueira - Malandro é Malandro, Mané é Mané

A experiência brasileira:: Merval Pereira

Quando em 1988 foi promulgada a "Constituição-Cidadã", assim chamada pelo presidente da Constituinte deputado Ulysses Guimarães, do PMDB, o então presidente José Sarney disse que ela tornaria o país "ingovernável".

Durante muitos anos seus críticos - que já foram majoritários - diziam que a Constituição tinha muitos direitos e poucos deveres. Hoje, quase um quarto de século depois, a Constituição brasileira mostra-se adequada às necessidades dos tempos modernos ao mesmo tempo em que a enxuta e quase sem emendas Constituição dos Estados Unidos de 1787 já não serve como parâmetro para o mundo, de acordo com um estudo dos professores americanos David Law, da Universidade Washington em St. Louis, e Mila Versteeg, da Universidade de Virgínia.

O constitucionalista Luís Roberto Barroso acha que a Constituição brasileira é, provavelmente, o exemplo típico de Constituição voltada para a proteção ampla dos direitos fundamentais, inclusive os sociais e difusos, como parece ser a tendência internacional.

Tal ênfase é compreensível, diz Barroso, pois o déficit em relação à proteção e promoção dos direitos fundamentais era a marca da experiência política brasileira.

Embora ressalte que nem tudo tenha sido flores nesse período desde sua aprovação, ele acha que é possível fazer um balanço extremamente positivo do seu desempenho.

Para Luís Roberto Barroso, a Constituição brasileira de 1988 tem algumas virtudes e realizações que permitem identificá-la como um documento de grande sucesso institucional.

Dentre elas, destaca: (i) transição bem sucedida de um regime autoritário para um regime democrático; (ii) mais de duas décadas de estabilidade política, período no qual ela se mostrou capaz de absorver crises políticas que foram do impeachment de um presidente à crise do chamado mensalão; (iii) razoável avanço na proteção e promoção dos direitos fundamentais de uma maneira geral.

Por outro lado, Barroso considera que a Constituição, na sua formulação originária - e, de certa forma, ainda hoje - apresenta dois vícios que tornaram a vida mais difícil: trata de assuntos demais e trata-os com excessivo detalhamento.

"Uma Carta que, mais do que analítica, é prolixa, casuística e corporativista".

Barroso diz que é possível chegar a duas constatações positivas: a Constituição foi remendada por mais de 60 emendas, mas questões materialmente constitucionais - direitos fundamentais, separação de Poderes e divisão de competências entre União, Estados e Municípios - permaneceram substancialmente intangidas desde 1988.

A atuação do Judiciário na interpretação construtiva da Constituição tem-na ajudado a servir bem ao país. Barroso ressalta que a Constituição brasileira tem uma característica que a diferencia das mais tradicionais, como a norte-americana e a alemã, que é a previsão de um conjunto substancioso de direitos sociais, aí incluídos os relativos a educação, saúde e assistência social.

"Apesar de criticada por isso, se a Constituição de um país pobre e em vertiginoso esforço para sair do subdesenvolvimento não cuidasse de temas como esse, ela se transformaria apenas em um conjunto de regras para a classe dominante se alternar no poder", diz Barroso.

Outra inovação da Constituição brasileira, em contraste com textos tradicionais, foi o tratamento de temas como proteção do meio ambiente e do consumidor, os chamados direitos difusos.

A partir daí, na visão de Luís Roberto Barroso, tem-se desenvolvido, paulatinamente, uma nova consciência de direitos, por parte da cidadania, e de responsabilidade social, por parte dos empreendedores.

O professor Gustavo Binenbojm diz que no caso da Constituição de 1988, embora presentes traços herdados do constitucionalismo americano, como o sistema federativo e o controle difuso de constitucionalidade, suas influências diretas foram a Constituição portuguesa de 1976 e a Lei Fundamental de Bonn, de 1949, hoje Constituição da Alemanha reunificada.

"Talvez a maior proximidade em termos de cultura jurídica - a romano-germânica - e a experiência comum com regimes totalitários - o hitlerista e o salazarista - tenham oferecido modelos constitucionais mais próximos de nossas necessidades e preocupações, em especial no que concerne à garantia da estabilidade democrática e à proteção dos direitos fundamentais", especula.

A tendência mundial, diz Binenbojm, é os mais jovens "scholars" passarem a se interessar pela jurisprudência de tribunais constitucionais de países emergentes, dentro os quais se destacam a África do Sul, a Colômbia, a Índia e o Brasil, apesar da barreira da língua.

Gustavo Binenbojm também destaca que países como Brasil e Índia, onde as Constituições acabam por se tornarem documentos que incorporam muitas questões próprias da legislação ordinária, são levados a uma constitucionalização excessiva e, por conseguinte, a uma excessiva judicialização da política, da economia e da vida social de forma mais geral.
Os dois constitucionalistas têm a mesma visão sobre a importância da teoria constitucional dos Estados Unidos, apesar de todas as mudanças ocorridas no mundo. Luís Roberto Barroso não tem dúvidas em afirmar que "a teoria constitucional americana ainda reina".

Mesmo que a Constituição americana de fato já não seja um modelo amplamente seguido e que a Suprema Corte americana de fato já não tenha a influência de outros tempos, ele diz que a doutrina constitucional americana - isto é, os principais autores de universidades como Yale, Harvard, Stanford, NYU - continua, de longe, a mais influente do mundo, por sua qualidade, sutileza e sofisticação, seguida, a meia distância, pela doutrina alemã.

Também Gustavo Binenbojm diz que "seria um erro subestimar a importância do constitucionalismo norte-americano, ainda nos dias de hoje, para a cultura política e jurídica universal, inclusive a brasileira".

As contribuições do constitucionalismo norte-americano transcendem em muito a letra expressa de sua Constituição, registra Binenbojm.

Para ele, "o longo e contínuo experimento democrático-constitucional estadunidense produziu uma forma peculiar de cultura política que crê na razão pública como instrumento de construção da justiça".

Passados mais de 200 anos, a despeito de alguns percalços, Gustavo Binenbojm reconhece que "a jurisdição constitucional fomentou o surgimento e desenvolvimento de um discurso público centrado em princípios de moralidade política, para além das meras disputas de poder".

FONTE: O GLOBO

Recuo dos recuos::Eliane Cantanhêde

Houve um festival de recuos na semana passada. Seria cômico, se não fosse trágico.

Comecemos pelo Supremo. Na quarta, por 8 a 1, considerou inconstitucional o Instituto Chico Mendes, criado por uma medida provisória aprovada sem passar por uma comissão especial de deputados e senadores. Na quinta, por 7 a 2, voltou atrás. A exigência de comissões para MPs passou a ser só a partir de agora.

Mantida a primeira votação, seria criado um limbo jurídico para cerca de 560 MPs sujeitas a questionamento. Exemplos: Bolsa Família, ProUni, lei do salário mínimo, transgênicos, leis da Copa e da Olimpíada e vai por aí afora. Um caos, portanto.

Outro recuo foi na cobrança de multa para empresas que paguem salários diferentes para mulheres e homens em funções iguais. Na quarta, a Câmara aprovou, Dilma comemorou e até anunciou que iria pes-soalmente ao Congresso para a sanção. Na quinta, líderes governistas no Senado acataram o chororô patronal e a Casa Civil subitamente passou a achar o texto "mal redigido".

Conclusão: o projeto, tão comemorado, subiu no telhado. Era para ser um, vai ser outro. E sabe-se lá quando. Dilma vai ao Congresso, mas sem sancionar coisa nenhuma.

Um terceiro vexame começou com a Fifa dizendo que o Brasil merece "um chute no traseiro". Depois alegou que a tradução estava errada (certamente, a culpa foi da imprensa...) e, enfim, pediu desculpas. Aldo Rebelo (Esporte) atacou e recuou, aceitando as desculpas. Ficou o dito pelo não dito, todo mundo com a garganta arranhando.

E não parou aí: o Senado derrotou em votação secreta o candidato do peito de Dilma para a ANTT (agência de transportes terrestres). Agora é ver quem assume o voto e quem recua: "Eu?! Eu votei a favor!". Sem anonimato, a conta de 36 a 31 fecha?

Um ET que desembarcasse aqui acharia tudo surreal. Como brasileiros, já estamos acostumados...

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Segurança jurídica:: Dora Kramer

É mais importante do que à primeira vista possa parecer a decisão do Supremo Tribunal Federal que obriga o Congresso a seguir o que diz a Constituição sobre o rito de tramitação das medidas provisórias editadas pelo Executivo.

Altera tão profundamente procedimentos desviantes, atinge tão decisivamente práticas ilegais consolidadas ao longo de mais de 20 anos que ainda não é possível dimensionar a extensão da mudança.

Inclusive porque Planalto e Parlamento não vão se conformar com a chamada aos costumes que levaram do Judiciário e logo buscarão um atalho para continuar no desfrute do abuso no uso das MPs.

Sistemática em vigor desde a promulgação da Constituinte de 1988, que deu ao Executivo um instrumento para legislar em casos de urgência e relevância para a nação e conferiu ao Congresso a prerrogativa de aceitar ou recusar receber as medidas provisórias mediante o exame do pré-requisito legal.

Tudo muito claro. Mas não necessariamente simples como sugere a obrigatoriedade de todos, ainda mais os Poderes da República, submeterem-se à regra da Carta.

Por submissão ao Executivo, o Legislativo abriu mão da função constitucional e achou mais fácil burlar a norma para atender às necessidades do Planalto enquanto ao mesmo tempo salvava as aparências esperneando contra o excesso de MPs.

O Supremo declarou inconstitucional a medida que criou o Instituto Chico Mendes por não ter sido examinada em comissão especial como manda o artigo 62, parágrafo 9.º, mas conforme "desmandava" uma resolução do Congresso dispensando a exigência.

Derrubada a gambiarra, viu-se que 560 atos decorrentes de medidas provisórias e que, já em vigor, perderiam a validade. O STF, então, refez a decisão e determinou que apenas daqui em diante suas excelências fizessem o obséquio de se manter nas balizas da lei.

Levou em conta a realidade, mas nem por isso deixou de ser acusado de patrocinar a "insegurança jurídica". Acusação esta recorrente, semelhante a outra denominada "judicialização da política" também usada quando o tribunal contraria interesses que se imaginavam acomodados.

Aos fatos: insegurança a Justiça criaria se levasse a ferro e fogo a letra da lei, pois mediante provocação todas as medidas provisórias aprovadas sob a égide da ilegalidade poderiam ser contestadas.

Ademais, insegurança jurídica quem cria é o Congresso quando não cumpre a Constituição.

Modos. Na versão palaciana a presidente "decidiu" não retaliar nem reclamar da rebeldia dos partidos aliados.

Não foi uma decisão, mas uma rendição à realidade: se Dilma gosta de gritar, o Congresso mostrou-se disposto a berrar. Dado o prejuízo geral da barulheira, daqui em diante é provável que ambos falem mais baixo.

Por quanto tempo, vai depender das circunstâncias e do modo de operação governamental. A começar por substituir as ordens de "governo não aceita" por indicações de que "o governo prefere" seja feito assim ou assado.

À sombra. Por ora, os planos do PSDB de investir na cisão da base governista para articular uma base de apoio à disputa presidencial de 2014 seguem conforme a aposta de que mais dia menos dia a relação se desgastaria.

Se de um lado pode dar certo, de outro a estratégia evidencia opção preferencial pelo jogo de bastidor em detrimento da construção de um discurso ativo para a sociedade. Considerando a natureza inconstante das marés, a oposição corre o risco de, sem traços nítidos, não ser reconhecida pelo eleitorado na hora H.

Antes assim. Antonio Palocci nega participação na campanha de Fernando Haddad ou em qualquer outra. Diz isso em desmentido à notícia de que seria o abre-alas "informal" do comitê financeiro do candidato do PT à Prefeitura de São Paulo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Círculo militar:: Míriam Leitão

O país tem discutido, nos últimos dias, o passado do regime militar. É tarde, mas não tarde demais. A sociedade decidirá o alcance desse reencontro, mas o passado deve ser revisitado se o país escolheu jamais repetir aquele erro. Novas informações surgem sobre histórias antigas, novos caminhos jurídicos. Os militares repetem o velho enredo de vetar o debate. O governo ainda não nomeou os integrantes da Comissão da Verdade.

Vladimir Herzog foi morto há 36 anos, com apenas 38 anos, horas depois de entrar no DOI-Codi, no II Exército. Tinha endereço certo, dirigia o jornalismo na TV Cultura, não demonstrou qualquer intenção de fugir, apresentou-se para depor, nunca houve culpa formada, não se sabe do que foi acusado, não se sabe até hoje como o mataram.

Uma nova foto, omitida na época, mostra o que sempre soubemos e dá mais clareza à farsa montada para tentar esconder a verdade. Foi publicada nos últimos dias no site organizado pelo deputado Miro Teixeira (www.leidoshomens.com.br). Pelo ângulo se vê que se quisesse cometer suicídio ele amarraria a faixa na grade superior. O site mostra também uma carta do general Newton Cruz ao então chefe do SNI, João Figueiredo, revelando a luta intestina dentro do aparelho repressor.

Nestes 27 anos de democracia já deveria ter havido a busca da verdade sobre as circunstâncias das mortes e dos desaparecimentos políticos. Não é revanchismo. É uma obrigação do Estado para com as famílias e a História. Sempre que o assunto retorna, os militares calam a discussão. A fórmula é conhecida: os da reserva fazem notas com protestos e ameaças veladas, os comandantes da ativa fazem pressão por dentro, usando como prova da insatisfação da tropa as notas dos aposentados. Assim se forma o círculo do veto. O poder civil recua.

Herzog é uma das tantas feridas que não cicatrizam porque não é uma questão de tempo, e sim de prestar contas do crime que o Estado cometeu. O governo democrático não buscou os fatos com a diligência que a construção institucional exige. Essa falha permite que os militares mantenham sua versão. O general Luiz Eduardo Rocha Paiva afirmou na entrevista que me concedeu que "ninguém pode dizer que ele (Herzog) foi morto pelos agentes do Estado. Nisso há controvérsias. Ninguém pode afirmar". O Instituto Vladimir Herzog reagiu com nota de repúdio.

Por que um general que estava até 2007 em postos importantes é capaz de levantar tal dúvida? Porque sempre que eles mandaram o país interromper a conversa sobre Herzog e qualquer outro foram obedecidos. Em outubro de 2004, o "Correio Braziliense" publicou fotos que supostamente eram de Herzog. Isso detonou uma crise militar. O serviço de comunicação do Exército publicou uma nota em que justificava torturas e mortes. "As medidas tomadas pelas Forças Legais foram uma legítima resposta à violência dos que se recusaram ao diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas."

O então ministro da Defesa, José Viegas, exigiu do comandante do Exército, Francisco Roberto de Albuquerque, uma nota de retratação. O general optou por uma nota na primeira pessoa em que dizia que aquela forma de abordar o assunto não era adequada. O Exército jamais se retratou. O ministro Viegas deixou o posto dizendo que o pronunciamento provava a persistência do "pensamento anacrônico" da "doutrina de segurança nacional" em plena vigência da democracia.

Esse não foi o primeiro nem o último evento em que os militares constrangeram o poder civil. Foi o mais explícito porque Viegas deu transparência aos fatos. Ele disse em sua saída que achava inadmissível que as Forças Armadas não demonstrem "qualquer mudança de posicionamento e de convicções". Disse que considerava inaceitável que se usasse o nome do Ministério da Defesa para "negar ou justificar mortes como a de Vladimir Herzog".

Lembrar esse episódio nos ajuda a ver como é persistente o veto militar a duas providências fundamentais: procurar as informações que à época foram negadas pela ditadura; promover uma renovação do pensamento das Forças Armadas sobre seu papel naquele período.

O general Rocha Paiva não é um ponto fora da curva; ele representa o pensamento majoritário dos militares da ativa e da reserva. Isso fica provado também no número de oficiais, que estavam no comando até recentemente, que assinaram a nota de protesto dos clubes militares contra a Comissão da Verdade. Eles pensam hoje o que sempre pensaram. Rocha Paiva disse, por exemplo, que não há provas do crime do Caso Riocentro (a transcrição na íntegra da entrevista está no meu blog).

Como o pensamento das Forças Armadas não foi atualizado, novas gerações estão sendo formadas nessa convicção. O desvio tem se perpetuado. Eles ainda defendem como legítimo o que houve nos 25 anos de exceção, ainda cultuam os ditadores como heróis, ainda protegem os torturadores e sonegam informações. Se o governo se deixar intimidar na Comissão da Verdade estará capitulando diante da pressão do círculo militar.

FONTE O GLOBO

Contrarreforma:: José de Souza Martins

Reforma agrária tem data de validade: ou ocorre na conjuntura histórica propícia ou perde a oportunidade e declina, acomodando-se na rotina institucional do Estado

Os dados do Incra, relativos a 2011 indicam drástico declínio do número de assentamentos no governo de Dilma Rousseff, o que para um dirigente do MST comprova "que a reforma agrária não é considerada prioritária pelo atual governo". Dos assentamentos do ano, apenas um terço foram-no em terras desapropriadas, ou seja, de efetiva desagregação de latifúndios. O MST tem dificuldade para reconhecer regularizações fundiárias como reforma agrária que previne expulsões e a latifundização da posse da terra.

O número de assentamentos do ano passado foi ínfimo em relação aos últimos 16 anos, o que abrange os governos opostos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula. Para quem se limita a fazer das estatísticas sociais um mero recurso de campeonato que confronta números de um governo com os de outro e os de um partido com os de outro, o declínio confunde e abate.

Essa oscilação pouco diz sobre o essencial da questão agrária entre nós. Quando o concentracionismo das modalidades arcaicas da posse da terra erguem um obstáculo ao desenvolvimento econômico e à expansão da economia empresarial é que a questão agrária se propõe. No Brasil, em que desde a abolição da escravatura o capital é também proprietário de terra, é restrita a possibilidade de uma grande coalizão social e política em favor da reforma. Ela é aqui mais questão social, pelas injustiças que a cercam, do que questão estrutural, de organização e funcionamento da sociedade. O que fragiliza a causa dos que entendem que a reforma é essencial ao desenvolvimento e à democracia.

Nossos primeiros agrorreformistas eram membros do Parlamento do Império, eles próprios vinculados material e politicamente às famílias dos grandes senhores de terras. Foram derrotados quando o Estado brasileiro, em 1850, optou pelo modelo agrícola concentracionista, o oposto do que viria a ser a opção americana pela Homestead Law, em 1863. A opção brasileira, associada a nossa invenção de relações não capitalistas de trabalho livre, assegurou o fim da escravidão e a rápida e intensa acumulação de capital que daria início a nossa industrialização com atraso de décadas. Nessa opção residem o progresso do País e também as dificuldades da nossa reforma agrária.

Em 1983, numa conferência na Associação dos Sociólogos de Brasília, Fernando Henrique Cardoso chamava a atenção para o fato de que nas votações do Congresso as medidas relativas à reforma agrária não passavam, não se politizavam, não chegavam a ser divisores de águas. Trinta anos se passaram. Está há dez anos no poder o partido que mais se beneficiou da mobilização pela reforma agrária e nem por isso ela chegou ao centro das decisões de Estado. O PT demonstrou, contra seus militantes, que a reforma agrária não está na encruzilhada dos destinos possíveis e alternativos do País. Se a reforma estava na agenda eleitoral do PT, não está em sua agenda política. E não é por falta de vontade política, como dizem os exaltados de sua grei, mas por realismo político. Na formação de seu primeiro governo, Lula fez larga concessão aos agrorreformistas entregando o Incra a um representante da Pastoral da Terra. Em poucas semanas, o conflito estava instalado no governo em consequência da tentativa de radicalizar a reforma e colocá-la no centro do processo político, sem levar em conta a pauta da governabilidade. Lula demitiu o presidente do Incra. E foi se aproximando cada vez mais do agronegócio, que ele definiu como o verdadeiro herói deste país. Uma condenação à morte do incômodo movimento pela reforma.

O Bolsa Família foi outro instrumento de atenuação da demanda por reforma agrária. Hoje o número de acampados à espera dela está reduzido à metade do que era no início do governo Lula. Não porque tenha sido feita uma avassaladora reforma agrária e sim porque o apelo da reforma já não mobiliza com a mesma intensidade que mobilizava no início da redemocratização, no governo Sarney, e no início do governo Lula.

O processo histórico recente parece confirmar que a reforma não é crucial, não polariza politicamente nem arrecada adesões politicamente essenciais a sua viabilização. Em boa parte isso decorre dos erros reiteradamente cometidos por aqueles que usurparam a voz e a vontade dos que efetivamente carecem de terra para trabalhar. Estreitaram o discurso e ampliaram as metas políticas, tentando dela fazer instrumento de transformações políticas radicais em vez de transformações sociais possíveis e necessárias. O que empobreceu o elenco dos aliados. O caso brasileiro, como já ocorreu em outros países, sugere que a reforma agrária tem data de validade. Ou ocorre na conjuntura histórica propícia, a do encontro dos fatores, causas e possibilidades que a pedem e viabilizam, ou perde a oportunidade histórica e declina para acomodar-se na rotina institucional do Estado e do cansaço dos movimentos sociais. O que a empobrece como fator de democratização e de mudanças em favor da justiça social, urgentes e necessárias.

José de Souza Martins é sociólogo, professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP, autor, entre outros, de A Política do Brasil Lúmpen, Místico (Contexto, 2011)

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO

Privataria e ideologia:: José Arthur Giannotti

Não há discussão produtiva se as divergências forem carimbadas como luta entre defensores do Estado e entreguistas deslavados

Existe, sim, importante diferença ideológica entre a privatização tucana e a concessão petista, por conseguinte, entre a assim chamada privataria tucana e a privataria petista.

Sabe-se que a todo projeto político corresponde uma forma de corrupção. Já se tornou consenso que o Estado não possui meios para enfrentar a renovação de nossa infraestrutura; daí a urgente necessidade de parceria entre fundos públicos e capital privado. Quais são, porém, os riscos e os lados sombrios dessa associação?

Não tem sido inócua a pregação petista de que o governo Dilma não privatiza, não transfere estatais para o capital privado, apenas as cede por prazos determinados. Depois de seu decurso, as empresas voltariam para as mãos do Estado e, por assim dizer, para as mãos do povo brasileiro. É essa última ilação que aqui pretendo discutir, porquanto entre o Estado e o povo se infiltra a burocracia. Um Estado proprietário não é aquele que mais convém a esse intermediário?

Burocracia e capital, sempre ligados, assumem hoje configurações especiais. A agregação do valor, por conseguinte a criação do valor, passam a depender da tecnociência. Se para Ricardo ou Marx o desenvolvimento tecnológico indicava capacidade produtiva do trabalho, hoje em dia essa capacidade depende sobretudo da inovação, isto é, do desenvolvimento da ciência e tecnologia. Em geral são os recursos públicos que, direta ou indiretamente, financiam a pesquisa básica, e os recursos privados transformam essa ciência em tecnologia e produtos para o mercado. Mas a aplicação ela mesma se tornou tão refinada que sempre coloca questões científicas.

O capital moderno depende desse círculo. Se a tecnociência se entranha no público e no privado, esse também é o caso da tecnoburocracia. Hoje em dia, o burocrata paradigmático é o grupo dirigente de uma multinacional, seja um banco, seja uma indústria petroleira. Se esse grupo não estiver de olho na invenção, ele morre.

Portanto, nada mais natural, e necessário, que o poder público se associe à tecnoburocracia e queira controlá-la politicamente. Como, porém, efetuar esse controle de um ponto de vista verdadeiramente democrático, correspondendo à vontade do povo? Se a chave da burocracia é o segredo, importa tornar transparentes as instituições, o que somente se torna possível se elas sistematicamente prestarem contas a seu público e abrirem seus arquivos para a mídia. Isso depende de instituições de controle que possam se vigiar mutuamente.

Desse ponto de vista, fica clara a opção petista: juntar a tecnocracia privada com sua própria burocracia, sem passar pelo debate público. No máximo passa pelo ritual das eleições, o grande espetáculo da democracia contemporânea onde os problemas, em vez de discutidos, são apenas fantasiados. O PT é um partido extremamente eficaz. Como todos os partidos atuais, está sempre se socorrendo dos fundos públicos, mas sua eficácia depende de sua capacidade de sugar aparelhos de Estado e se associar às empresas amigas. Aparelha o Estado e as multinacionais companheiras, assim como as empresas "concedidas". A recente concessão dos aeroportos o comprova. Três empresas vão carregar no colo 49% do patrimônio pertencente à Infraero que, se fosse competente e financeiramente sadia, dispensaria participação do capital privado. Aqui importa salientar a associação das duas tecnocracias, formando um tecnopoder incrustado no Estado burocratizado, controlando fundos públicos e colocando limites ao capital privado.

Nada mais ingênuo imaginar que essa tecnocracia público-privada, embora implique considerável reforço do Estado, seja efetivamente democrática. Ela tende a se subordinar aos interesses de poder do grupo dirigente. A maneira como os governos Lula e Dilma tratam a Petrobrás o comprova. Nela o governo manda, como lembrou J. S. Gabrielli, logo ao se afastar da presidência da empresa. Pouco importa se essa política ameace um projeto de energia alternativa como o Proálcool. Apenas interessa o poder pelo poder, sem que a oposição tenha tido ciência ou coragem para denunciar o jogo. Tudo isso não enerva as instituições democráticas?

O PSDB nunca possuiu a unidade ideológica e burocrática do PT. Sobretudo hoje em dia, quando se mostra um arremedo de partido aglutinando caciques regionais. Do ponto de vista ideológico, tanto incorpora neoliberais como social-democratas adeptos de políticas keynesianas. Esse grupo, mais à esquerda, aposta num Estado pequeno, porém forte, capaz de intervir intensamente no mercado e na vida social, não através do monopólio de propriedades, mas reforçando instituições reguladoras. Aqui está o nervo da questão. Apesar de a instituição reguladora também correr o risco de se burocratizar e confundir necessidades públicas com necessidades particulares, ela tende a se mover num campo onde as decisões apresentam melhores possibilidades de serem verdadeiramente transparentes e democráticas. Isso se estiver aberta a ponto de discutir livremente suas decisões políticas. Ora, não há discussão proficiente se as divergências forem carimbadas como luta entre amigos do povo, defensores do Estado proprietário e seus inimigos, entreguistas deslavados.

Também uma política verdadeiramente social-democrata não está livre da corrupção. Os operadores do governo, ou aqueles que acabam de deixá-lo, sempre podem usar privadamente informações privilegiadas. E essa tendência só pode ser combatida pela vigilância pública, além de um Poder Judiciário eficaz e protegido do espetáculo.

José Arthur Giannotti é professor , Emérito de Filosofia da USP, pesquisador do CEBRAP. Autor, entre outros, de Trabalho, Reflexão.

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO